Brexit. Empresas que queiram ter marcas protegidas no Reino Unido podem ter custos até 80 mil euros
O Brexit tem consequências em várias frentes - incluindo também a propriedade industrial. Desde que o Reino Unido saiu da União Europeia (UE), em janeiro deste ano, o direito de propriedade industrial da União continuou a aplicar-se também ao Reino Unido durante um período de transição, que chega agora ao fim a 31 de dezembro.
João Francisco Sá, coordenador jurídico da Inventa International e agente oficial de Propriedade Industrial, explica que, a partir de 1 de janeiro de 2021, "o Reino Unido será, do ponto de vista da propriedade industrial, um país totalmente autónomo e externo em relação aos países da UE". Desta forma, aconselha as "empresas a perceber e a ter cuidado" com esta mudança, já que é necessário que as organizações assegurem que os seus direitos de propriedade industrial continuam a estar protegidos.
"Diria que com a mudança de ano, o principal será que as marcas e os desenhos comunitários deverão ser renovados diretamente no Reino Unido. Anteriormente, as marcas e os desenhos comunitários eram renovados diretamente no Instituto da União Europeia e essa única renovação tinha um efeito comunitário - as marcas e os direitos eram renovados nos 28 Estados-membros da UE", explica João Francisco Sá. A partir da próxima semana, com a chegada de 2021, "isso deixará de acontecer e portanto as empresas serão obrigadas a, para além da renovação que têm de fazer na UE para manter os direitos em vigor, também a fazer um registo à parte no Reino Unido."
Com os registos de marcas válidos por um período de dez anos, o coordenador jurídico da Inventa International sublinha que, caso as empresas não tenham este tipo de cuidados, "poderá estar em causa a perda de direitos no Reino Unido, o que poderá ter consequências graves nos negócios, especialmente na proteção das marcas e nos desenhos comunitários."
"A renovação vai ser um momento importante na entrada do ano", sublinha. Atualmente, o critério que está no acordo de separação entre a UE e Reino Unido explicita que "todas as marcas concedidas até ao final deste ano mantêm-se válidas automaticamente no Reino Unido", numa lógica de "espelho" - o registo da UE passou a ser acompanhado pela designação UK009 no registo britânico.
"Só que, como o processo de marca da UE demora cerca de seis meses até ser concedido temos aqui um lapso temporal. Se uma marca for concedida já depois do final do ano terá de haver um processo no Reino Unido autónomo, um processo de re-registo que seguirá os trâmites nacionais do Reino Unido", alerta.
De acordo com a tabela disponibilizada, as taxas de pedidos de marcas no Reino Unido variam entre as 170 libras para a renovação online (cerca de 185 euros) e as 200 libras para a renovação em papel (cerca de 218 euros). "Em relação às taxas, admito que valor de renovação no Reino Unido será mais baixo do que o valor da UE [cerca de 850 euros]", reconhece o coordenador jurídico. "A questão é que muitos destes serviços são feitos através de intermediários, de consultores ou advogados, e os valores podem ser mais elevados". Juntando com consultoria e serviços jurídicos, para uma renovação de marca no mercado britânico pode estar em causa um valor entre os 400 a 650 euros por marca.
De acordo com os cálculos feitos por João Francisco Sá, uma empresa portuguesa média, com um portefólio de marcas um pouco maior que queira proteger os direitos de marcas no Reino Unido, que tenha por exemplo 50 marcas da UE (cada empresa pode registar linhas diferentes de produtos ou serviços) , "poderá ter custos de renovação de 20 mil a 32 mil euros." E o valor agrava-se para as empresas com maior número de marcas: "No caso das maiores empresas em Portugal, que têm entre 100 a 125 marcas da UE, podemos estar a falar de custos entre 53 mil a 81 mil euros".
E estes valores não incluem novos pedidos de registos de marcas, avisa. "Se estas empresas quiserem proteger novas marcas terão custos acrescidos. Uma marca poderá custar entre 500 a 1000 euros, portanto cada marca nova terá esse valor acrescido, uma vez que o registo terá de ser feito autonomamente no Reino Unido."
João Francisco Sá detalha que, só por si, a necessidade de um processo autónomo para o solo britânico já tem impacto na burocracia que as empresas enfrentam. Além disso, aconselha as empresas portuguesas a ter especial cautela antes de iniciar qualquer processo. "Uma marca de uma empresa portuguesa que seja concedida na União Europeia, uma vez que decorreu esse processo burocrático na UE, pode não ser concedida no Reino Unido", alerta, destacando que tal poderá ter "um impacto grande, já que as empresas têm de ter muito cuidado quando vão começar a exportar produtos para o Reino Unido", aconselha.
"Pode acontecer que uma marca tenha sido concedida na UE mas não no Reino Unido, porque é um sistema autónomo, a partir de agora. No limite, uma empresa pode ter de exportar com um nome diferente para o Reino Unido, algo que pode ter impacto no ponto de vista de marketing ou até de embalagem dos produtos, logo isso é um problema grande."
Acrescenta ainda que, caso o processo de registo no Reino Unido corra bem, sem oposições ou recusas de marcas, "o processo burocrático será muito similar ao que já existe na UE, embora seja um novo processo, totalmente autónomo e paralelo". "Se começar a haver problemas, então aí pode ser particularmente complicado, porque as empresas portuguesas podem ter dificuldade em fazer esta representação diretamente [jurídica em solo britânico] e os custos podem disparar".
"No limite, pode até existir uma recusa só no Reino Unido e não na União Europeia, o que pode dar algumas dores de cabeça. O melhor é as empresas terem cautelas e fazer uma pesquisa de marcas prévias para perceber se não existe nenhum direito em conflito no Reino Unido", aconselha.
O coordenador jurídico da Inventa recomenda "algum trabalho de campo antes de definir qual a marca que vão usar", já que tal "poderá ser particularmente útil para, no final do processo, não terem nenhuma surpresa desagradável."