Papa, gays, psiquiatria e um homem comum
Pela doutrina católica, o Papa só é infalível quando determina solenemente em matéria de fé ou de moral, quando fala ex cathedra, isto é, "da cadeira" ou "do trono". Desta vez, no domingo, de regresso da Irlanda para Roma, o Papa falou, não do trono, mas do avião - felizmente, pois, sem infalibilidade. Disse ele, falando da homossexualidade: "Uma coisa é quando ela se manifesta na infância, há muitas coisas a fazer pela psiquiatria..." Infeliz, este juntar das duas palavras, homossexualidade e psiquiatria.
Tão infeliz, tão pouco infalível, que o Vaticano cortou a palavra ao Papa. Horas depois de aterrar, os serviços de imprensa da Santa Sé disseram em comunicado que, afinal, ele dissera: "Una cosa è quando si manifesta da bambino, quando ci sono tante cose che si possono fare, per vedere come sono le cose." Reparem no essencial da mudança - entre o que disse o Papa, e foi gravado pelos jornalistas, e o comunicado oficial que aqui deixo. Sem precisar de tradução, nota-se que caiu uma palavrinha: psiquiatria.
Ora, o Papa Francisco dizer algo que não devia tem as suas vantagens. Afinal, pode ser um engano fruto de uma condição que me espantou logo da primeira vez que o vi de mais perto, depois de ele ter aparecido na varanda de São Pedro a ser anunciado Papa. No dia seguinte, Francisco foi à basílica de Santa Maria Maggiore, do outro lado do Tibre, e eu escrevi a minha admiração: "Quem o viu não pôde deixar de se dar conta de algo extraordinário: o novo Papa caminha como um homem comum", escrevi então. Não pus exclamação na frase para a sublinhar mais sincera.
Então, quero crer, no domingo, cercado de jornalistas, cansado, falível, o Papa Francisco errou "como um homem comum". Ser um homem comum dá para o bem, andar como um homem comum - por exemplo, o amado João XXII e o popular João Paulo II nunca conseguiram, eles, libertar-se do peso com que dois mil anos lhes marcaram os passos. E ser um homem comum pode também dar para o erro, como aquele que ao Papa Francisco lhe escapou, no domingo, ao relacionar a homossexualidade e a psiquiatria, como se aquela fosse para curar.
Ainda no avião e sobre o assunto, o Papa Francisco também aconselhou os pais na sua relação com os filhos homossexuais: "Não condenar, dialogar, compreender, dar espaço ao filho ou à filha. Dar espaço para que se exprima." São palavras de um homem comum. Como ele falava de coisas da vida, ainda bem que se fale delas sem a tentação da infalibilidade.