De insensível a indiferente
Vai a "uniformidade de medidas", de que falou ontem a ministra da Saúde, Marta Temido, acabar com as restrições por concelhos? A mensagem à saída da reunião do Infarmed, que decorreu nesta terça-feira, não foi clara, mas várias autarquias celebram já um possível ponto final nas limitações. Aliviar as medidas restritivas foi o tom de todo o encontro de especialistas, mas nenhum deles recomendou (ainda) qualquer aligeirar de políticas sem olhar aos sinais individuais de cada área geográfica.
A prevalência da variante Delta do vírus SARS-CoV-2 em mais de 95% do território nacional é um facto. Do mesmo modo que é um facto que um número alto de concelhos tem hoje uma incidência superior a 120 casos por 100 mil habitantes. Mas, felizmente, registam-se menos mortes.
Ao dia de ontem, 98% dos internados com covid-19 eram doentes sem vacinação, provando que a inoculação está a proteger e a salvar vidas. Depois de muita desconfiança - e que ainda persiste - em relação à eficácia das vacinas, e depois de muitos protestos por várias capitais europeias contra as medidas restritivas, as vacinas e o certificado digital, os números falam por si.
Tomar a decisão de não se vacinar a si e aos seus é um ato de egoísmo. Só quem não conviveu de perto com casos graves de covid-19 ou não ouviu relatos pormenorizados de doentes que foram internados nos cuidados intensivos, com ventilação invasiva, pode ser insensível aos argumentos e aos factos concretos da vacinação. Há hoje um dever de proteção da vida individual e um dever de proteção da vida em comunidade que não pode ser esquecido.
Entre os adolescentes, dos 16 aos 18 anos, a vacinação arranca a 14 de agosto. Abaixo dos 16 anos, a Direção-Geral da Saúde defende a inoculação e deverá fazer essa recomendação em breve. Desde que a ciência dê provas da eficácia das vacinas nos mais novos, porque não vacinar os nossos filhos e deixá-los à mercê do vírus ou de se tornarem protagonistas de cadeias de contágio?
"No tema da vacinação na idade pediátrica está já clarificada a decisão de vacinação dos 18 aos 16 anos, e está já clarificada também a vacinação dos 12 aos 15 em casos de comorbilidades, que nos vão agora ser listadas pela Direção-Geral da Saúde", sublinhou Marta Temido, sem deixar de salientar que o governo vai reunir-se para "apreciar as atuais medidas" e também "para refletir sobre as recomendações deixadas pelos peritos" no próximo Conselho de Ministros, que decorre na quinta-feira.
Até dia 29, Portugal volta a ficar em suspenso... ou talvez não. Já a banhos, uma boa parte do país começa a desvalorizar o que é dito por especialistas e, acima de tudo, por decisores políticos e esse é um péssimo sinal. Tal como nos três picos anteriores da pandemia, os cidadãos começam a ficar insensíveis aos elevados números de mortos, a revelar-se indiferentes aos elevados contágios e aos avanços e recuos das medidas restritivas. Numa guerra como esta, deixar cair na rua o poder da autoridade é um risco demasiado alto e que não devemos correr.