As autárquicas "glocais"

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Os portugueses foram chamados às urnas para eleger autarcas em todo o país. Estas são umas eleições "glocais", ou seja, que interligam leituras globais com decisões locais. Ainda que Rui Rio tenha ironizado que as autárquicas seriam transformadas em sondagem para as legislativas - voltando a criticar os comentadores -, não retirar daqui lições nacionais para o futuro seria ver "poucochinho". Uma expressão de Rio quando afirmou que se o PSD ganhasse por "poucochinho" poderia não se recandidatar à liderança do PSD. Com a presidência em risco, o próprio Rio terá sido surpreendido pelo número de votos que o seu partido alcançou. Apostou em Coimbra, no Funchal (com o CDS), em Viseu, entre outras cidades, e ganhou, denunciando uma mudança de tendência. Rio sai assim revigorado destas eleições e chegará às diretas do PSD, em janeiro, com legitimidade renovada. Resta saber se o partido está, desde ontem, ao lado de Rio ou se quer forçar a renovação. Se os sociais-democratas optarem pela alteração, Moedas é também agora uma carta em cima da mesa. Com o peso que ganhou em Lisboa, ganha uma nova voz dentro do próprio PSD. Na capital, a cor laranja vingou em freguesias como Arroios, Alvalade, Lumiar, Parque das Nações e Avenidas Novas ao PS.

Do lado do PS, António Costa empenhou-se muito na campanha, percorreu o país de lés a lés, disparou a bazuca e viu reconfirmado o statu quo: continua a ser o partido que mais mandatos tem. Mas isso não basta. A recandidatura de Fernando Medina em Lisboa fez tremer o Largo do Rato perante o abanão provocado por Moedas. E Medina poderá deixar de ser um trunfo na disputa da liderança do PS.

Quanto aos comunistas, que têm dado a mão ao governo em matéria de aprovação de Orçamentos do Estado, terão sido penalizados nestas eleições pelo seu eleitorado, cada vez mais envelhecido. O secretário-geral, Jerónimo de Sousa, admitiu que os resultados ficaram aquém do esperado, mas nada disse sobre se ficará a porta aberta à sucessão no partido. Já o Bloco de Esquerda, que teve sempre teve dificuldade em impor-se do ponto de vista autárquico, não cresceu.

Voltando à ala da direita, mas aos partidos mais pequenos, este foi o grande teste para o Chega, o partido de André Ventura. O povo não é parvo. O que estava em jogo era sentar o Chega à mesa do poder, dar-lhe voz ativa nas autarquias e aí o povo é sereno! Na Iniciativa Liberal o teste do algodão também foi feito e mostrou que a mensagem passa, sobretudo, entre o eleitorado urbano, é aí que o discurso do líder Cotrim de Figueiredo mais aplausos colhe. O CDS não surpreendeu e correu, sobretudo, em coligações.

"Não votar nestas eleições é uma coisa difícil de entender", disse ontem o Presidente da República. Se o poder europeu, presidencial ou legislativo pode ser, para alguns cidadãos, uma realidade distante ou pouco percetível, pelo menos que o poder autárquico - que gere as nossas aldeias, vilas e cidades e está perto de cada um de nós - tenha a capacidade de mobilizar a sociedade civil. Ainda assim, a taxa de abstenção foi elevada.

Este foi mais um ato eleitoral que decorreu de forma ordeira, mas isso não é suficiente para uma democracia saudável. É preciso modernizar o sistema e adaptá-lo às pessoas. Primeiro, limpar os cadernos eleitorais. Depois, manter a extensão do horário das urnas até às 20 horas. Mais: aplicar o voto antecipado nas autárquicas, que correu bem nas presidenciais. E ainda dar a possibilidade aos eleitores de votar em vários dias (pelo menos dois). Medidas que iriam ao encontro das necessidades de muitos cidadãos e poderiam contribuir para reduzir a doença crónica nacional: a abstenção.

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