Malta. O país que confunde o diabo

Mala de viagem (112). Um retrato muito pessoal de Malta.
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Malta possui um total de 365 igrejas, uma para cada dia do ano. Para além deste facto, algumas delas têm duas torres de relógio: uma com a hora certa e a outra com a hora errada. A ideia é confundir o diabo, que nunca sabe a hora certa da missa, diz-se por lá. Apesar da pequenez do território, não se pense que se visita Malta enquanto o diabo esfrega um olho. Designadamente, as igrejas são consideradas grandes obras de arte e de arquitetura. Cada localidade tem a sua igreja paroquial como ponto de foco e principal fonte de orgulho cívico. Este orgulho é muito bem manifestado nas festas em registo semelhante ao que temos em Portugal. Malta tem uma longa história de festas religiosas, que são uma parte importante da cultura maltesa. Participar em pelo menos uma, durante o verão, torna-se numa experiência obrigatória para um turista. A festa da Assunção de Maria, padroeira do país, realizada em 15 de agosto na cidade de Mosta, é uma das mais expressivas. Mosta remonta à pré-história. Os dólmenes nos limites do aglomerado urbano e os sulcos das carroças são a principal evidência disso. Presentemente, a população aumenta e tem um movimento comercial impressionante. O seu maior ícone é a atual Basílica da Assunção de Nossa Senhora, projetada por Giorgio Grognet de Vassé, um residente francês de Mosta, ex-seminarista que se juntou ao Corpo de Engenheiros de Napoleão, que também acreditava fervorosamente no facto de as ilhas maltesas serem remanescentes da Atlântida de Platão. O projeto foi baseado no do Panteão de Roma, não merecendo, porém, consenso. Apesar da oposição do bispo Francesco Saverio Caruana, o projeto foi aprovado e a construção começou em 30 de maio de 1833, sendo terminada 27 anos depois. Um outro facto relevante na história de Mosta é que este edifício neoclássico encerra em si mesmo uma história simultaneamente pungente e admirável, ocorrida já no século XX. A cidade e o monumento religioso foram alvo de ataques durante a Segunda Guerra Mundial. Num desses dias, 9 de abril de 1942, o templo tinha mais de 300 pessoas refugiadas quando uma bomba caiu no seu interior através da cúpula - a maior do país - e, após rodopiar no chão, não explodiu. Diz-se por ali que, anos mais tarde, o piloto do avião que a lançou foi lá pedir perdão. O não-rebentamento foi considerado um milagre pelos cristãos. Membros da Royal Engineers desativaram a bomba e deitaram-na ao mar na costa oeste de Malta. No entanto, uma réplica é exibida na sacristia como forma de imortalizar esse momento, juntamente com algumas fotos da época. Eu diria que o templo tinha, nesse dia, a hora errada e confundiu, uma vez mais, o diabo, que também veste farda.

Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.

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