Construtoras acusadas de cartel estão a concorrer a novas obras
Construtoras acusadas pela Autoridade da Concorrência (AdC) de atuarem em cartel e lesarem o Estado em concursos públicos estão agora a entrar em novos concursos lançados pela Infraestruturas de Portugal (IP). A empresa estatal diz-se de mãos atadas, sem meios legais para impedir que estas empresas entreguem propostas para as obras a concurso. Mas a Autoridade da Concorrência está a analisar a possibilidade de vir a excluir estas e outras empresas dos concursos públicos futuros.
A Mota-Engil e a Teixeira Duarte estão entre as várias empresas acusadas de formação de cartel em concursos públicos lançados pela IP em 2014 e 2015. A Concorrência anunciou a 14 de setembro de 2018 que tinha comunicado as acusações a cinco empresas de manutenção ferroviária: Mota-Engil, Comsa, Somague, Teixeira Duarte e Vossloh. O processo ainda decorre. No âmbito da investigação, a AdC condenou ainda a Sacyr Neopul e o seu diretor-geral de produção ao pagamento de coimas de 365 400 euros por "participação num cartel".
A investigação "revelou que tais empresas manipularam as propostas apresentadas nos concursos lançados pela Infraestruturas de Portugal", considerou a AdC. "Para o efeito, as empresas celebraram dois acordos restritivos da concorrência visando a fixação dos preços da prestação dos serviços e a repartição dos lotes constantes de um dos concursos."
A Infraestruturas de Portugal tem agora em curso a atribuição de empreitadas para a construção da Linha ferroviária de Évora, que integrarão o futuro Corredor Internacional Sul que está a ser desenvolvido no âmbito do programa de investimentos ferroviários Ferrovia 2020. A construção da nova Linha de Évora, com uma extensão total de 80 quilómetros, foi dividida em três concursos públicos a que corresponderá a execução de três troços, o troço entre Évora Norte e Freixo, o troço entre Freixo e Alandroal e o troço entre Alandroal e a ligação à Linha do Leste.
Segundo a IP, no "dia 11 de fevereiro, foi já possível proceder à adjudicação da primeira empreitada, correspondente à construção do troço Évora Norte/ Freixo, com uma extensão de 20,5 quilómetros". "A empreitada foi adjudicada ao consórcio constituído pelas empresas Comsa/Fergrupo/Constructora San José, pelo valor de 46,6 milhões de euros." Fonte conhecedora dos concursos em curso na ferrovia indicou que a Mota-Engil deverá receber a adjudicação do troço Freixo-Alandroal. E a Sacyr está na liderança da lista para o troço Alandroal-Linha do Leste. Ou seja, algumas das empresas acusadas anteriormente de cartel.
Nas restantes empreitadas, decorre ainda a fase de concurso público, não havendo por ora uma decisão de adjudicação. No total, segundo o Plano Ferrovia 2020, serão lançadas ou estarão em execução empreitadas na ordem dos 367 milhões de euros na primeira metade de 2019.
A IP diz que não pode impedir as empresas acusadas de participarem nos concursos públicos que tem lançado. "Relativamente à acusação deduzida a cinco empresas de manutenção ferroviária pela AdC, importa referir que estas não estão impedidas de apresentar propostas a concursos públicos lançados, não tendo a IP competências ao nível desta matéria."
Uma porta-voz do Ministério do Planeamento e das Infraestruturas remeteu para a IP respostas a questões sobre este tema. Mas a AdC diz-se preparada para agir. "A Lei da Concorrência prevê a possibilidade de a AdC, quando a gravidade da infração e a culpa do infrator o justifique, aplicar, em sede de decisão final condenatória, a sanção acessória de privação do direito de participação em procedimentos de contratação pública, com uma duração máxima de dois anos contados a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória", disse uma porta-voz da Concorrência.
"A AdC não juntou a aplicação desta sanção acessória à coima de 365 400 euros a que condenou a Sacyr/Neopul por considerar que não se justificava, face às circunstâncias concretas da participação daquela visada na infração." Esta foi a única decisão já adotada no processo da manutenção ferroviária, no âmbito do qual foram acusadas outras quatro empresas. "Tal não significa, porém, que se exclua a respetiva aplicação em casos futuros, nomeadamente no âmbito de processos presentemente em investigação, entre os quais se inclui este processo, que continua em fase de instrução para as restantes visadas", disse a mesma fonte.
A Concorrência tem em curso outras investigações, nomeadamente envolvendo as grandes empresas de telecomunicações, bancos e seguradoras.
Ao que o DN/Dinheiro Vivo apurou, as suspeitas de cartel começaram na própria IP, em que técnicos da empresa estatal suspeitaram de haver uma atuação concertada entre empresas. Em alguns casos, concursos ficaram vazios, obrigando a IP a lançar novos com valores-base mais elevados.
Os concursos em causa destinavam-se à prestação de serviços de manutenção de equipamentos da rede ferroviária nacional, como cancelas, agulhas, semáforos, entre outros, em Portugal continental, durante o período 2015-2017. O processo foi aberto em outubro de 2016, "na sequência de uma denúncia apresentada no âmbito da campanha de Combate ao Conluio na Contratação Pública que a AdC tem levado a cabo, desde 2016, junto de entidades adjudicantes e das entidades com funções de fiscalização e monitorização dos procedimentos de contratação pública". A AdC realizou operações de busca e apreensão em instalações das empresas visadas e outras empresas, localizadas nas áreas de Grande Lisboa e Porto. A adoção de uma nota de ilicitude não determina o resultado final da investigação. As empresas visadas, bem como os administradores e diretores acusados, podem exercer o seu direito de audição e defesa.
Nos últimos cinco anos, houve 16 decisões de condenação por cartel, abuso de posição dominante ou casos de acordos verticais, que resultaram na aplicação de coimas de 82 milhões de euros pela AdC. A estes dados há que acrescentar os 12 milhões de euros de coimas aplicadas à Fidelidade e à Multicare no âmbito da investigação a seguradoras. No entanto, os tribunais só confirmaram coimas de 23 milhões de euros, 28% do valor aplicado pelo regulador.
A Lei da Concorrência proíbe expressamente os cartéis, enquanto acordos entre empresas que restringem, por objeto e de forma sensível, a concorrência, no todo ou em parte do mercado nacional. O combate aos cartéis continua a merecer a prioridade máxima da atuação do regulador, "atendendo aos prejuízos que invariavelmente causam aos cidadãos e às empresas, forçando-os a pagar preços mais elevados e reduzindo a qualidade e a diversidade dos bens e serviços à sua disposição".
Segundo a AdC, "a violação das regras de concorrência não só reduz o bem-estar dos consumidores como prejudica a competitividade das empresas, penalizando a economia como um todo".