Eterno retorno
No tempo em que nos vimos confrontados com a bancarrota, quando não se falava de outra coisa que não de juros e dívida e despesa e défice e ratings, como que se convencionou que tínhamos aprendido a lição.
Havia a ideia, não propriamente descabida, de que a sucessão de intervenções externas nas últimas décadas, e sobretudo esta última que se seguia a anos de governação generosa e keynesiana, nos tinha feito aprender alguma coisa.
Falava-se dos aeroportos sem aviões, das estradas sem condutores, do descontrolo da despesa, das promessas corporativas, do excesso de confiança no dinheiro gasto ao dia, na impreparação para o futuro.
E era uma conversa que ia dos cafés às redações, do parlamento às televisões, dos táxis aos conselhos de administração. Era como se houvesse um consenso: não mais podemos voltar a aplaudir a esmola grande, porque será o pobre a pagá-la mais cedo ou mais tarde.
Durou pouco tempo essa conversa. Parece que foi num outro tempo. E quem dera que fosse, quem dera que este nosso tempo fosse diferente, um shangri-la onde não existissem leis económicas, onde a lógica se pudesse suspender, onde as contas pudessem não atrapalhar a realidade.
Mas não, o tempo em que vivemos é o mesmo: se formos irresponsáveis, pagaremos o preço por isso.
E não se trata de falar do diabo, de que a esquerda se apropriou como pretexto, mas trata-se tão-somente de perguntar por aqueles que, há uns anos, e bem, não aceitavam que se apresentassem propostas sem contas, que não descansavam enquanto não soubessem quanto custa o quê, que juravam não mais acreditar em políticos que só imaginavam cenários otimistas.
Sim, já sei que o ministro tem prestígio e as contas estão certas, o que é uma desculpa para não olhar para as contas nem para o que não está a ser feito. Toda a gente sabe a que custo estão certas, e todos fingem não ver porque não lhes fica bem o papel de agoirentos.
Recordo apenas que todos aqueles que nos foram enfiando em bancarrotas, que nos juravam estar tudo sob controlo e que estávamos preparados e tal, tinham todos imenso prestígio, eram todos do melhor que há, tinham todos contas apresentáveis.
As autoestradas sem custos foram sempre apresentadas como a última maravilha, por exemplo; e sendo evidente que o não eram, o prestígio de quem as apresentou falou mais forte, e todos fingiram acreditar, que ninguém quis estragar a festa das populações.
Até que um dia se percebeu o logro e se repetiu a frase de que aprendemos a lição e que desta vez é que vai ser.
Mas não vai, nem nunca foi, porque a nossa vontade de acreditar é maior do que a nossa capacidade de aceitar. E seria bom que alguém intermediasse tudo isto, nos alertasse, nos avisasse. Mas não, ninguém gosta desse papel, que não traz qualquer proveito que não seja o de ter razão. E ter razão antes do tempo nunca foi coisa apreciada por cá.
Advogado