Exclusivo O homem, o poeta, a sua escrita e o cinema dela
Eis um cinema de sonhos, mas também de palavras, de abstrações formais, de revisitação da história. Invocando Pessoa, através do romance de José Saramago, João Botelho filma O Ano da Morte de Ricardo Reis como uma aventura muito nossa
- ser ou não ser português, eis a questão.

© Vitor Higgs
No filme Pedro, o Louco (1965), de Jean-Luc Godard, Jean-Paul Belmondo apropria-se de algumas linhas de A Tempestade, de Shakespeare, dissertando sobre o sonho e o sono, transformando-as num novo jogo de espelhos. Diz ele: "Nós somos feitos de sonhos e os sonhos são feitos de nós."
João Botelho é um dos cineastas contemporâneos que poderia refazer essa máxima, substituindo "sonhos" por "palavras". Questão de infinitas ambivalências que, como bem sabemos, também pertence ao universo de Fernando Pessoa. Por alguma razão, Botelho arriscou fazer um filme a partir de O Livro do Desassossego, chamando-lhe Filme do Desassossego (2010). Agora, a saga prolonga-se através de José Saramago e da recriação desse romance admirável, obviamente pessoano, que é O Ano da Morte de Ricardo Reis.