"Há uma Europa que se une em tempos de crise e isso é de enorme importância para todos os estados"
Esteve mais de 30 anos no negócio da banca e se há alguém que lidou com crises, foi António Horta Osório. Por exemplo, quando presidiu ao Lloyds Bank, em Inglaterra, este estava à beira da falência. Foi intervencionado pelo Estado inglês e o mesmo passou, depois de gerido por António Horta Osório, a dar lucro.
Passamos de seguida à conversa. Parte dela foi realizada na Tertúlia que assinalou o aniversário do jornal (no passado dia 16 e na qual a audiência contribuiu também com questões) e outra pequena parte complementar já esta semana. Para onde caminha Portugal e a Europa em 2023 é o mote para a entrevista.
Sei que o inquietam os trilhos que Portugal e a Europa poderão seguir em 2023 e que os temas da ciência, da saúde e do desenvolvimento humano merecem a sua atenção e preocupação. Na sua opinião, quais serão os grandes bloqueios ao desenvolvimento do país e ao desenvolvimento humano para 2023?
Essa é uma questão obviamente crítica e que merece, na minha opinião, uma reflexão mais aprofundada e através dos diversos espetros da nossa sociedade. Tenho dito várias vezes que esta é uma questão que devíamos discutir em termos suprapartidários e intergeracionais.
Portugal cresce a cerca de pouco mais de 1% ao ano nos últimos 20 anos, quando países mais pequenos ou parecidos crescem, em média, 5% ao ano. Será a base do problema?
É o caso da Irlanda, mas podíamos olhar para Singapura, para a Nova Zelândia, para a Austrália, e ver que são países que deram saltos sustentados muito significativos. E isto não é irrelevante.
Por exemplo, se um país cresce a 5% ao ano e o outro a 1%, a cada 20 anos dobra a diferença de rendimento por pessoa nesse país, portanto, é muito significativo. Atualmente, um espanhol tem um rendimento médio 50% superior a um português e o irlandês tem três vezes mais.
Não acho que seja um problema de capacidade. Aliás, os portugueses já demonstraram, pelo mundo inteiro, que têm imensas capacidades, não ficam nada atrás de outros.
Portanto, não é falta de talento?
Não. Acho que é um pouco mais relacionado com "se queremos ou não queremos".
Mas faltar-nos-á ambição? Os portugueses contentam-se com pouco?
É a questão que devíamos debater em profundidade, com as várias partes da sociedade, e chegar a uma conclusão sobre isso. Por que é que não temos o objetivo de, por exemplo, dobrar o rendimento do país em dez anos?
Depois de uma conversa, depois de vários debates, alternativas e sugestões, acordar com a sociedade que queremos ter mais rendimentos. Obviamente, pode ter a ver com "o querer", mas também implica trabalhar mais. Por vezes, diz-se que uma certa empresa tem sorte ou uma determinada pessoa tem sorte, mas costumo sempre dizer que a sorte dá trabalho. Quanto mais se trabalha, mais sorte se tem.
Isso é possível e num espaço de dez anos seria perfeitamente possível dobrar o rendimento do país. Isso implicaria crescer cerca de 7% ao ano em termos nominais. Se no futuro a inflação for de 2%-3%, significaria um crescimento real de 4% a 5%.
Isso parece-me uma questão fundamental, porque se a sociedade como um todo - claro que liderada pelo governo de cada momento e também fortemente pelo setor privado - não quiser fazer isso, isso não vai acontecer. É uma condição necessária, mas não suficiente.
Depois, devíamos pensar no que realmente cria riqueza, de forma sustentada, num país e ao longo do tempo. E aquilo que cria mais riqueza, tentando simplificar, são três coisas fundamentais.
Primeiro, apostar na inovação - e falou na Bial e na Fundação Champalimaud -, porque a inovação cria riqueza. De repente, encontramos um bem ou serviço que proporciona mais valor a quem o utiliza, em relação ao que existia anteriormente. Para termos inovação, temos de ter mais apoios para que o país possa apostar mais nesta vertente.
Quando fala em mais apoios, refere-se a apoios públicos?
Os apoios públicos deveriam ser dirigidos prioritariamente para a inovação, em termos das prioridades que fazem o país crescer. Obviamente, não estou a falar das questões de Segurança Social e etc., mas, em termos de apoios, se queremos apoiar o tecido empresarial, temos de ter prioridades. Todas as moedas têm duas faces, há custos e benefícios. A primeira área que contribui muito, a longo do tempo, para a riqueza de um país e de um povo é a inovação.
A segunda, é o comércio, a lei das vantagens comparativas. As exportações seriam a segunda área que devia ter grandes apoios em termos do país. Isto é, aproveitar os grandes mercados em que estamos na Europa e fora.
Por sinal, as nossas exportações têm vindo a crescer, mas podemos sempre fazer mais e melhor. O comércio é a segunda área de crescimento em qualquer período da História e temos vantagens comparativas, assim como outros países, mas o comércio é a segunda grande fonte de criação de riqueza.
A terceira, é estimular a concorrência e dar aos consumidores mais alternativas para que as empresas não sejam complacentes e procurem sempre fazer mais e melhor em benefício dos consumidores.
Porque se não fizerem, então o seu concorrente fará. Portanto, seriam essas três áreas em que me concentraria, mas é fundamental que o país queira crescer mais. Volto a dizer, não é uma questão de poder, é uma questão de, e se, realmente queremos.
Por que é que nos contentámos com um crescimento de 1% ao ano durante os últimos 20 anos? Por que é que nos contentamos em ter um terço dos rendimentos de um irlandês?
Seria preciso juntar os dois partidos do arco da governação, PS e PSD, para chegar a esse consenso para 2023 e para os anos seguintes?
Seria útil, por duas razões: primeiro, é um objetivo que tem de ser feito, pelo menos, a dez anos, portanto, poderá ter vários governos; em segundo, acho que a sociedade tem de se aglutinar à volta desse objetivo.
A sociedade até pode decidir que não quer, mas o que me parece mal é que, como dizia alguém, não devemos criticar nada para o qual não tenhamos tentado contribuir para uma melhoria.
Portanto, se achamos, como sociedade, que isso é razoável, então temos de aceitar o outro lado da moeda, em que os nossos rendimentos médios e dos nossos filhos vão ser muito inferiores a países semelhantes ao nosso.
Falou da inflação e com uma perspetiva positiva em relação ao futuro, ou seja, de descida da taxa. Mas a inflação que vivemos hoje deixará marcas profundas ainda em 2023?
Deixará seguramente. É uma inflação a que grande parte dos portugueses não estão habituados, porque nos últimos anos tivemos inflação praticamente zero e com taxas de juro que chegaram a estar negativas. Mas lembro-me bem como estávamos nos Anos 80, pós-revolução, com taxas de juro que chegaram aos 30% e inflações de 20% a 30%.
A inflação é um péssimo "imposto" - chamo-lhe imposto porque é um custo cego para as pessoas -, porque provoca imediatamente assimetrias, normalmente é muito pior para quem tem menos posses e acaba por ser um "imposto" cego.
É muito importante que os preços estejam controlados e os bancos centrais foram algo complacentes ao dizer que era um fenómeno temporário, sabendo que as previsões são difíceis relativamente ao futuro.
Portanto, dizer que a inflação seria um fenómeno temporário, era um bocadinho arriscado, tal como se veio a comprovar. A inflação está à volta dos 10%, aqui e em Inglaterra, nos Estados Unidos a baixar, mas ainda assim entre 7% e 8%, portanto, tem de ser controlada.
E tem de ser controlada através da subida das taxas de juro? Tem havido alguma discussão relativamente à política do BCE e alguns políticos têm discordado desta subida consistente, embora outros concordem. O que diz um antigo banqueiro e que conhece bem como se pode atuar e que instrumentos usar?
Infelizmente, nunca vi nenhum caso na História em que taxas de juro reais negativas ajudem a controlar a inflação. Se temos, neste momento, inflação à volta dos 10% e se olharmos para os mercados financeiros, as pessoas acham que as taxas de juro nos Estados Unidos chegarão a cerca de 5% e na Europa aos 3%/4%.
O que é que isso está a assumir? Assume que as expectativas são de que a inflação, no final do próximo ano, estará controlada e à volta dos 3%. Isso seria ótimo, mas também tem riscos importantes.
Atualmente, a inflação está entre os 7% e os 10%, as taxas de juro nos Estados Unidos ainda estão em 4%, e na Europa à volta dos dois e tal por cento.
Ou seja, a inflação tem de começar a descer de forma controlada, sobretudo excluindo as partes mais voláteis do índice, e passar para os targets de 3% dos bancos centrais, com taxas de 4% nos Estados Unidos e taxas de 3% na Europa, só assim estarão adequadas.
Caso contrário, se a inflação permanecer insistentemente acima dos valores em que está, as taxas de juro vão subir mais e ficar mais altas durante mais tempo para ancorar as expectativas de que a inflação vai ser controlada.
Há um risco significativo, não diria maioritário, mas isso pode acontecer. Isso recomenda prudência. Estamos num momento de grande incerteza, as taxas de juro estão a subir, pode ser que tenham de subir mais ou ficar mais altas durante mais tempo.
Portanto, é importante que os consumidores e as empresas, dentro de cada caso concreto e dentro das suas possibilidades, tenham cuidado em aumentar a dívida e poupem mais.
Os tempos são incertos e há riscos de que a situação seja bastante difícil em 2023, além de termos a guerra na Ucrânia, à qual nos vamos infelizmente habituando, mas que tem riscos de, a qualquer momento, poder ter um escalar complicado.
A Europa pode estar numa situação mais frágil do que os Estados Unidos e poderá ter outro tipo de problemas?
A Europa tem dois problemas fundamentais em relação à comparação com os Estados Unidos. O primeiro problema, é a guerra que está aqui ao lado: isso torna-nos mais vulneráveis do que os Estados Unidos, que estão muito mais longe. O segundo problema, é a questão da crise energética, também motivada, em grande parte, pela guerra.
Infelizmente, a Europa não é autossuficiente em termos energéticos e os Estados Unidos tornaram-se autossuficientes em termos energéticos.
Nos Estados Unidos, o aumento do preço do petróleo e do gás faz com que certas empresas ganhem e outras percam, mas dentro do país é indiferente. A Europa tem uma deterioração de termos de troca fundamental com o Médio Oriente - e até há pouco tempo com a Rússia -, em que há uma transferência de riqueza para fora, dado que temos de importar energia muito mais cara.
Isso provoca um impacto muito maior na economia europeia e depreciou bastante o euro em relação ao dólar. Portanto, são duas deficiências da economia europeia face à americana.
Além do facto de que a economia americana já estava a crescer mais, estava numa posição melhor, e partiu de condições-base mais robustas.
Um dos temas relacionados com o crescimento e com os desafios para 2023 tem que ver com a produtividade e que, depois, terá reflexo nos salários. Outro tem que ver com a dívida.
Recordo que, na última entrevista que me concedeu, disse que "os portugueses têm de ter noção de tudo aquilo que cada português produz num ano", e muitas vezes não tem essa noção clara.
Depois, referiu que cada português deve, em média, 1,3 vezes aquilo que ganha por ano e, ao mesmo tempo, tem de aumentar aquilo que cada português deve ganhar.
Olhando para a União Europeia, há uma média de rendimento por pessoa que é o dobro da média em Portugal . Continuaremos nesta senda em 2023?
A produtividade e a questão da dívida são dois problemas diferentes. Em termos da produtividade, isso tem a ver com o crescimento, como referi anteriormente. Temos de ter noção, enquanto país, que é muito mais fácil repartir mais e melhor, se começarmos por produzir mais, como é óbvio.
Se aumentarmos o tamanho do bolo, haverá mais para repartir e também se poderá repartir melhor. É muito importante aumentarmos o produto, aquilo que produzimos em cada ano, para podermos repartir mais pelos portugueses e para que possam ter salários mais altos.
As pessoas têm de ter noção de que, no limite, o salário médio de cada povo é igual à produtividade marginal desse povo. Portanto, aquilo que a pessoa produz em média, é aquilo que ganha em termos macroeconómicos. A questão da dívida é um bocadinho diferente.
Antes de abordar a dívida, o que é que está a faltar nesse gatilho da produtividade?
Em primeiro lugar, como foi referido, é importante que tenhamos continuamente - e estamos a melhorar nesses dados - mais literacia, menos abandono escolar, mais formação profissional e mais formação superior.
É a média de um povo que determina a capacidade de um povo de produzir melhor. Portanto, a produtividade é produzir mais por hora e isso tem a ver com as qualificações, com a educação, que são coisas onde estamos a progredir, mas podemos sempre fazer mais e melhor.
Além disso, também depende da maneira como nos organizamos, tem a ver com a organização do país, das empresas, e com termos bons líderes à frente das empresas. Se as empresas estiverem bem organizadas, as pessoas podem florescer nesse ambiente.
A conclusão é que temos estado pouco ou mal organizados?
A conclusão é que podemos fazer significativamente melhor, na minha opinião, mas para tudo isso acontecer temos de querer. Temos de ter isso como objetivo enquanto sociedade e isso tem de ser o nosso norte.
É como quando as empresas apresentam planos estratégicos a três anos, estabelecem os objetivos que querem atingir e depois são medidos consoante aquilo que vão atingindo ao longo do tempo. E nós não temos esse tipo de objetivos, mas, como país, devíamos ter, sobretudo vendo outros que estão a progredir muito mais rapidamente.
Estamos a perder o comboio?
Não diria que estamos a perder o comboio, temos é comboios que estão a ir mais rapidamente, mas estamos a aproximar-nos da média da Europa.
Vejo que está otimista...
A verdade é que não estamos a descer, até estamos a subir. Por exemplo, este ano estamos com um bom crescimento e estamos a aproximar-nos da média da Europa. A questão é o ritmo a que nos estamos a aproximar.
A segunda questão é onde queremos ir e, a mim, parece-me muito importante ter uma noção clara de onde se quer chegar. É uma condição fundamental, não é suficiente, mas é necessária.
Se não sabemos onde queremos chegar, dificilmente lá chegaremos. Se soubermos onde queremos chegar, podemos chegar ou não, mas pelo menos temos o norte claro.
No passado, elogiou António Costa e o ministro das Finanças à época, Mário Centeno, precisamente pelas contas certas. Ainda assim, a dívida é um problema crónico para Portugal e continua, apesar de muito esforço, a ser um bloqueio. Na gestão da dívida, o que é que o preocupa e o que pode o país fazer? Renegociar a dívida poderia ser uma solução?
Há dois aspetos importantes que temos de deixar claros. Primeiro, a dívida, em si, não é uma panaceia, não é um objetivo em si - o que é importante é que não seja uma restrição ao nosso crescimento e aquilo que queremos fazer enquanto país.
A dívida tem a ver com limitar as nossas possibilidades de crescimento e limitar-nos no sentido de decidirmos o nosso destino, mas não é um objetivo em si.
Em segundo lugar, na dívida estamos melhor e essa trajetória foi iniciada pelo Dr. Pedro Passos Coelho, com imenso custo para o país, mas não havia outra alternativa na altura. E o primeiro governo do Dr. António Costa e o atual governo continuam nessa trajetória e, na minha opinião, bem.
Temos de ter noção de que agora estamos com uma dívida sobre o produto que deve chegar ao final do ano ligeiramente abaixo dos 120%, o que é obviamente um valor bastante alto, continua a ser mais do que aquilo que se produz no país por ano.
Mas, em termos relativos, estamos bastante melhores, porque há outros países que estão muito piores. Costuma dizer-se que com o mal dos outros podemos nós bem, mas neste caso não é bem assim. E não é bem assim, sobretudo, em relação a França. França, em conjunto com a Alemanha, são dois países core da Europa e a dívida sobre o produto francês está à volta dos 115%.
Portanto, penso que Portugal está com uma melhor trajetória das contas públicas e o senhor primeiro-ministro anunciou (este mês) que o défice ficará à volta de 1,5% este ano, em vez do 1,9% anteriormente mencionado.
Ou seja, temos a possibilidade de, em 2023 ou no máximo em 2024, ficarmos com a dívida sobre o produto interno com um rácio abaixo do francês. E isto é crítico porque, se ficarmos abaixo do rácio de França, que é um dos pilares da Zona Euro, passamos a controlar o nosso destino.
Ninguém nos vai dizer para fazermos algo, antes de dizer aos franceses, e isso já é outro campeonato. Isso é muito importante, especialmente em ligação com o primeiro ponto que referi.
Isto é, não é uma panaceia, é uma questão de não termos uma restrição externa imposta sobre o país, contra a nossa vontade, num momento que pode ser menos adequado.
Passamos a controlar o nosso destino e ficamos melhor, com contas controladas para podermos crescer, porque se não, no futuro, temos de tirar recursos para, de repente, fazer ajustamentos, como Portugal andou a fazer repetidamente nos últimos 40 anos.
Portanto, no aspeto da dívida estamos melhor, o equilíbrio das contas públicas é fundamental para o país controlar o seu destino e poder continuar a alocar recursos ao crescimento, sobretudo quando as taxas de juro estão a aumentar e temos esta situação de incerteza.
Estamos melhor, mas há que continuar nesta direção e realmente, como referimos no início da conversa, os tempos são muito incertos, as taxas podem subir além do que pensámos, e se pensar que o país, como um todo - contando a dívida pública, dívida das empresas e dívida das famílias -, tem um endividamento total superior a 300% do PIB.
Se as taxas de juro subirem 2%, por exemplo, ao fim de uns anos quando os empréstimos se renovam, teríamos de dedicar 6% do PIB para pagar o custo da dívida, em relação ao que estamos a fazer há dois anos, com as taxas próximas de zero.
Continua a ser um encargo muito significativo e é fundamental que continuemos neste caminho de reduzir a dívida em percentagem do PIB. Repito: estamos num bom caminho, se ficarmos abaixo de França ficamos noutro campeonato, mas há que não ser complacente e há que prosseguir na situação.
Outro tema importante para 2023 é a demografia. Não há crescimento sem pessoas. Que políticas públicas poderiam ajudar a enfrentar este desafio para 2023? Descer os impostos sobre o trabalho poderia ajudar?
Já iremos aos impostos sobre o trabalho, mas a questão da demografia é um aspeto absolutamente crucial. No crescimento do produto, a primeira coisa que conta é o número de pessoas que estão a produzir.
Portanto, se tivéssemos uma população a aumentar, em vez de a diminuir, naturalmente isso ajudaria ao crescimento do produto. O problema demográfico é muito importante para Portugal.
Se nada for feito, daqui a 30 anos teremos mais de um dependente para cada trabalhador, a nossa população descerá de dez milhões para nove milhões. A Europa vai subir 5%, nós desceríamos 10%.
Passaríamos a ter mais de um dependente por cada trabalhador, o que não acontece com a Europa.
Portanto, Portugal tem um problema demográfico sério, não só na questão do envelhecimento e de termos menos trabalhadores em relação às pessoas que não trabalham, mas imagine os enormes custos sociais e médicos de apoio a uma população muito mais envelhecida que, naturalmente, precisa de mais cuidados médicos.
De novo, e também já disse isto publicamente, devíamos ter um debate sobre se não devíamos aumentar significativamente a população do país.
Através da imigração?
Sim, como outros países fizeram, tal como Singapura, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, que têm políticas claras de imigração.
Só há uma outra maneira de aumentar a população: ou temos um aumento de taxa de natalidade, o que é possível e desejável, mas leva tempo, ou voltamos a atrair para Portugal os portugueses que emigraram nas últimas décadas.
Isto já tem vindo a ser feito e, na minha opinião, bem. Ou ainda termos uma política de imigração, mas tem de ser uma política mais abrangente e que não deve ser baseada unicamente em questões financeiras ou de vistos gold.
Devia ser baseada em que tipo de pessoas queremos atrair, com base nas competências que o país precisa, onde temos falta de competências, e pessoas de países e religiões que tenham um enquadramento social adequado em Portugal.
Isto tem de ser feito com conta, peso e medida, naturalmente, mas podíamos perfeitamente ter 50% a mais de população. Temos a mesma população da Bélgica com praticamente o dobro do tamanho e temos praticamente a área da Holanda com metade da população.
Há outros países que já o fizeram e acho que o aumento de população poderia contribuir muito para o aumento da riqueza no país com toda a atividade económica que isso traz.
E reduzir os impostos sobre o trabalho poderia ser uma forma de contribuir para a natalidade e a atração de talento para Portugal?
Acho que os impostos têm mais a ver com a questão de que modelo económico queremos para o país.
Muitos economistas defendem um choque fiscal...
Vou chegar aí, mas gostava de partir do todo para o concreto e acho que não nos devemos distrair demasiado em medidas concretas. Temos de decidir, dentro desta linha de que estamos a falar, qual é o melhor modelo económico para o país.
E, pessoalmente, sou mais a favor do modelo em que, na sequência de tudo aquilo de que falámos, haja mais recursos para o setor privado e relativamente menos recursos utilizados pelo Estado.
Porque acredito que o setor privado, ou seja, as pessoas terem mais dinheiro no bolso para gastarem como acharem adequado, é aquilo que a prazo produz mais riqueza para o país.
Acho que ficou mais do que provado que o modelo de direção central falhou. O modelo de uma União Soviética, de uma Cuba, de uma Coreia, falhou.
Partindo do pressuposto de que os recursos que são escassos são, em geral, mais bem empregados no setor privado do que no público, seria adepto de, quando fosse possível, uma descida de impostos.
Penso que isso geraria mais riqueza do que não estar a descer os impostos e utilizar mais dinheiro no setor público. Quando fazemos uma coisa, temos sempre de pensar qual é a alternativa.
Portanto, em termos gerais, prefiro ter um Estado mais pequeno, mas ter mais dinheiro na mão dos pequenos empresários e das pessoas para que elas próprias giram a riqueza. Acho que cada um gere melhor o seu dinheiro do que todos gerimos o dinheiro de todos.
A UE de hoje é mais forte, mas podemos dizer que, apesar da lição da pandemia e da cooperação na compra de vacinas, persistem divisões de fundo segundo os interesses nacionais?
A União Europeia é um projeto que envolve a conciliação de interesses de 27 Estados. Nesse sentido, é um projeto que se vai construindo e, portanto, por vezes avança mais devagar do que gostaríamos. Mas vejo isso como um trade-off normal entre querer resultados e alcançá-los sem forçar demasiado a soberania de nenhum país.
É importante não esquecer que a União Europeia nasceu com o intuito de assegurar uma paz duradoura na Europa, e que, nesse aspeto se tem mostrado muito coesa, como pudemos observar no forte apoio que tem demonstrado à Ucrânia e na condenação da agressão russa, fundamental apesar dos custos de curto prazo ao nível de gastos e abastecimento de energia à Europa. Na resposta que foi dada durante a pandemia, também aí a Europa se mostrou unida e concertada. Ou seja, o que temos observado é uma Europa que se une em tempos de crise e, isso, é de enorme importância para todos os Estados que a compõem.
Já que falamos na Europa, em 2023 já teremos as feridas saradas relativamente ao Brexit? Como é que avalia as consequências dessas eventuais feridas para o próximo ano?
Acho que as consequências do Brexit começam a tornar-se mais claros à medida que os efeitos da pandemia desaparecem.
Começa a ver-se o crescimento relativo de Inglaterra em relação às economias mais desenvolvidas e começa a ver-se uma maior inflação em Inglaterra do que nas economias mais desenvolvidas.
Acho que é de bom senso que, se um país sai de uma zona económica que é, a par com os Estados Unidos, a zona económica mais rica do mundo, claro que em termos de comércio e de acesso a um mercado com 350 milhões de pessoas, tem de haver alguns efeitos sobre isso.
É claro que a sociedade inglesa decidiu, e há que respeitar essa decisão, mas decidiu que preferia ter autonomia total relativamente às suas decisões. É uma decisão de soberania, em relação a potenciais trade-offs económicos.
Mas penso que esses trade-offs económicos estão a tornar-se claros à medida que o tempo decorre. Relativamente a se os efeitos estão sanados, penso que a nação inglesa tem é de olhar para a frente e enfrentar as dificuldades que tem.
Acho que a Europa passou essa página e acho que demorará, pelo menos, uma geração até que o assunto possa ser reequacionado de parte a parte.
Acredita que 2023 será o ano da reindustrialização europeia?
Acho que 2023 vai ser um ano de dificuldades para a Europa. A questão da guerra não tem previsão de estar resolvida a curto prazo e a questão da dependência de energia da Europa não tem perspetivas de se poder resolver num prazo curto.
A Europa está a tomar medidas para ter gasodutos que venham do norte de África e ter fornecimento de energia alternativa, mas muitas dessas medidas levam tempo. E, em simultâneo, as taxas de juro estão a subir para controlar a inflação.
Portanto, vai ser difícil reindustrializar a Europa com este contexto económico?
Reindustrializar leva tempo. A direção a seguir é, em parte, que as cadeias de abastecimento se deslocalizem para os seus países de origem. Mas em termos de realismo, acho que as pessoas têm de ter noção de que o próximo ano vai ser difícil.
É melhor estar numa perspetiva de prudência, porque há uma grande incerteza, há uma possível recessão na Europa e nos Estados Unidos no próximo ano, e Portugal é uma pequena economia aberta que não pode ter políticas macroeconómicas em contraciclo com a Europa e o resto do mundo.
Temos de perceber para onde vai o mundo e a Europa e depois adotar as nossas políticas, mas nunca em contraciclo.
Sentiu na pele a situação de burnout. Que conselhos daria aos líderes, especialmente num ano desafiante de 2023, para que quando sentem os primeiros sinais possam conseguir atuar a tempo?
Tenho todo o gosto em partilhar isso, porque, como disse, tendo passado por essa situação bastante complicada, o mínimo que posso fazer para tentar ajudar outras pessoas a encarar isso e ultrapassar, é partilhar.
O primeiro ponto que referiria é o seguinte: todos temos saúde física, como temos saúde mental, e não devemos estigmatizar o assunto.
Tal como partimos uma perna, temos uma infeção ou podemos ter uma doença complicada, podemos ter uma exaustão, podemos ter uma depressão ou uma doença mental.
E o primeiro aspeto é não estigmatizar isso e sabermos que, da mesma forma que tratamos as questões físicas, também devemos tratar as questões mentais. E acho que isto é muito importante em duas dimensões distintas.
Primeiro, ao nível pessoal, no sentido de a pessoa perceber que tem um problema mental, tal como pode ter um problema físico e que, portanto, não deve tentar escondê-lo. Deve partilhá-lo e procurar ajuda.
Em segundo, ao nível das empresas, no sentido de não estigmatizarem a questão, terem meios de apoios aos colaboradores da empresa, para que estes se sintam apoiados, para que os colegas os respeitem, para que não sejam vistos como um problema e para que mais facilmente tenham apoio familiar e profissional para poderem ultrapassar esses problemas.
O primeiro ponto essencial é não estigmatizar.
O segundo ponto, em termos pessoais, é procurar ajuda, porque esses aspetos resolvem-se e foi precisamente por ter sofrido de uma exaustão profunda que quis partilhar isso.
Fi-lo, primeiro dentro do Lloyds e, depois, com as pessoas em geral, para mostrar que isto é possível ultrapassar e que não devem sentir que têm um problema que mais ninguém tem, e que não tem solução.
O terceiro ponto, e vai ser um ano difícil, acho que as empresas têm de ter essa preocupação, têm de liderar pelo exemplo, e têm de colocar mecanismos à disposição das pessoas para que elas sejam apoiadas, recuperem rapidamente e possam voltar ao trabalho.
Por exemplo, no Lloyds, fizemos uma formação a começar pela comissão executiva, na qual eu próprio participei, de seguida fizemos uma formação aos dois mil quadros superiores do banco - cerca de 60 mil pessoas -, e alargámos progressivamente a todos os colaboradores do banco.
Acabámos por ter uma app disponível para todos que tinha webinars, tinha grupos, que consoante o problema (uma questão de exaustão, depressão, etc.), poderiam partilhar informação, ver que não eram casos únicos, e ter apoio médico via digital.
Todas as pessoas tinham apoio, acesso à formação e desestigmatizámos o assunto o mais possível. São essas as recomendações que faria.
Não fazer disso um tabu é essencial e, durante a pandemia, foram várias as empresas que criaram gabinetes de apoio à saúde mental, e que importante isso foi para tantas pessoas.
Que mensagem final para 2023 gostaria de deixar aos líderes e aos leitores do DN?
Obviamente, trabalhei muitos anos em banca e isso tem uma certa deformação, no sentido em que, na dúvida, prefiro ser prudente, é uma questão profissional. Mas gostava de deixar uma mensagem de esperança.
Isto é possível, aquilo de que falámos aqui é possível. O país tem todas as capacidades para fazer mais e melhor, só temos de decidir fazê-lo, arregaçar as mangas e, em conjunto, tentar fazer mais e melhor.
Temos um ano difícil à frente, 2023 vai ser um ano difícil, mas dizer que vai ser difícil não é ser pessimista, é ser realista. Se sabemos que temos uma dificuldade à frente, parece-me melhor pensarmos, de antemão, como a vamos enfrentar e ultrapassar.
Todas as empresas têm momentos positivos e negativos, todos temos momentos de sorte e de azar.
O que é fundamental, quer em termos pessoais, quer em termos profissionais nas empresas, é termos a resiliência e a prudência para conseguir resistir aos momentos negativos e ultrapassá-los para podermos estar nos momentos positivos e de sorte.
Porque, se nos momentos negativos, nos deixarmos ir abaixo ou se as empresas forem apanhadas ou falirem, já não temos tempo para chegar aos momentos positivos ou beneficiar deles.
Acho que Portugal tem todas as condições para fazer mais e melhor, estamos a ir numa boa direção nas contas públicas, o que é importante para não termos constrangimentos adicionais quando as taxas de juro estão a subir.
Temos de decidir enquanto país se queremos fazer mais e melhor e em que medida. Acho que ter um objetivo público sobre isso ajudaria, mas acho que o povo português é fantástico, temos essas capacidades e, na minha opinião, acho que o deveríamos tentar fazer.
Jorge Fonseca de Almeida
Onde iríamos buscar o dinheiro para aumentar o investimento em inovação e no comércio? Através de impostos, cortes nalgumas áreas do Orçamento do Estado e, se sim, em que áreas?
Além disso, a questão da relação entre produtividade e Educação, como é que se explica esta ligação? E, por fim, qual é a vantagem de Portugal estar numa zona económica em estagnação profunda, muito mais do que a nossa?
Tentando responder sumariamente às perguntas, começo pela questão da produtividade. O que disse foi que um dos aspetos fundamentais na produtividade é a Educação, mas naturalmente há outros, como a organização do país e das empresas.
Temos de ter empresas e um país bem organizados, porque assim as pessoas conseguirão produzir mais por cada hora de trabalho. É um conjunto de fatores, dos quais a Educação é um, mas não é o único.
Em relação à questão do investimento, temos de ter noção de duas coisas: primeiro, já existe investimento no país todos os anos; e, segundo, os recursos são escassos e há sempre trade-offs.
Neste momento, temos uma grande oportunidade, na medida em que temos o PRR e os fundos europeus disponíveis que espero que venham a ser bem utilizados, que são maioritariamente direcionados ao investimento no setor público e, portanto, permitem que o Estado não tenha, por si, de fazer esses investimentos.
Parece-me perfeitamente possível que haja uma realocação geral dos investimentos públicos do país, que deveriam ser redirecionados na medida do possível para a área da inovação e à das exportações.
Por fim, o facto de nos estarmos a aproximar da média europeia nos últimos anos, é obviamente algo positivo, mas não nos podemos esquecer do mais importante, que é a posição que temos em relação à média europeia.
Portanto, o que interessa a cada português é que, a cada ano que passa, um espanhol em funções idênticas ganha mais 50% e o irlandês ganha o triplo.
O facto de a Europa não estar a crescer face ao que seria desejável, tem de ser contraposto ao facto de que os rendimentos médios na Europa são muito elevados. Uma coisa é aproximarmo-nos, outra é continuarmos abaixo.
E aquilo que acho é que, enquanto sociedade, devíamos decidir qual é o objetivo que queremos, se queremos aproximar-nos dos rendimentos dos franceses, dos alemães ou dos irlandeses, e em que período de tempo.
Além disso, temos de saber se queremos ir mais depressa do que os países emergentes, como a República Checa ou a Eslováquia. O que temos de fazer é decidir, definir um objetivo, um tempo para o alcançar, e depois todos trabalharmos nessa direção.
A vantagem de nos mantermos na União Europeia é, diria, esmagadora. Primeiro, gostava de deixar claro, especialmente em tempos de guerra, que o projeto europeu nasceu como um projeto de paz na Europa.
Agora temos uma guerra aqui ao lado e o facto de estarmos inseridos no projeto europeu, proporcionou a maior paz da História europeia. Depois, um país pequeno como Portugal, ter acesso a um mercado com 350 milhões de habitantes, é uma oportunidade extraordinária.
Agora desceu um bocadinho devido à saída de Inglaterra, mas contínua a ser um mercado extraordinário. Por fim, se não estivéssemos na União Europeia, teríamos taxas de juro muito diferentes das que temos, com um prémio de risco muito diferente, sem ter a âncora da zona euro.
Padre Vítor Melícias
Podemos realmente seguir um caminho de discriminação positiva dos inovadores?
Começo por responder com uma frase de Margaret Thatcher: "Igualdade de oportunidades não significa a oportunidade de sermos todos iguais". Todos temos de ter igualdade de oportunidades, mas os talentos de cada um devem responder na medida do esforço de cada um.
Bruno Bobone
Gostava que falasse um pouco sobre a questão da justiça económica. Além disso, colocava outra questão: com tudo o que passámos com a pandemia e agora com a guerra, houve uma óbvia decisão de deslocalizar a produção do Oriente que estava concentrada na China e nos países à volta.
Vai verificar-se investimento, em termos de indústria e de agricultura, também noutros países, mas não o ouvi falar sobre essas duas vertentes no desenvolvimento de Portugal e penso que a autonomia também vai ser uma questão fundamental para o futuro.
Em relação à justiça, e afastando-me um bocadinho da minha área de especialidade, creio que tem a ver com os custos de contexto. Ou seja, temos de ver o progresso do país como um todo, não podemos ver soluções parciais.
E dentro do todo, claro que a justiça tem coisas a melhorar e temos sempre de manter uma postura de tentar fazer mais e melhor. Caso contrário, começamos a diminuir, somos complacentes, e as coisas pioram.
E é um facto que as decisões no campo da Justiça levam, obviamente, demasiado tempo e que os custos de contexto derivados da Justiça em geral, são mais elevados do que noutros países.
A única coisa que diria é que isso faz parte dos custos de contexto e dentro de um plano de desenvolvimento geral, todos devíamos melhorar e essa área, como todas, pode melhorar.
Em relação à deslocalização das cadeias de produção que mencionou, esse é um dos aspetos que tem vindo a fazer aumentar a inflação. Ou seja, até há cerca de três anos, as empresas guiavam-se meramente por critérios de produção económica.
Era mais barato produzir noutros mercados e ao mesmo tempo fazia-se o just in time. Portanto, produzia-se noutros mercados mais baratos, com salários mais baixos ou maior produtividade, produzia-se quando o consumidor necessitava dos bens, e tinha uma cadeia de distribuição muito bem alinhada, mas que não ligava a zonas políticas ou a questões de barreiras, tal como a questão da guerra.
Com a pandemia, primeiro, e a guerra agora, as empresas a nível mundial mudaram o paradigma em relação às cadeias de distribuição e estão a ter uma muito maior preocupação com ter a certeza de que a cadeia de produção está disponível.
Algumas acabam por passar para os seus mercados domésticos para terem a certeza de que não têm interrupções, mas isso leva, como trade-off, a que os preços tenham subido mais.
Agora, uma boa parte das cadeias de distribuição têm de estar mais perto do consumidor final, por forma a assegurar que não há interrupções. Veja-se o que aconteceu com os iPhones, na China, agora com a questão da política de zero-covid.
Mas tudo isso fez a inflação aumentar e, a par com a energia, é mais um fator que tem vindo a fazer os preços aumentarem e esse aspeto não vai desaparecer. As empresas agora vão ter de ponderar mais entre a produção mais barata ou o terem a certeza de que não há interrupções nas cadeias.
Ricardo Baptista Leite
Agradeço pela coragem que tem tido em falar tão abertamente da saúde mental em contexto laboral, algo que é determinante. Creio que sozinho fez mais do que muitas campanhas ao longo dos anos.
Apresentou aqui dois pensamentos que gostaria que aprofundasse: um tem a ver com a imigração, referiu o Canadá e Singapura, dois países muito atrativos e com políticas de imigração que permitem atrair quadros diferenciados.
Como é que Portugal, para estabelecer uma estratégia de atração de imigração nesse sentido, que políticas públicas teria de implementar para acelerar esse processo?
Em segundo lugar, uma problemática transversal a toda a sociedade, a habitação. Que políticas serão necessárias para abordar esta questão que afeta milhões de portugueses
Estou absolutamente de acordo com a primeira parte da sua pergunta, isto é, o mecanismo do Canadá ou de Singapura é um mecanismo que teríamos todas as vantagens em implementar.
Em segundo lugar, isso já está a acontecer. Portugal estava a descer a população até há três/quatro anos, e neste momento já temos um saldo líquido positivo, muito devido às políticas que foram sendo introduzidas ao longo do tempo.
Por exemplo, o regime de residente não-habitual que tem vantagens fiscais para estrangeiros que se desloquem para Portugal. Naturalmente, isso concorre para colmatar uma parte das diferenças salariais em relação a países europeus.
Mas há outros países, como o Brasil que tem como grande vantagem falarmos a mesma língua, em que o rendimento em Portugal é muito mais alto. Portanto, podemos atrair pessoas de países como o Brasil, que falam a língua e que têm rendimentos mais baixos.
Não penso que tenhamos um problema de atração, acho que temos é um problema de seleção. Como referi anteriormente, não me parece que a entrada das pessoas deva só ser baseada em questões fiscais ou em vistos gold.
Deve ser feita uma análise do país, quais são as funções profissionais que demoramos mais tempo a formar, nas quais temos um gap, e que, portanto, podemos e devemos receber estrangeiros.
Além disso, temos de definir que tipo de pessoas queremos para podermos ter uma inserção social adequada e não haver problemas, por exemplo, como existem em França, em termos de questões religiosas e sociais.
Portugal tem enormes vantagens em termos de clima, tem enormes vantagens em termos de população - penso que o português é extraordinário a acolher estrangeiros -, e temos mudanças fiscais importantes.
Falta-nos, penso eu, ter o planeamento para poder decidir de todas as pessoas que podem querer vir para cá, qual é a conta, peso e medida dessas chegadas para que haja uma inserção social adequada.
Temos de saber quais são os backgrounds, sociais e religiosos, e quais são as funções em que deveríamos fazer "publicidade" para que as pessoas venham para cá.
Os números são positivos, começámos a ter uns milhares de saldo positivo em 2018/2019 e no último ano disponível, penso que é 2020, já tínhamos dezenas de milhares de saldo líquido positivo.
Agora, dezenas de milhares para uma população de dez milhões, não nos leva a ter 15 milhões em dez anos. Sabendo nós que, se nada for feito, os dez passarão a nove em 2050, portanto, é um problema muito sério.
Em relação às políticas habitacionais, penso que temos de ter algum cuidado neste momento. Vivemos 15 anos de taxas de juro quase a zero e os portugueses tiveram a possibilidade de comprar casa com juros incrivelmente baratos.
Neste momento vamos ter taxas a subir, os spreads da habitação estão a subir, e as pessoas incorrerem em muito mais dívida agora, provavelmente não seria o melhor momento para fazer isso.
Valentino Viegas
Temos falado muito na produção de riqueza, mas a minha provocação é outra: a destruição de riqueza. O que verifico no mundo é que cada vez mais há pessoas a acumular riquezas e aumentam o número de pobres. Como é que se resolve esta equação?
É uma pergunta muito pertinente. Na minha opinião, só se resolve com diversas formas simultâneas, e a primeira é que a repartição é fundamental, mas é muito melhor repartir um bolo grande do que um bolo pequeno.
Primeiro, devemos aumentar o bolo porque é sempre mais fácil repartir e, naturalmente, um bolo maior chega mais a toda a população. Em segundo, uma maneira de o repartir é através dos impostos.
Portanto, o governo tem de tomar decisões importantes dentro desse bolo sobre como utilizam o dinheiro dos impostos, e como o utilizam em benefício das populações. Tudo aquilo de que desfrutamos em termos de SNS, escolas, estradas, etc., é tudo proveniente de dinheiro de impostos.
A segunda questão é se, como dizia, uma pequena parte da população tem uma parte desproporcional da riqueza - e acho que tem razão e os números apontam nesse sentido -, uma maneira de corrigir isso é através dos impostos.
A outra maneira de corrigir, e tem sido o caso a nível mundial, [é que] há muitas pessoas cuja riqueza se tornou estratosférica que têm vindo a fazer donativos ou a comprometer-se que, aquando da sua morte, uma grande parte da riqueza é distribuída por várias causas.
Isso tem de ser atuado nas várias maneiras possíveis: primeiro, tornar o bolo maior, segundo, repartir de maneira mais justa - e a política fiscal é uma questão importante na repartição -, e depois, em termos do setor privado, os donativos feitos para caridade e como a riqueza é distribuída depois da morte das pessoas.