Já vestiu um colete antibala?
Os portugueses andaram apaziguados com tantas notícias de crise, graças às férias ou pausas com sol, praia e campo. Agora, fim de agosto, muitos começam a fazer contas à vida. Há um novo ano letivo prestes a começar (seja lá como for, porque infelizmente pouco ou nada se sabe ainda acerca da forma como vai ser organizado pelo ministro da Educação) e há uma crise que se instala progressivamente na economia e na sociedade portuguesa.
São muitas as famílias que já passam grandes dificuldades financeiras - e estariam em situação de pobreza ainda maior, não fossem os apoios do Estado, financiados por todos os contribuintes líquidos.
Tudo indica que o novo normal não vai ser risonho. Não será apenas em teletrabalho, nem com mais tempo em família para cuidar dos filhos. O novo normal vai ser feio. Sim, feio. Todos os dias, a realidade vai fazer-nos caretas e puxar por cada um de nós. Renovar, reorganizar, reestruturar, reinventar são verbos que farão ainda mais parte do dia-a-dia.
No setor privado e também no público, os portugueses não poderão ser complacentes com a falta de produtividade, de exigência, de qualidade, de empenho e de trabalho de equipa. O que nos será pedido em termos de atitude e trabalho enquanto sociedade vai ser tão intenso que temos de estar preparados para ter e vestir um colete antibala. Até haver vacina e ser recuperada a confiança de consumidores e investidores, o colete vai ser útil para amortecer muitas balas, porque o pior ainda não passou.
Veja-se o estado do défice. Nesta semana, ficámos a saber que o défice público de janeiro a julho explodiu quase 1800%: atingiu os 8332 milhões de euros, segundo indica o Ministério das Finanças. Só o lay-off simplificado custou 752 milhões. A culpa não é só desta medida de apoio ao emprego, que cortou salários e horários de trabalho de quase 900 mil trabalhadores de finais de março ao fim de julho, mas é o efeito de contração da receita (-10,5%) e o crescimento da despesa (5,3%). Se dúvidas houvesse, estes quase 1800% evidenciam os efeitos da covid na economia e nos serviços públicos, bem como das políticas de mitigação da crise.
João Leão, ministro das Finanças, não vai ter tarefa fácil, como aqui já detalhadamente escrevi. As medidas extraordinárias de política de apoio às famílias e às empresas, que foram necessárias, provocaram uma degradação adicional das contas públicas. Por exemplo, também os impactos da prorrogação das retenções na fonte (IRC e IRS) e do pagamento do IVA, a suspensão de execuções da receita e as medidas de isenção ou redução da taxa contributiva afundaram os cofres do Estado.
Do lado da despesa, acresce aos custos do lay-off a aquisição de equipamentos na saúde e outros apoios suportados pela Segurança Social. Quando da carteira de uma família começa a sair mais dinheiro do que entra, já sabemos o que acontece. Não precisamos do cargo de governante para o perceber. O aperto vem aí e o outono-inverno pede mesmo que se vista o tal colete - mas só nos protege se estivermos bem conscientes dos perigos e preparados para a luta.
Jornalista