O seu a seu dono: o mote para esta crónica foi-me "oferecido" por Luísa Sobral, uma artista cujo crescimento, múltiplo, tenho a sorte de acompanhar a par e passo, a uma distância "prudente" (para ambos) mas com a atenção plenamente justificada pelos méritos acumulados. Falávamos, desta vez, das gerações e das mudanças de circunstância que - também - ajudam a caracterizá-las. O que me levou a mais uma viagem no tempo, direitinho à época em que, sobretudo no rock nacional (o tal que conseguiu escapar, por causa do talento e persistência dos músicos, ao destino de "galinha dos ovos de ouro", depois de um período em que passar à porta de um estúdio quase equivalia a um convite para gravar...), a rivalidade era parte integrante da roda de alimentos. Não se tratou, entenda-se, de um exclusivo nacional e basta recordar o que muitos viveram, cerrando fileiras em torno dos Beatles ou, por oposição, mergulhando na trincheira ao lado dos Rolling Stones. Ou, muitas luas mais tarde, como tantos se ocuparam a tomar partido pelos Blur contra os Oasis, ou vice-versa..Por cá, numa dimensão própria, o terreno também parecia disputado palmo a palmo. Nalgumas ocasiões - e nem vale a pena desmentir, que fui testemunha ocular de alguns casos - a "iniciativa" partia das próprias editoras discográficas que, sem querer generalizar, entendiam estar a defender uma quota de mercado. Noutros casos, eram os próprios músicos que se deixavam arrastar para querelas inúteis, até por causa de pormenores tão prosaicos como a ordem de entrada em palco num qualquer concerto ou festival. Relevem-se todas as exceções ao que, felizmente, nunca foi uma regra, mas sobretudo uma: Zé Pedro, cofundador e guitarrista dos Xutos & Pontapés, pareceu sempre mais empenhado em construir pontes do que em afirmações de ego (ou de grupo). Entre bandas, entre géneros, entre idades. Em certos momentos, parecia ter-se perdido o espírito de colaboração, quase sempre traduzido em mais-valias para todos, de um grupo - neste caso talvez seja abusivo chamar-lhe "geração", uma vez que o escalão etário era largo - a que poderemos reconduzir José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, José Mário Branco, Sérgio Godinho, Fausto e Vitorino, entre outros, que será demasiado primário "aproximar" exclusiva ou primordialmente por razões de ordem política, até porque mantiveram opções e comportamentos bem diferenciados..A mim, entusiasta confesso dos Xutos e dos GNR, de Rui Veloso e dos Trovante, para citar apenas alguns "amores de perdição", fazia-me alguma confusão esta atitude, até por contraponto com o que se passava na música popular do Brasil (em sentido lato, não apenas no território MPB), em que parecia haver prazer genuíno nas partilhas, com benefício óbvio de quem ouvia. Hoje, regista-se com agrado e com lucro, que a situação mudou - reentra em cena Luísa Sobral, por causa de um episódio que envolve uma canção de Márcia, cantada a meias com António Zambujo. Luísa ouviu-a no carro, parou, pegou no telemóvel e enviou uma mensagem de gratidão e reconhecimento à sua parceira de profissão. É um sinal pequeno? Claro que sim, mas é também um evidente sintoma de mudança face ao "circuito fechado" (ia a escrever "orgulhosamente só", mas talvez fosse exagerado) de há uns anos..Luísa Sobral fala dos intercâmbios com naturalidade, não deixando de tocar num ponto fulcral: com o mercado discográfico cada vez mais exíguo, não foi difícil aos músicos concluir que a defesa encarniçada e impiedosa de uma qualquer "fatia de mercado" era algo inútil, se não disparatado. Hoje, o compromisso tem mesmo de ser, em cada capítulo, a procura do melhor possível - e, se o potencial for acrescentado com as contribuições de terceiros, estas tornam-se obviamente bem-vindas e até instrumentais. Veja-se o que aconteceu com António Zambujo e Miguel Araújo, dois campeões do panorama lusitano: parece improvável que, cada um para seu lado, conseguissem cumprir, a solo, 14 noites nos Coliseus de Lisboa e do Porto. Juntos, somaram 28, havendo, de resto, prova discográfica desse total impressionante. O que ajuda a concluir que o fenómeno da "livre circulação" das cantigas, que o incremento das participações, não podia ficar mais longe da promiscuidade e não podia situar-se mais perto da inteligência na resposta a uma era de crise, não de valores artísticos mas de condições objetivas para a sobrevivência dos mesmos. Repito: devo pelo menos uma parte desta reflexão a Luísa Sobral (como lhe devo mais um disco de cabeceira, o notável Rosa). Mas não há aqui grande espaço para a surpresa - Luísa é uma das faces mais proeminentes de uma geração que nos vai enchendo as medidas. Por ser disponível, generosa, por mostrar capacidade de adaptação. Ou, se calhar, por ser apenas espontânea.
O seu a seu dono: o mote para esta crónica foi-me "oferecido" por Luísa Sobral, uma artista cujo crescimento, múltiplo, tenho a sorte de acompanhar a par e passo, a uma distância "prudente" (para ambos) mas com a atenção plenamente justificada pelos méritos acumulados. Falávamos, desta vez, das gerações e das mudanças de circunstância que - também - ajudam a caracterizá-las. O que me levou a mais uma viagem no tempo, direitinho à época em que, sobretudo no rock nacional (o tal que conseguiu escapar, por causa do talento e persistência dos músicos, ao destino de "galinha dos ovos de ouro", depois de um período em que passar à porta de um estúdio quase equivalia a um convite para gravar...), a rivalidade era parte integrante da roda de alimentos. Não se tratou, entenda-se, de um exclusivo nacional e basta recordar o que muitos viveram, cerrando fileiras em torno dos Beatles ou, por oposição, mergulhando na trincheira ao lado dos Rolling Stones. Ou, muitas luas mais tarde, como tantos se ocuparam a tomar partido pelos Blur contra os Oasis, ou vice-versa..Por cá, numa dimensão própria, o terreno também parecia disputado palmo a palmo. Nalgumas ocasiões - e nem vale a pena desmentir, que fui testemunha ocular de alguns casos - a "iniciativa" partia das próprias editoras discográficas que, sem querer generalizar, entendiam estar a defender uma quota de mercado. Noutros casos, eram os próprios músicos que se deixavam arrastar para querelas inúteis, até por causa de pormenores tão prosaicos como a ordem de entrada em palco num qualquer concerto ou festival. Relevem-se todas as exceções ao que, felizmente, nunca foi uma regra, mas sobretudo uma: Zé Pedro, cofundador e guitarrista dos Xutos & Pontapés, pareceu sempre mais empenhado em construir pontes do que em afirmações de ego (ou de grupo). Entre bandas, entre géneros, entre idades. Em certos momentos, parecia ter-se perdido o espírito de colaboração, quase sempre traduzido em mais-valias para todos, de um grupo - neste caso talvez seja abusivo chamar-lhe "geração", uma vez que o escalão etário era largo - a que poderemos reconduzir José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, José Mário Branco, Sérgio Godinho, Fausto e Vitorino, entre outros, que será demasiado primário "aproximar" exclusiva ou primordialmente por razões de ordem política, até porque mantiveram opções e comportamentos bem diferenciados..A mim, entusiasta confesso dos Xutos e dos GNR, de Rui Veloso e dos Trovante, para citar apenas alguns "amores de perdição", fazia-me alguma confusão esta atitude, até por contraponto com o que se passava na música popular do Brasil (em sentido lato, não apenas no território MPB), em que parecia haver prazer genuíno nas partilhas, com benefício óbvio de quem ouvia. Hoje, regista-se com agrado e com lucro, que a situação mudou - reentra em cena Luísa Sobral, por causa de um episódio que envolve uma canção de Márcia, cantada a meias com António Zambujo. Luísa ouviu-a no carro, parou, pegou no telemóvel e enviou uma mensagem de gratidão e reconhecimento à sua parceira de profissão. É um sinal pequeno? Claro que sim, mas é também um evidente sintoma de mudança face ao "circuito fechado" (ia a escrever "orgulhosamente só", mas talvez fosse exagerado) de há uns anos..Luísa Sobral fala dos intercâmbios com naturalidade, não deixando de tocar num ponto fulcral: com o mercado discográfico cada vez mais exíguo, não foi difícil aos músicos concluir que a defesa encarniçada e impiedosa de uma qualquer "fatia de mercado" era algo inútil, se não disparatado. Hoje, o compromisso tem mesmo de ser, em cada capítulo, a procura do melhor possível - e, se o potencial for acrescentado com as contribuições de terceiros, estas tornam-se obviamente bem-vindas e até instrumentais. Veja-se o que aconteceu com António Zambujo e Miguel Araújo, dois campeões do panorama lusitano: parece improvável que, cada um para seu lado, conseguissem cumprir, a solo, 14 noites nos Coliseus de Lisboa e do Porto. Juntos, somaram 28, havendo, de resto, prova discográfica desse total impressionante. O que ajuda a concluir que o fenómeno da "livre circulação" das cantigas, que o incremento das participações, não podia ficar mais longe da promiscuidade e não podia situar-se mais perto da inteligência na resposta a uma era de crise, não de valores artísticos mas de condições objetivas para a sobrevivência dos mesmos. Repito: devo pelo menos uma parte desta reflexão a Luísa Sobral (como lhe devo mais um disco de cabeceira, o notável Rosa). Mas não há aqui grande espaço para a surpresa - Luísa é uma das faces mais proeminentes de uma geração que nos vai enchendo as medidas. Por ser disponível, generosa, por mostrar capacidade de adaptação. Ou, se calhar, por ser apenas espontânea.