Só a ajuda à Amazónia os uniu. O G7 em sete capítulos

Cimeira dos sete países mais industrializados e seus convidados termina esta segunda-feira. O combate à desigualdade era o tema oficial, mas ficou para segundo plano com a discussão de temas mais quentes.
Publicado a
Atualizado a

Numa jogada diplomática surpreendente, o ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão chegou no domingo à tarde a Biarritz, no sul da França, onde o presidente francês e seus pares europeus tentaram pressionar Donald Trump a dar um sinal para salvar o acordo nuclear iraniano.

Mohammad Javad Zarif, que tinha sido recebido em audiência por Emmanuel Macron ​​​​​na sexta-feira em Paris, voou a convite do homólogo Jean-Yves Le Drian. Zarif esteve reunido durante três horas com dirigentes franceses, Macron incluído. "As discussões que foram mantidas entre o presidente e Zarif foram positivas e vão continuar", disse um funcionário da presidência francesa, que se recusou a entrar em pormenores.

No Twitter, Javad Zarif disse sobre as reuniões, que incluíram um encontro conjunto com dirigentes alemães e britânicos: "O caminho à frente é difícil. Mas vale a pena tentar."

Em julho, os iranianos deixaram de cumprir alguns compromissos do Acordo de Viena que rege o seu programa nuclear, em resposta à saída dos Estados Unidos em maio de 2018 e à reintrodução de sanções económicas dos EUA.

De manhã, o presidente francês pensou que iria anunciar um acordo dos sete - incluindo Donald Trump - para falar com o Irão em uníssono. "Concordámos no que vamos dizer sobre o Irão. Há uma mensagem do G7 sobre os nossos objetivos, e o facto de os partilhar evita divisões", disse Emmanuel Macron no canal de televisão LCI/TF1. "Chegámos a acordo sobre uma comunicação conjunta e uma decisão de ação que permite conciliar um pouco as posições", acrescentou.

No entanto, horas depois, Donald Trump disse que não discutiu o tema. "Faremos o nosso próprio trabalho, mas sabem que não posso impedir que as pessoas falem. Se quiserem falar, podem falar." E quando foi confrontado com a chegada de Zarif à estância balnear, foi lacónico: "Não comento."

À Reuters, um funcionário do regime de Teerão disse que os iranianos pretendem exportar um mínimo de 700 mil barris de petróleo por dia (idealmente até 1,5 milhões) e outra fonte disse que o programa de mísseis balísticos não pode ser objeto de negociação.

Macron pareceu voltar atrás nos comentários, ao dizer que não havia mandato formal dos líderes do G7 para falar com os dirigentes do Irão.

Destacando o quão difícil é concordar sobre medidas concretas entre os aliados, Macron disse que as opiniões dos líderes convergiram em não querer que o Irão adquira uma bomba nuclear e em garantir a paz e a segurança no Médio Oriente. "Tivemos uma discussão ontem sobre o Irão e isso permitiu-nos estabelecer duas linhas comuns: nenhum membro do G7 quer que o Irão obtenha uma bomba nuclear e todos os membros do G7 estão profundamente ligados à estabilidade e à paz na região", disse Macron.

Amazónia

Foi o anfitrião quem trouxe o assunto para a mesa, ao afirmar nas vésperas da cimeira que há "um verdadeiro ecocídio a desenvolver-se em toda a Amazónia e não apenas no Brasil". O tema levou a uma troca acesa de palavras com o governo de extrema-direita do Brasil. "As pessoas esquecem-se, o presidente brasileiro esquece-se, mas a França está na Amazónia. A maior fronteira da França no exterior é entre a Guiana [francesa] e o Brasil", disse Macron.

Já no decorrer do G7, o chefe de Estado francês disse que os países do grupo concordaram em "ajudar o mais rapidamente possível os países afetados" pelos incêndios que se multiplicaram nas últimas semanas na Amazónia.

Macron disse que estão a ser feitos contactos com "todos os países da Amazónia" para que possam ser finalizados compromissos muito concretos de "meios técnicos e financeiros". "Estamos a trabalhar num mecanismo de mobilização internacional para poder ajudar da maneira o mais eficaz possível estes países", adiantou.

Quanto à questão da reflorestação da Amazónia, concedeu que "várias sensibilidades foram expressas". "Mas o desafio da Amazónia para estes países e para a comunidade internacional é tal, em termos de biodiversidade, de oxigénio, de luta contra o aquecimento global, que devemos avançar com essa reflorestação", afirmou.

A controvérsia tomou proporções tais que levou o presidente francês - com o apoio de Angela Merkel e de Donald Tusk - a ameaçar não ratificar o acordo comercial UE-Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai), assinado no fim de junho e culminando duas décadas de negociações.

Acordos comerciais

O presidente norte-americano recuou aparentemente na ameaça de escalar a guerra comercial com a China, ao admitir repensar a estratégia, apenas dois dias depois de ordenar a saída de empresas americanas do país. À pergunta se estaria a repensar a escalada da guerra comercial, Donald Trump disse: "Sim, claro. Porque não?" À insistência sobre o assunto, Trump foi mais genérico: "Eu repenso sobre tudo."

Mas a sua porta-voz, Stephanie Grisham, declarou pouco depois que na verdade Trump lamentava "não ter aumentado as tarifas ainda mais" e que as declarações foram mal interpretadas.

No sábado, Emmanuel Macron e Boris Johnson estiveram alinhados na mensagem de que as tensões comerciais são más para todos, dando razão a Donald Tusk. O presidente do Conselho Europeu advertira na sexta-feira que "as guerras comerciais levarão à recessão, enquanto os acordos comerciais impulsionam a economia". Macron e Trump discutiram no domingo com Boris Johnson, Angela Merkel, Shinzo Abe, Giuseppe Conte e Justin Trudeau sobre o estado da economia mundial, que dá sinais preocupantes de desaceleração na Alemanha, na China e nos Estados Unidos, e como reanimá-la.

Do lado construtivo, Trump anunciou que EUA e Japão têm um acordo de princípio para assinarem um novo tratado de comércio, que deverá ser concluído em setembro. Tóquio compromete-se a retirar barreiras comerciais na importação de carne norte-americana e, em troca, Washington deixa de taxar produtos industriais, o que não inclui o setor automóvel.

Brexit

Boris Johnson ameaçou não pagar o que está acordado entre Londres e Bruxelas em caso de saída sem acordo e voltou a afirmar que no dia 31 de outubro o Reino Unido sai da União Europeia. A mensagem terá sido transmitida ao presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, que antes da cimeira perguntou se Johnson quer ficar conhecido como o Sr. Não Acordo. Se o Reino Unido deixar a União Europeia sem um acordo, deixará de dever legalmente a conta de 39 mil milhões de libras, terá dito ao dirigente polaco na reunião que tiveram à margem do G7.

"Penso que toda a União Europeia compreende que, se não chegarmos a um acordo, então... já não estamos legalmente comprometidos em pagar os 39 mil milhões", disse Johnson à Sky News, quando lhe perguntaram se tinha dito aos líderes da UE nesta semana que tencionava reter o dinheiro. "Como já disse muitas vezes, muitas vezes, a 1 de novembro, teremos montantes muito substanciais a partir desses 39 mil milhões para gastar no apoio aos nossos agricultores... e para investir em todo o tipo de áreas."

Em junho, uma fonte próxima do presidente francês afirmou que não pagar o Brexit equivaleria a um incumprimento da dívida soberana e, na quarta-feira, um membro do seu gabinete afirmou que sair sem um acordo não eliminaria a obrigação de pagamento do Reino Unido. "Não há um mundo mágico em que a conta desapareça."

Quem tenta aproveitar a saída anunciada do Reino Unido da UE é Donald Trump, que apoiou o novo primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, no diferendo com os europeus no Brexit. "Ele é o homem certo para fazer o trabalho", afirmou na sua primeira reunião, tendo prometido um "grande negócio comercial" assim que Londres se desligue da UE.

Boris Johnson também disse que os dois países irão celebrar um "fantástico acordo comercial uma vez removidos os obstáculos".

Rússia

Os sete dirigentes acordaram em "reforçar o diálogo e a coordenação" sobre as atuais crises com a Rússia, mas consideram "demasiado cedo" para a reintegrar num G8, de acordo com uma fonte diplomática. Algo que Donald Trump insiste que aconteça.

A Rússia foi excluída do G8 em 2014 na sequência da anexação da Crimeia. Mas Donald Trump não esconde que está a favor do seu regresso, apesar de não haver qualquer mudança por parte de Moscovo. Pelo contrário, afirmou o outro Donald da cimeira, há mais motivos para a Rússia continuar fora do clube. No que respeita à Crimeia, Tusk lembra o caso dos marinheiros ucranianos detidos no mar de Azov.

Mas há mais: "Quando a Rússia foi convidada para o G7 pela primeira vez, acreditava-se que seguiria o caminho da democracia liberal, do Estado de direito e dos direitos humanos. Haverá alguém entre nós que possa dizer com convicção, e não com base em cálculos empresariais, que a Rússia está nesse caminho?"

Manifestações

Várias centenas de manifestantes participaram no domingo em Baiona numa "marcha dos retratos de Emmanuel Macron" que foram retirados nas câmaras municipais, chamado de "presidente da República dos poluidores". As medidas de segurança aplicadas em torno do G7 de Biarritz impediram as tentativas de protestos violentos, e também dissuadiram os opositores de organizar uma série de ações pacíficas no domingo para encerrar a sua "contracimeira".

A presença de cerca de 13 200 polícias, apoiados pelo Exército, fez-se sentir no País Basco francês, e em especial em Biarritz.

Depois de uma grande manifestação entre as cidades fronteiriças de Hendaia e Irun, no País Basco espanhol, os movimentos de oposição pretendiam realizar uma "contracimeira" com sete manifestações simultâneas perto de Biarritz, para cercar" o G7 de forma simbólica.

Mas as ações foram canceladas no sábado à noite, substituídas por uma única concentração em Anglet, na vizinhança com Biarritz. Ação que também foi cancelada devido à prisão, durante a noite, do ativista pró-etarra Joseba Álvarez.

"Várias dezenas de pessoas foram presas entre Baiona e Hendaia nos últimos dias, incluindo alguns dos nossos ativistas comunitários", disse Aurélie Trouvé, do Alternatives G7, à AFP. "O propósito deste estado policial é apagar todo o debate político."

Segundo a autoridade regional Prefeitura dos Pirenéus Atlânticos, 68 pessoas foram detidas no sábado e algumas ainda estavam sob custódia no domingo.

Desigualdades

O combate às desigualdades sem abandonar o caminho da globalização é o tema da 45.ª cimeira. As cinco prioridades são a igualdade de oportunidades, o combate à desigualdade relacionado com a degradação do meio ambiente, a segurança e o contraterrorismo, a luta contra a desigualdade através da inteligência artificial e do desenvolvimento digital e o combate à desigualdade com o lançamento de uma parceria com África.

No G7 estiveram ainda presentes líderes do Egito, do Burkina Faso, do Ruanda, do Senegal, da África do Sul e a Comissão da União Africana. Os outros países convidados foram a Austrália, a Índia e o Chile.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt