Uma arma chamada gás? Basta de "nim"!

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António Guterres tentou "ser um mensageiro de paz e ajudar a resolver os problemas", mas Vladimir Putin terá feito ouvidos de mercador? Viu-se, nas imagens, que o presidente russo ouviu o português mas não se sabe se escutou e nada garantiu. O secretário-geral das Nações Unidas foi a Moscovo e depois a Kiev e acredita que pode contribuir para solucionar a guerra na Ucrânia, mas admitiu também que é muito difícil dissuadir o presidente russo.

Zero intimidado, Putin não só exibiu o encontro em direto para a televisão russa, qual propaganda, como assobiou para o lado e logo ameaçou responder com ataques "relâmpago" a qualquer interferência estrangeira no conflito. "Os nossos ataques de retaliação serão rápidos como um relâmpago. Temos todos os instrumentos para o fazer", avisou ao mundo.

Há um enorme esticar de corda, para além do que seria imaginável, e que merece a máxima atenção e empenho em futuras movimentações e negociações. Guterres alcançou pouco ou nada, ou seja, apenas uma espécie de acordo de princípio, alinhavando a evacuação de civis de Azvostal, Mariupol, e que poderá vir a ocorrer sexta-feira, se Putin acordar bem-disposto... Como se diz no Ribatejo, "até ao lavar dos cestos, é vindima" e hoje há uma enorme falta de confiança a dominar as relações entre o ocidente e o império russo.

Perante o acumular de tensões e equívocos, o gás é a arma que tem de ser usada. Chega de "nim"! Face à chantagem, até a maltesa Roberta Metsola, que é a presidente do Parlamento Europeu desde janeiro, veio ontem defender a "dependência zero" da Europa face à Rússia em termos energéticos. Afinou pelo mesmo diapasão Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, que garantiu que a UE "está preparada" para o corte de gás russo, após o grupo Gazprom ter suspendido o fornecimento à Bulgária e Polónia. Na prática, e sem rodeios, o Kremlin usou os combustíveis fósseis para coagir a Europa.

Polónia e Bulgária foram confrontadas com o fecho da torneira, mas um e outro país têm vindo a preparar fontes de energia alternativas e contam, naturalmente, com a solidariedade de outros países europeus. A Polónia é o caso mais gritante: depende em 45% do gás russo, mas garante ter as reservas cheias a 76% da sua capacidade.

Com esta pressão, Moscovo não só chantageia, como tenta dividir a Europa, já que a Alemanha veio dizer que a importação de energia russa é essencial e quer o país de Merkel, quer a Áustria, poderão cair em tentação de pagar o gás russo em rublos, como Putin exige. Se assim for, perde a Europa.

Por muito que custe um embargo total na fatura da energia dos cidadãos europeus, já não há alternativa. Acabar com a compra de gás a Putin é fechar a torneira do financiamento à guerra. Recordando as palavras de Mario Draghi a 7 de abril: "Preferimos a paz ou o ar condicionado ligado?". O primeiro-ministro italiano já tinha colocado o dedo na ferida ao chamar a atenção de forma pragmática para o dilema europeu de travar ou não as compras de petróleo e gás russos. Corajoso, Draghi garantiu, na altura, que o seu país acompanharia a decisão europeia sobre um eventual embargo à importação de energia russa, mesmo sabendo que a Itália é fortemente dependente do gás russo. Passados mais de dois meses de guerra, basta de "nim"! A decisão tem custos para a economia europeia? Tem e muitos. Mas se não for o custo do gás hoje, será o preço altíssimo a pagar pelos efeitos da guerra hoje e amanhã, com repercussões muito piores do que um embargo energético.

Diretora do Diário de Notícias

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