Se a segunda-feira já é um dia difícil - e já devia ter sido abolida do calendário -, levar com um acórdão do juiz Neto de Moura e com um artigo de opinião de Joana Bento Rodrigues (quem?), logo no início da semana, não é azar, é uma pena demasiado pesada, até para o pior dos criminosos. Ou como diria Neto de Moura, uma penitência excessiva até para o pior dos pecadores..Por partes. O juiz, que acha que ainda vive na Idade Média, voltou a "atacar" e decidiu brindar-nos com mais um dos seus acórdãos num outro caso de violência doméstica. Não ignoremos, nem por um segundo, o facto de este senhor continuar em funções depois de ter escrito num acórdão que "sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte" e que "na Bíblia a mulher adúltera deve ser punida com a morte", como se fossem razões para ver atenuantes num crime de violência doméstica. Ainda não há muito tempo, continuou Neto de Moura, "a lei penal [de 1886] punia com uma pena pouco mais do que simbólica o homem que, achando a sua mulher em adultério, nesse ato a matasse". Não ignoremos, já agora, que, como castigo por ter escrito tamanhas enormidades num acórdão judicial, este juiz recebeu uma "advertência registada" - seja lá o que isso for - do Conselho Superior de Magistratura..Claramente assustado com o castigo que poderia vir a receber (e que só ficou decidido em fevereiro deste ano), Neto de Moura continuou a dar largas à imaginação e a gozar literalmente com a justiça. Desta vez, num acórdão de outubro do ano passado, decidiu retirar a pulseira eletrónica que mantinha o agressor longe da vítima, deixando-a completamente entregue à sua própria sorte. Mas o juiz foi mais longe e voltou a não resistir a mais um pequeno apontamento, da sua autoria, pois claro, no final do acórdão: "Se, durante muito tempo (...) a vítima de violência doméstica sentia que o mais provável é que a sua denúncia acabasse em nada (...), a verdade é que, nos últimos tempos, têm-se acentuado os sinais de uma tendência de sentido contrário, em que a mais banal discussão ou desavença entre marido/companheiro/ namorado e mulher/companheira/ namorada é logo considerada violência doméstica e o suposto agressor (geralmente, o marido ou companheiro) é diabolizado e nenhum crédito pode ser-lhe reconhecido.".Já voltaremos ao juiz Neto de Moura porque, ao nível das pérolas, a que se segue tem o mesmo potencial de náusea. Joana Bento Rodrigues (quem?), que alinha no Tendência Esperança em Movimento (TEM) - uma corrente de opinião democrata-cristã do CDS -, decidiu insurgir-se publicamente contra o feminismo. Até aqui, tudo bem. É novamente a democracia a funcionar, com tudo o que tem de bom e de imperfeito..Escreve Joana Bento Rodrigues que "o potencial feminino, matrimonial e maternal" são as "três características mais bonitas da mulher". A abstração da frase não evita a primeira crítica: se as mulheres não quiserem casar e ter filhos já são feias? O problema é quando ela começa a elaborar sobre o assunto. Diz esta médica do CDS que "a mulher gosta de se sentir útil, de ser a retaguarda e de criar a estabilidade familiar, para que o marido possa ser profissionalmente bem-sucedido, porque esse sucesso é também o seu sucesso". Conclusão? A mulher - e Joana Bento Rodrigues acha que fala por todas - "não se incomoda em ter menos rendimentos do que o marido, até pelo contrário. Gosta, sim, que seja este a obtê-los, sendo para si um motivo de orgulho" até porque - pièce de résistance - "lhe confere a sensação de proteção e de segurança"..Num paternalismo (ou maternalismo?) patético, a autora do artigo recorre, depois, à sabedoria popular para explicar às mulheres deste país que "não se pode ter tudo". Claro que há menos mulheres nos cargos políticos e em posições de poder. Não é porque os homens não deixam, é porque as mulheres não querem. É porque "a mulher escolhe-o naturalmente" - dedicar menos tempo do que o homem às causas partidárias..É por tudo isto - e por mais um conjunto de boçalidades - que o feminismo, conclui Joana Bento Rodrigues, retira à mulher - imaginem só - "a doçura e acandura." E os movimentos que o representam deviam era "inquietar-se com a conciliação da vida laboral com a natureza da mulher e as suas reais preocupações". Leia-se, tratar da casa, dos filhos e, não esquecer o mais importante, cuidar muito bem do maridinho, para ver se ele nunca se irrita, se tem muito sucesso profissional e se nunca lhe falta com nada em casa..Não é preciso ser mulher para sentir uma profunda vergonha na leitura de um texto destes, no século XXI. Basta ser humano e acreditar, como eu acredito, que "todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos". Um princípio que esta médica do CDS, claramente, nunca leu..Como também não é preciso ser mulher para perceber que ainda há, na nossa justiça, quem continue a cultivar uma mentalidade retrógrada e machista, indiferente ao facto de deixar desprotegidos aqueles que merecem ser protegidos e de punir aqueles que merecem punição..Mas estes dois exemplos, de Neto de Moura e de Joana Bento Rodrigues, devem fazer-nos refletir porque dizem muito do país que ainda somos. O país dos misóginos (pouco) envergonhados que se escondem atrás da lei e dos seus mais próximos, para nos fazer retroceder civilizacionalmente. Ou das falsas moralistas que não aprenderam nada com a história e que se escudam num conservadorismo bacoco para defender o que defendem..Neto de Moura e Joana Bento Rodrigues estão aí para nos lembrar, todos os dias, que há uma luta para travar e que esta batalha está longe de estar ganha. Porque são os misóginos e os falsos moralistas que ajudam, direta ou indiretamente, a potenciar fenómenos como o da violência doméstica.
Se a segunda-feira já é um dia difícil - e já devia ter sido abolida do calendário -, levar com um acórdão do juiz Neto de Moura e com um artigo de opinião de Joana Bento Rodrigues (quem?), logo no início da semana, não é azar, é uma pena demasiado pesada, até para o pior dos criminosos. Ou como diria Neto de Moura, uma penitência excessiva até para o pior dos pecadores..Por partes. O juiz, que acha que ainda vive na Idade Média, voltou a "atacar" e decidiu brindar-nos com mais um dos seus acórdãos num outro caso de violência doméstica. Não ignoremos, nem por um segundo, o facto de este senhor continuar em funções depois de ter escrito num acórdão que "sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte" e que "na Bíblia a mulher adúltera deve ser punida com a morte", como se fossem razões para ver atenuantes num crime de violência doméstica. Ainda não há muito tempo, continuou Neto de Moura, "a lei penal [de 1886] punia com uma pena pouco mais do que simbólica o homem que, achando a sua mulher em adultério, nesse ato a matasse". Não ignoremos, já agora, que, como castigo por ter escrito tamanhas enormidades num acórdão judicial, este juiz recebeu uma "advertência registada" - seja lá o que isso for - do Conselho Superior de Magistratura..Claramente assustado com o castigo que poderia vir a receber (e que só ficou decidido em fevereiro deste ano), Neto de Moura continuou a dar largas à imaginação e a gozar literalmente com a justiça. Desta vez, num acórdão de outubro do ano passado, decidiu retirar a pulseira eletrónica que mantinha o agressor longe da vítima, deixando-a completamente entregue à sua própria sorte. Mas o juiz foi mais longe e voltou a não resistir a mais um pequeno apontamento, da sua autoria, pois claro, no final do acórdão: "Se, durante muito tempo (...) a vítima de violência doméstica sentia que o mais provável é que a sua denúncia acabasse em nada (...), a verdade é que, nos últimos tempos, têm-se acentuado os sinais de uma tendência de sentido contrário, em que a mais banal discussão ou desavença entre marido/companheiro/ namorado e mulher/companheira/ namorada é logo considerada violência doméstica e o suposto agressor (geralmente, o marido ou companheiro) é diabolizado e nenhum crédito pode ser-lhe reconhecido.".Já voltaremos ao juiz Neto de Moura porque, ao nível das pérolas, a que se segue tem o mesmo potencial de náusea. Joana Bento Rodrigues (quem?), que alinha no Tendência Esperança em Movimento (TEM) - uma corrente de opinião democrata-cristã do CDS -, decidiu insurgir-se publicamente contra o feminismo. Até aqui, tudo bem. É novamente a democracia a funcionar, com tudo o que tem de bom e de imperfeito..Escreve Joana Bento Rodrigues que "o potencial feminino, matrimonial e maternal" são as "três características mais bonitas da mulher". A abstração da frase não evita a primeira crítica: se as mulheres não quiserem casar e ter filhos já são feias? O problema é quando ela começa a elaborar sobre o assunto. Diz esta médica do CDS que "a mulher gosta de se sentir útil, de ser a retaguarda e de criar a estabilidade familiar, para que o marido possa ser profissionalmente bem-sucedido, porque esse sucesso é também o seu sucesso". Conclusão? A mulher - e Joana Bento Rodrigues acha que fala por todas - "não se incomoda em ter menos rendimentos do que o marido, até pelo contrário. Gosta, sim, que seja este a obtê-los, sendo para si um motivo de orgulho" até porque - pièce de résistance - "lhe confere a sensação de proteção e de segurança"..Num paternalismo (ou maternalismo?) patético, a autora do artigo recorre, depois, à sabedoria popular para explicar às mulheres deste país que "não se pode ter tudo". Claro que há menos mulheres nos cargos políticos e em posições de poder. Não é porque os homens não deixam, é porque as mulheres não querem. É porque "a mulher escolhe-o naturalmente" - dedicar menos tempo do que o homem às causas partidárias..É por tudo isto - e por mais um conjunto de boçalidades - que o feminismo, conclui Joana Bento Rodrigues, retira à mulher - imaginem só - "a doçura e acandura." E os movimentos que o representam deviam era "inquietar-se com a conciliação da vida laboral com a natureza da mulher e as suas reais preocupações". Leia-se, tratar da casa, dos filhos e, não esquecer o mais importante, cuidar muito bem do maridinho, para ver se ele nunca se irrita, se tem muito sucesso profissional e se nunca lhe falta com nada em casa..Não é preciso ser mulher para sentir uma profunda vergonha na leitura de um texto destes, no século XXI. Basta ser humano e acreditar, como eu acredito, que "todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos". Um princípio que esta médica do CDS, claramente, nunca leu..Como também não é preciso ser mulher para perceber que ainda há, na nossa justiça, quem continue a cultivar uma mentalidade retrógrada e machista, indiferente ao facto de deixar desprotegidos aqueles que merecem ser protegidos e de punir aqueles que merecem punição..Mas estes dois exemplos, de Neto de Moura e de Joana Bento Rodrigues, devem fazer-nos refletir porque dizem muito do país que ainda somos. O país dos misóginos (pouco) envergonhados que se escondem atrás da lei e dos seus mais próximos, para nos fazer retroceder civilizacionalmente. Ou das falsas moralistas que não aprenderam nada com a história e que se escudam num conservadorismo bacoco para defender o que defendem..Neto de Moura e Joana Bento Rodrigues estão aí para nos lembrar, todos os dias, que há uma luta para travar e que esta batalha está longe de estar ganha. Porque são os misóginos e os falsos moralistas que ajudam, direta ou indiretamente, a potenciar fenómenos como o da violência doméstica.