Tempo livre
A Renascença organizou uma sessão comemorativa do 25 de Abril, faz 45 anos. 45 é daquelas idades que já é muito mas ainda é pouco. Foi na residência oficial do primeiro-ministro, que lá esteve o tempo todo, com um menu de convidados de luxo, excluindo naturalmente este que vos escreve, como se costumava dizer, até ligou para lá o Presidente.
Falou-se da rádio e de revoluções. Hoje a rádio já não é o que era, e temos de ir penteados para a rádio, porque é tudo filmado, e passa na internet, que é a nova televisão, e mesmo que não passe há sempre fotos no deus Instagrão, e queremos sempre estar bem nas partilhas. Fui de gravata, o Jacinto Lucas Pires não, disse-me "venho à escritor". Menos liberdade, isto de na rádio já não se poder estar à vontade. A rádio é a palavra falada e o vídeo não matou a sua estrela. Falei disso, de como as coisas da fala inesperadamente voltaram a estar na berra, o melhor exemplo disso são os podcasts. A rádio antes noticiava, hoje explica, foi uma das ideias mais faladas. E é bem assim, porque a televisão raramente explica, e a internet só nos explica aquilo que queremos e muitas vezes como queremos. (Só procuramos as respostas que já sabemos, não é?)
A explicação lenta cria sempre mais raízes. As revoluções têm sempre duas explicações, a rápida e a lenta. A rápida é fácil, vieram os bons que prenderam os maus e fomos felizes para sempre. A lenta é mais difícil, mas também mais verdadeira, e é mais lenta porque é preciso explicar as nuances, e as nuances são sempre difíceis e lentas de explicar. Na conversa da Renascença falou-se disso, sobretudo em como explicar isso às crianças e ao seu cérebro bons-maus, polícias-ladrões, Benfica-Sporting. António Costa resumiu bem a coisa, nem todos os de antes seriam maus, nem todos os de depois seriam bons.
No depois, a explicação da nuance é mais fácil, dentro dos bons havia uns que não acreditavam na democracia, no mercado livre, na liberdade individual, e isso foi-se resolvendo, o caso República, o cerco da Constituinte, a derrota da unicidade sindical, a extinção do Conselho da Revolução, as revisões constitucionais, a Europa, as privatizações. Sobretudo, o crescimento económico que foi trazendo a liberdade a cada vez mais pessoas, que puderam passar a estudar, a ter cuidados de saúde, a não ter de emigrar.
No antes a questão é mais complexa. Como podia haver bons antes? Os militares eram bons ou maus, os do Largo do Carmo não eram os mesmos de Catete? Os juízes? Os deputados da ala liberal? Mas a coisa mais importante é falar daqueles que não prendiam, não batiam, não matavam, aqueles que tinham a sua vida normal, o seu quintal, a vida, vidinha, mas que também não protestavam nem arriscavam. Explicar que este medo confortável é sempre um dos maiores responsáveis do mal, que adia o bem, e que o vai legitimando, e que isso é igual antes e é igual depois, é das coisas mais importantes. Mas será possível explicar as nuances sem tirar força ao farol do bem e do mal? Talvez um dia consiga tempo para isso, talvez um livro para jovens, talvez um podcast, talvez nada, porque as revoluções libertam tudo menos o tempo.
Advogado