Basta de desculpas, é tempo de agir

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"Os alunos de uma mesma turma nem se conhecem." A frase de Nuno Crato é bem representativa da perda brutal que a pandemia e os consequentes confinamentos trouxeram à sociedade. Não é questão menor. É do contacto físico que se faz a humanidade, é do convívio que nascem a consciência da diferença e a capacidade de conhecer, encontrar chão comum, a aceitação e a tolerância. É mais difícil odiar quando se conhece.

Mas é esta a realidade que hoje vivemos: colegas de turma que não se conhecem, crianças que não sabem partilhar brinquedos, incapazes de abordar outras para brincar, de se sujarem juntas e de dividirem o lanche. Se lhes dizemos constantemente que não podem tocar, não podem beijar, não podem abraçar, como vamos convencê-las depois que afinal isso é que é bom, saudável? Isso é ser criança. Ser humano.

É apenas um ano, dirão. Pois um ano é muito tempo. É muito tempo para miúdos que começaram a escola numa realidade virtual, que tentam aprender o alfabeto e as contas através de um ecrã na sala lá de casa e que já esqueceram o que é um recreio, o que é correr e esfolar-se e lambuzar-se e fazer amigos. É muito tempo para adolescentes, já antes demasiado dependentes dos aparelhos eletrónicos, que tínhamos de forçar a conversar sem ser através da irrealidade das redes sociais. É demasiado tempo para universitários, que deviam estar a discutir pontos de vista e a trocar experiências no bar da faculdade, a conhecer mundos diferentes em programas de intercâmbio cultural, a testar limites em férias e em festas, a cometer erros e a aprender a ser gente crescida.

Será tudo isto recuperável? Certamente, temos de acreditar que sim. Mas há que trabalhar para isso. O regresso à escola é essencial no processo, mas será preciso fazê-lo acompanhar de um esforço para crianças e jovens voltarem a relacionar-se com naturalidade e sem receios - de ficar doentes ou de levar a doença para casa, para os que lhes são mais importantes. E nisto a vacinação tem um papel fundamental. A dos professores e auxiliares e administrativos, sim, mas também a dos jovens.

É urgente acelerar a imunização - não apenas falar em acelerar e em "testar, testar, testar", sem que nada se altere. A falha não decorre apenas do atraso das farmacêuticas na entrega das vacinas, é de organização, de compromisso, de eficácia. Faz-se depender a chamada à vacina de SMS que a maioria dos nossos mais velhos não sabe ver. Entrega-se a missão aos centros de saúde, mas a logística envolvida só permite que vacinem um ou dois dias por semana. Anuncia-se a solução milagrosa dos novos centros de vacinação, mas não há meios humanos para os pôr a funcionar.

Não é aceitável que haja ainda tantas pessoas com mais de 80 anos - o grupo em que a covid foi mais cruel, entre a infeção e o isolamento - por vacinar, tantas pessoas com doenças graves e morbilidades por imunizar. Nem sequer no pessoal médico o processo está completo. É preciso começar a dar sinais reais de esperança, a fechar gavetas, a garantir que as camadas mais frágeis estão protegidas. Não é para salvar o verão, é para salvar o futuro. O nosso. O das crianças, o dos jovens e o dos nossos mais velhos, cujas vidas não podem continuar a ser secundarizadas.

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