No final de agosto de 2016, o líder do Partido Popular, Mariano Rajoy, apresentou-se aos deputados como candidato a primeiro-ministro. Sem maioria parlamentar, precisava do apoio de outras formações para ser investido. Na véspera, o líder do PSOE, Pedro Sánchez, deslocou-se à sede do governo, o Palácio da Moncloa, onde se reuniu com Rajoy. À saída, escreveu no Twitter: "A reunião de hoje era evitável, teve a intenção única de nada oferecer e a clara intencionalidade de nos responsabilizar." Na mensagem seguinte, a estocada: "A responsabilidade de o senhor Rajoy perder a votação é exclusiva do senhor Rajoy, por ser incapaz de construir uma maioria.".Como um boomerang, na quinta-feira o tweet embateu na cara do líder socialista e chefe do governo em gestão corrente. Falhadas as negociações entre PSOE e Podemos para a formação de um governo, Pedro Sánchez entrou na história da democracia espanhola ao passar a ser o dirigente com mais reprovações em sessões de investidura: quatro. As primeiras duas, em março de 2016, explicam em parte as ocorridas nesta semana..As eleições de dezembro de 2015 acabaram com o bipartidarismo e trouxeram o Podemos e o Ciudadanos para o Parlamento. A pulverização fez que Mariano Rajoy, cujo PP, agastado pelos casos de corrupção e pela crise, obteve mais votos mas apenas 123 deputados em 350, se recusasse a apresentar no Congresso. Em alternativa, Pedro Sánchez e Albert Rivera, do Ciudadanos, chegaram a acordo para formar um governo de coligação. Mas as duas formações juntas contavam 130 deputados, pelo que precisavam do voto favorável do Podemos de Pablo Iglesias - o que não veio a acontecer. Iglesias defendia uma solução à esquerda, mas o impasse só foi resolvido com novas eleições, mais uma vez ganhas pelo PP.."Não sei onde Pablo Iglesias foi buscar tanto ódio e rancor contra o PSOE", disse então Pedro Sánchez, em entrevista ao El País . Perguntado se poderia formar governo com o Podemos, explicou o que os dividia. "O que é impossível é entendermo-nos mutuamente em questões como o referendo para minar a integridade territorial de Espanha, a divisão de poderes que propõem, ou o aumento exorbitante da despesa pública de mais de 96 mil milhões de euros que o Podemos propõe. Em tudo isto o desacordo é radical.".De todas estas questões, a que continua irreconciliável é a da política face à autodeterminação catalã. Durante a campanha para as eleições de abril, o líder socialista reiterou que, por ele, os catalães nunca terão direito a realizar uma consulta popular sobre a secessão. "Nunca vai haver um referendo, nem independência e não vamos permitir que se transgrida a Constituição e o estatuto [de autonomia]." Mais recentemente, enquanto decorriam as conversações entre as duas formações, o socialista admitiu que não queria trabalhar com o líder da aliança Unidas Podemos. "O principal obstáculo para um acordo é a participação de Iglesias no governo", disse na semana passada na TV. "Iglesias fala de presos políticos e eu preciso de um vice-primeiro-ministro que defenda a democracia espanhola", concluiu..Esse discurso é também uma forma de Sánchez se defender dos ataques da direita, bem como da extrema-direita, que ganhou expressão eleitoral no Vox com um discurso pela unidade de Espanha graças à crise catalã..Se as relações entre os dois líderes parecem não ter grande futuro, o Partido Socialista Operário Espanhol fez questão de galgar a onda e atirar a responsabilidade do falhanço para Iglesias e para a Unidas Podemos. "Esta é a segunda vez que você vai impedir que Espanha tenha um governo de esquerda", apontou a líder da bancada socialista, Adriana Lastra, a Pablo Iglesias. Já para a vice-primeira-ministra Carmen Calvo, responsável pelas negociações do PSOE com a Unidas Podemos, esta formação foi "irrealista" nas exigências de pastas. "Pediram-nos literalmente o governo", disse..No fim do dia, Pedro Sánchez, em entrevista à Telecinco, disse que não ia desistir de tentar formar governo e afirmou-se "profundamente dececionado com Pablo Iglesias", apesar de ter feito uma "oferta respeitosa e generosa"..A Unidas Podemos, liderada nas negociações por Pablo Echenique, mostrou-se surpreendida com o fim unilateral das conversações ditadas pelos socialistas, até porque, garantiu, "todas as propostas são flexíveis". Depois do fracasso da investidura, Iglesias não falou, mas outros o fizeram. Por exemplo o deputado e secretário da comunicação de Podemos, Juanma del Olmo. "Pedro Sánchez disse que o problema era Pablo Iglesias e este, num gesto sem precedentes, afastou-se. Hoje demonstrou-se que o problema é Pedro Sánchez, que não consegue chegar a acordos ou conseguir um único apoio.".Pede-se acordo à esquerda.Pedro Sánchez tem até 23 de setembro para voltar a tentar formar governo, caso contrário serão convocadas novas eleições para 10 de novembro. As outras formações de esquerda pediram para PSOE e Unidas Podemos não desistirem de um entendimento..O homem que mais apelou para a concórdia foi o líder da bancada da Esquerda Republicana Catalã, Gabriel Rufián. Por duas vezes os deputados abstiveram-se e das duas vezes mostrou abertura para votar favoravelmente. No entanto, advertiu que a situação política vai complicar-se em setembro. Até lá, o líder da ERC Oriol Junqueras deve conhecer o veredicto do julgamento que o levou para a prisão, devido ao seu papel na realização do plebiscito sobre a independência e da declaração da independência da Catalunha, em 2017. É claro que a situação ganharia novos contornos se Sánchez indultasse os dirigentes independentistas que estão a ser julgados, em caso de condenação. No entanto, e para já, Rufián declara: "Durante quantos anos a esquerda vai arrepender-se deste dia? Senhor Sánchez, foi um erro o veto a Pablo Iglesias. Senhor Iglesias, é um erro não aceitar três, quatro ou cinco ministérios. Entrem no governo e demonstrem que são melhores. Vamos arrepender-nos todos dessa intransigência.".Também os nacionalistas bascos apelaram a mais diálogo. "Parece que há tempo e margem para se chegar a um acordo. Ainda há mais para falar", disse o deputado do PNV Aitor Esteban. No mesmo sentido apontou Alberto Garzón, da Esquerda Unida (que faz parte da coligação Unidas Podemos): "O que se passou é frustrante, mas não é opção atirarmos a toalha ao chão.".Outras hipóteses.As únicas coligações a dois que garantem uma maioria de 176 deputados são entre PSOE e PP (189 deputados) e entre PSOE e Ciudadanos (180 deputados). A primeira é vista como impossível, tais as divergências programáticas e ideológicas, e a segunda como quase impossível, pelo menos com os atuais protagonistas..Muito mudou entre estes dois partidos desde a jogada de Sánchez, em 2017, quando deu aval à moção de censura a Mariano Rajoy, com o apoio dos independentistas catalães, e chegando ao poder sem convocar eleições antecipadas. Albert Rivera estava então à frente nas sondagens e o seu partido viu o sucedido como uma traição. O alegado diálogo e abertura dos socialistas às exigências dos independentistas catalães, chegando a aceitar a nomeação de um "relator", terá sido a gota de água para o Ciudadanos, que nasceu na Catalunha contra o independentismo..Durante a campanha, Rivera deixou claro que não estava disponível para novo acordo com o PSOE e na segunda-feira o Ciudadanos voltou a repeti-lo. Também Sánchez não estará disposto: na noite eleitoral, quando discursava, os apoiantes gritavam "com Rivera não!", ao que respondeu: "Acho que ficou bastante claro, não?" Mas depois suavizou o discurso, ao dizer que o PSOE não vai fazer "cordões sanitários" como o Ciudadanos faz à esquerda. "A única condição que vamos pôr é a Constituição e avançar para a justiça social, a regeneração e a limpeza política", acrescentou..Aliás, a questão não é pacífica dentro do partido. Manuel Valls, o ex-primeiro-ministro de França que concorreu às eleições autárquicas de Barcelona pelo Ciudadanos, tem criticado a forma como o partido critica o PSOE mas não o Vox. E agora não gostou de ouvir Rivera a dirigir-se a Sánchez e a companhia como um "bando". "A política merece outra linguagem e mais respeito de todos", reagiu.