Exclusivo O ano de todos os perigos

Ainda no rescaldo da Grande Depressão, os jornais transmitem aos leitores o ritmo trepidante que a atualidade internacional toma em 1936. Este ano, que Saramago considerou ser o da morte de Ricardo Reis, é também aquele em que os totalitarismos europeus (incluindo o português) endurecem e em que conflitos locais, como o da Espanha ou da Abissínia, parecem cada vez mais a antecâmara de uma catástrofe global.

"Aqui o mar acaba e a terra principia", um vapor da Mala Real Inglesa atraca ao cais de Alcântara depois de ter atravessado o Atlântico, "como uma lançadeira nos caminhos do mar, para lá, para cá". Nessa manhã chuvosa, com que José Saramago abre o romance O Ano da Morte de Ricardo Reis, os passageiros e o correio aqui desembarcados trazem notícias cada vez mais inquietantes, independentemente do seu porto de origem. O ano é 1936 e, neste lugar onde o mar acaba e a terra principia, Fernando Pessoa está morto há alguns meses, e Salazar reforça os instrumentos ideológicos da ditadura e o seu controlo pessoal sobre o aparelho de Estado.

Neste ano em que se comemora, com pompa e circunstância, o décimo aniversário da revolução nacional (a de 28 de maio de 1926), reestrutura-se o Ministério da Marinha e o Presidente do Conselho chama a si, interinamente mas por muito tempo, também as pastas da Guerra e dos Negócios Estrangeiros, neste caso após discordâncias com o ministro Armindo Monteiro, que será enviado a Londres como embaixador, embora a distância nunca ponha cobro à inimizade entre ambos. Sob a direção de Carneiro Pacheco (famoso pela célebre frase "quem muito lê treslê") consuma-se a reforma educativa que leva o seu nome: o Ministério da Instrução Pública passa a Ministério da Educação Nacional, foi fundada a Mocidade Portuguesa, a Mocidade Feminina e a Obra das Mães pela Educação Nacional, a Junta Nacional da Educação, o Instituto para a Alta Cultura, a Academia Portuguesa da História e o Instituto Nacional de Educação Física. É introduzido o modelo do livro único, a obrigatoriedade de afixação do crucifixo nas salas de aula e o casamento das professoras fica sujeito à autorização do ministério.

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