Eis uma data emblemática: na quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019, qualquer cidadão, em qualquer parte do mundo, pôde seguir as declarações ao Congresso dos EUA de Michael Cohen, ex-advogado de Donald Trump, definindo o atual presidente dos EUA como um "racista", um especialista em "golpes" e um "mentiroso". E eis uma evidência suplementar: esta possibilidade de acompanharmos as atribulações da cena política em direto há muito deixou de ser uma exceção; em boa verdade, talvez se possa dizer que muitas formas de fazer política passaram a integrar tal possibilidade..Podemos até reconhecer, e com toda a transparência, que esta conjugação político-mediática transfigurou os próprios órgãos de informação. Ou, se quiserem, e para utilizarmos a expressão corrente, modificou todos os conceitos e práticas da comunicação social..De tal modo que a própria noção de "especialização" informativa mudou. Assim, por exemplo, e para nos ficarmos pela paisagem informativa dos EUA, foi possível seguir as imagens de Michael Cohen nos sites de The New York Times e The Washington Post, mas também de The Hollywood Reporter ou Variety. Em termos práticos, o direto de Cohen surgiu, lado a lado, com as mais recentes notícias e análises sobre a cerimónia dos Óscares, realizada no domingo em Los Angeles..Dizer que tudo isto não passa de um reflexo da chamada "informação-espetáculo" é, talvez, demasiado fácil. É verdade que sabemos que um dos atuais dramas do jornalismo global envolve a discussão das formas de coexistência ou contaminação entre a paixão dos factos e a sedução do entertainment. Mas não é menos verdade que tal discussão, por mais pertinente que seja (e é!), não pode ignorar a violenta mudança de paradigma em que vivemos ou nos obrigam a viver. A saber: em democracia, o trabalho político é cada vez menos um sistema de mediações (entre eleitores e eleitos), existindo cada vez mais como celebração contínua dos instantes e eventos que adquirem alguma visibilidade televisiva..Seria precipitado tentar compreender o estado das coisas através de um qualquer dualismo "pró & contra" ou "verdade & mentira". Uma coisa é certa: estamos a perder o sentido do tempo e o gosto da duração. Cada gesto político tende a manifestar-se como acontecimento imediato e mediático, colocando-nos na posição não de agentes, mas de espectadores passivos da própria política..Resta saber que espetáculo nos é proposto. Em qualquer caso, quando leio as notícias da regular baixa de frequência das salas de cinema (em Portugal e não só), não posso deixar de pensar que é esse modelo primitivo de ser espectador que está a ser metodicamente decomposto. Ser cinéfilo tornou-se mesmo uma forma essencial de fazer política cultural, ou melhor, de pensar a cultura em termos políticos.