Maldivas. Dia Nacional contra o domínio português

Mala de viagem (110). Um retrato muito pessoal das Maldivas
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O mapa das Maldivas que os portugueses deixaram, após terem administrado as ilhas a partir da colónia de Goa (1558-1573), é um documento notável. Porém, o domínio português durou pouco e parece não ter sido apreciado nesta região insular. Uma revolta popular expulsou os portugueses. Este acontecimento ainda hoje é celebrado como Dia Nacional das Maldivas, num pequeno museu e memorial em honra do herói nacional e depois sultão, Muhammad Thakurufaanu Al-Azam, na sua ilha natal de Utheemu, no sul do atol Thiladhummathi. O paraíso ficou para trás para os portugueses do século XVI. Segundo Jorge Luis Borges, "Sempre imaginei que o paraíso fosse uma espécie de livraria" e, segundo Federico García Lorca, "A Terra é o provável paraíso perdido". Estas duas frases parecem referir-se ao mesmo, mas uma identifica o paraíso presente e outra o paraíso a desaparecer. De uma casa plena de livros ao próprio Planeta, ambos inscritos na globalidade, creio que os paraísos estão onde nós os encontramos em função dos nossos valores. Em campanhas promocionais, existem lugares a que se chama "Paraísos" e, provavelmente, as Maldivas vêm logo à mente. Trata-se de um conjunto formado por mais de um milhar de ilhas, mas apenas cerca de 200 são habitadas. A capital Malé pertence a uma pequena ilha com 100 mil pessoas. O visitante é convidado às mais excêntricas experiências depois de sermos recebidos ao som de tambores e palmas, ou seja, viver em cabanas sobre o mar, mergulhar por debaixo de ilhas côncavas, ter à disposição um menu de sabão, comer num restaurante a 5 metros de profundidade e com uma vista panorâmica de 180º do Índico, aprender o essencial do "dhivehi" (dialeto local), da astronomia ou da culinária local e, para um milionário, beber um vinho português de 1795. Lembrando-me daquela frase de Jorge Luis Borges, indaguei junto do hotel onde poderia ter acesso à prosa e à poesia de escritores locais, mesmo que fossem escritas no dialeto. Não havia. Apenas um livro de presenças, onde se escreviam frases, prosas e alguns versos em diferentes línguas de tantos clientes que por ali já tinham passado. Felizmente, escrevi estas palavras numa folha do hotel antes de as perenizar no livro de visitas: "Uma ilha - onde sinto a evaporação do oceano azul que se liga ao cenário olímpico da natureza. A liberdade - em que a luz inunda a água, os barcos levitam e o corpo volta para o mar. Abandonar o paraíso é a única forma de não esquecê-lo, mas a poesia nunca se abandona, sobretudo a que nasce do paraíso." Este paraíso foi-me oferecido pelo sonho em viagem.

Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.

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