Há mais de 40 ruturas de medicamentos todas as semanas, seis são graves
Foram dias de preocupação para os doentes de Parkinson, que só tiveram algum descanso no final da semana passada. Na sexta-feira, o Infarmed anunciou que as farmácias já estão a ser reabastecidas com medicamentos para tratamento da doença em substituição do Sinemet, que está em risco de rutura de stock desde o meio de setembro. Esta foi uma das falhas de mercado mais mediáticas dos últimos tempos, mas está longe de ser uma situação isolada: dados da própria Autoridade do Medicamento mostram que, em média, todas as semanas, há seis ruturas de stock graves, a que se juntam outras seis de risco considerado médio para a saúde dos doentes e outras 30 de curta duração. Ao todo, estamos a falar de mais de 40 ruturas semanais, bem perto de 2200 por ano, números que espantam até os médicos de família.
As razões para estas quebras no abastecimento podem estar relacionadas com problemas no fabrico - tanto por falta de matéria-prima como no produto final -, mas podem passar também por irregularidades encontradas em inspeções, interrupções de comercialização pelas farmacêuticas e até atrasos no transporte dos medicamentos (ver explicador). "Não tinha a noção de que seriam tantas ruturas por semana", admite Rui Nogueira, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar e médico de família em Coimbra, que ainda assim desdramatiza e sublinha que na maioria dos casos estes medicamentos são substituídos por outros semelhantes, sem consequências para os doentes. "Debatemo-nos, essencialmente, com dois tipos de situações: por um lado, temos os hábitos dos doentes, há uma necessidade de adaptação à nova medicação, que pode até implicar com outros fármacos que as pessoas estejam a tomar; por outro, quando vier o medicamento que estava em rutura, temos de decidir se voltamos a ele ou mantemos a alternativa."
A solução para os casos de ruturas mais graves no mercado nacional - mais de 300 ao fim de um ano - pode passar pela importação de outros medicamentos considerados como alternativa terapêutica, através das chamadas autorizações de utilização especial (AUE). Neste ano, a medida já foi aplicada em relação a nove medicamentos, em áreas como a dependência alcoólica, antimaláricos, mas também a oncologia. Outro caso conhecido é o do antibiótico pediátrico Bactrim, que foi descontinuado pela farmacêutica Roche por razões económicas mas que o Infarmed garantiu que não faltaria nos hospitais, através da importação.
Outras ruturas, as classificadas como tendo risco de impacto médio na saúde dos doentes, em média seis por semana, "são aquelas que, ainda que com fraca probabilidade de desencadearem processos de autorizações especiais, são objeto de maior monitorização, nomeadamente, em articulação com os vários serviços do Infarmed e respetivas empresas detentoras do medicamento", explica a Autoridade do Medicamento, que acrescenta que estes casos raramente evoluem para ruturas com risco de impacto elevado na saúde dos doentes. Quanto às ruturas de curta duração, 30 por semana, têm alternativas terapêuticas e servem quase exclusivamente para informar os médicos no ato da prescrição. São ruturas de logística, com impacto reduzido.
"E a verdade é que o sistema de prescrição é uma mais-valia. Tomemos o exemplo recente do Sinemet: se o medicamento não está disponível no mercado, nem sequer aparece na lista para ser prescrito. Isto evita que o doente passe por aquela situação de chegar à farmácia e não ter o medicamento que lhe foi receitado, mas permite também ao médico fazer um melhor racionamento em caso de necessidade", argumenta Rui Nogueira. Ainda na semana passada, a propósito da rutura no medicamento para a doença de Parkinson, o Infarmed apelou aos doentes para que não façam "uma corrida às farmácias", para criarem "stocks individuais" do Sinemet, lançando também aos médicos um apelo para que não haja prescrição exagerada.
Em 2014, depois de medidas que levaram a uma redução acentuada do preço dos medicamentos e com a subida da exportação paralela, o Infarmed criou uma lista de medicamentos considerados essenciais para a saúde pública e cuja exportação passava a depender de uma notificação prévia. Dessa lista fazem parte, neste momento, 27 medicamentos. No entanto, nos casos recentes de ruturas, a exportação paralela não teve influência, frisa o Infarmed, uma vez que o problema passou pela inexistência do medicamento por falta de colocação pela empresa que detém a AIM.
Quantos medicamentos estão em rutura de stock em Portugal?
São notificadas semanalmente cerca de 30 ruturas de curta duração, seis de impacto médio e outras seis consideradas de impacto elevado. Estas últimas já envolvem o Conselho Diretivo do Infarmed, outras autoridades nacionais ou internacionais e, se for caso disso, também os profissionais de saúde. Uma das ferramentas a utilizar para combater a rutura de um medicamento sem alternativa no mercado nacional é a importação de outros considerados como alternativa terapêutica através de autorizações de utilização especial (AUE), solução utilizada para nove medicamentos em 2018, sem contar com o caso recente do Sinemet.
Quais as principais razões para essas ruturas?
Algumas das principais razões de ruturas estão relacionadas com o fabrico quer das substâncias quer com o produto acabado, seja por remodelações nas instalações, alterações aos termos da AIM ou acréscimos de produção por aumento de solicitação a nível internacional; não conformidades decorrentes de inspeções das autoridades ou mesmo de autocontrolo, designadamente quando são detetados parâmetros fora das especificações; atrasos de transporte são também contabilizados como problemas de fabrico, tendo em conta a logística de libertação de lotes, nos termos da legislação europeia; interrupções de comercialização pelas empresas, como aconteceu neste ano com o Bactrim.
De que áreas eram os nove medicamentos que necessitaram de autorizações de utilização especial neste ano?
Foram concedidas AUE de lote para medicamentos oncológicos, antibióticos, antimaláricos, hormonas, medicamentos para a dependência alcoólica e corticosteroides.
A exportação paralela de medicamentos tem influência nessas ruturas?
Não. Segundo o Infarmed, o problema reside na inexistência do medicamento no mercado por falta de colocação pelo titular de AIM. Existem medicamentos em que o titular de autorização de introdução no mercado notificou uma rutura de fornecimento e que se encontram na lista de medicamentos cuja exportação precisa de notificação prévia à Autoridade do Medicamento. Contudo, os motivos pelos quais se encontram em rutura não são relacionados com esse comércio.