Dos morcegos aos humanos. Ébola já matou 75 pessoas na República Democrática do Congo
A morte e o enterro de uma mulher de 65 anos em Mangina, na República Democrática do Congo, no final de julho, terá estado na origem do mais recente surto de febre hemorrágica no país, que conta até ao momento com 111 casos, dos quais 83 confirmados e 28 prováveis, e um total de 75 mortos. Em causa, explicou a Organização Mundial da Saúde (OMS), está o facto de não terem sido seguidas as normas de segurança no funeral da mulher infetada, o que fez que, pouco depois da morte, sete familiares diretos tivessem falecido com sintomas de ébola.
Os rituais fúnebres, que envolvem o contacto com o corpo das vítimas, são uma das formas de transmissão da doença por vírus ébola, que se propaga por contacto direto com fluidos ou secreções corporais (como sangue, vómitos, urina, fezes, saliva ou sémen) de pessoas infetadas, mortas ou vivas. Além disso, pode também ser transmitida através do contacto direto com superfícies, objetos ou roupas contaminadas com fluidos de doentes.
"O período de maior infecciosidade é na fase final da doença. No funeral, ainda há o risco de transmissão, pelo que, nestes países, onde os funerais envolvem rituais de contacto com o corpo, as condições são propícias a que isso aconteça", explica Joana Alves, infecciologista no Hospital de Braga.
Quem estuda o vírus, descoberto pela primeira vez em 1976, no antigo Zaire (atual República Democrática do Congo), perto do rio Ébola, acredita que os morcegos-da-fruta (Pteropodidae) podem ser um dos reservatórios naturais do ébola. Sabe-se que é transmitido aos humanos através dos primatas, contudo ainda não está provada a transmissão dos morcegos a este grupo de mamíferos. Uma das possibilidades é que sejam contaminados com o vírus através da saliva dos morcegos presente nas frutas, mas não existem evidências científicas.
Depois de os primatas serem infetados, o vírus multiplica-se rapidamente, chegando aos humanos através do contacto com os animais ou da alimentação. Se o sistema imunitário não responder eficazmente, a doença pode ser fatal. De acordo com os dados da OMS, a taxa de letalidade varia entre os 25% e os 90%.
Segundo Joana Alves, a taxa muda consoante o local onde a doença é diagnosticada e tratada: "Nos últimos surtos, foi de 40% a 60% nos países em desenvolvimento, mas nos países desenvolvidos varia entre 18% e 20%." Em causa estará a diferença nos cuidados de saúde e na capacidade de diagnóstico, que, segundo a especialista, melhorou bastante nos últimos anos.
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Esta é a décima epidemia da doença na República Democrática do Congo desde 1976 e afeta, sobretudo, as províncias de Ituri e Kivu do Norte, uma das zonas mais violentas do país, o que torna a intervenção particularmente delicada. Foi declarada no dia 1 de agosto, poucos dias depois de as autoridades terem dado como terminado o nono surto de ébola que atingira o noroeste do país e que matou 33 pessoas e infetou cerca de 50.
Desde 8 de agosto, foram vacinadas mais de 2000 pessoas contra o ébola na República Democrática do Congo, o que poderá ajudar a controlar a propagação do vírus, já que se trata da mesma vacina usada no último surto e que, embora só tenha sido administrada na fase final da epidemia, "teve alguma eficácia".
"Até ao momento, não há nenhum tratamento específico", sublinha Joana Alves. Há, no entanto, cinco tratamentos experimentais aprovados para a doença. De acordo com a CNN, duas das primeiras 16 pessoas que receberam tratamento experimental para o ébola já recuperaram.
Das cinco terapêuticas, duas já começaram a ser testadas, tendo demonstrado resultados positivos. "Este é um grande avanço na resposta ao ébola", disse à BBC Tarik Jasarevic, porta-voz da OMS, acrescentando que são esperadas mais recuperações nos próximos dias.
Devido à forma como a doença se propaga, é comum os profissionais de saúde serem infetados. Desta vez, há 14 profissionais doentes, um dos quais já morreu. Na sexta-feira, conta o The Guardian, soube-se que um médico foi internado com sintomas de ébola, na província Oicha, tendo já sido identificadas as 97 pessoas com as quais contactou. Segundo os estudos feitos até à data, a pessoa só transmite a doença quando apresenta sintomas.
Ativistas locais têm alertado para o facto de alguns grupos da sociedade acreditarem que a doença é causada por feitiçaria.
A pior epidemia de ébola ocorreu entre 2014 e 2016, na Guiné Conacri, tendo-se depois expandido para a Serra Leoa e a Libéria. Registaram-se 11 300 mortos e mais de 28 500 casos.
Na sequência deste último surto, o Ministério da Saúde decretou a gratuitidade dos cuidados de saúde nas zonas sanitárias mais atingidas pela epidemia.
Dois a 21 dias após a exposição ao vírus, começam a aparecer os sintomas: febre, náuseas, vómitos e diarreia, dores abdominais e musculares, dores na cabeça e na garganta, fraqueza. Tal como com outras infeções, Joana Alves diz que os sintomas podem ser confundidos com os de outras doenças, como a gripe. Na fase seguinte, surgem manchas na pele, insuficiência hepática e renal. Em alguns casos, há hemorragias internas e externas abundantes e insuficiência de vários órgãos na fase final da doença.