Há coisas do diabo...
Foram cinco horas de debate, quase o dobro do tempo previsto para questionar o governo sobre os destinos do país. Mas só serviram para perceber que o diabo não só chegou como já se instalou.
Durante cinco horas, não se ouviu aos representantes da nação uma dúvida e aos governantes uma explicação sobre projetos de futuro, planeamento económico, melhoras sociais. Não se questionou nem se respondeu sobre objetivos concretos e metas temporais para recuperar o elevador social da pane crónica em que caiu, para restabelecer serviços públicos dignos desse nome, para recuperar investimento em áreas fundamentais para pôr o país a crescer e torná-lo apetecível para os milhares de jovens que todos os anos nos fogem, levando capacidade e competência para fora.
Em contrapartida, aprendemos imenso sobre a novela com que nos querem distrair da cada vez mais enraizada miséria. E comprovámos que temos um primeiro-ministro com mestrado em entretenimento, que desdenha a responsabilização política e se ri perante a degradação das instituições.
Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão.
Sobre a novela mais conhecida por Galambagate, disse-nos o primeiro-ministro que não há ilegalidade no envolvimento do SIS - é portanto normal uma polícia não criminal, especializada em "prevenir a sabotagem, o terrorismo, a espionagem e a prática de atos que, pela sua natureza, possam alterar ou destruir o Estado de direito constitucionalmente estabelecido" ser chamada por um membro de um qualquer gabinete para interpelar um cidadão que levou um computador de um gabinete.
Afirmou o primeiro-ministro que combinar com a CEO de uma empresa pública as respostas a dar quando interpelada numa Comissão Parlamentar de Inquérito até pode não ser ético ou correto, mas "é prática corrente", logo, aceitável e nada preocupante.
Repetiu o primeiro-ministro que tem "a maior consideração" por dois ministros alegadamente suspeitos num caso de corrupção - Fernando Medina e Duarte Cordeiro - e mantém "plena confiança em todos" os seus ministros, incluindo João Galamba, apesar de todas as trapalhadas que tem protagonizado. O que, de certa forma, é cadastro, considerando que Costa usou os mesmos termos e convicção com o seu adjunto Miguel Alves (constituído arguido em novembro), com Pedro Nuno Santos (sobre cuja cabeça depôs as responsabilidades do TAPgate), com Eduardo Cabrita (constituído arguido em março), com Marta Temido (que saiu do governo na sequência da morte de uma grávida, vítima do caos no SNS), com Constança Urbano de Sousa (ministra da Administração Interna à época dos mortíferos fogos que chocaram o país).
Sobre o caos no SNS, o caos nos transportes, o caos na educação, o caos na justiça, a falta de investimento, o congelamento dos grandes projetos, o atraso no PRR ou o terceiro recorde consecutivo de receita fiscal conseguido num ano de dificuldade-limite para os portugueses, respondeu costa que os portugueses já veem melhorias, que o salário mínimo subiu 50%, que até tem ajudado os paupérrimos e que as pensões e os funcionários públicos até foram aumentados mais do que estava previsto. Um mãos-largas, o nosso primeiro-ministro. E um visionário, percebemos ontem, quando colou ao Parlamento inteiro, de Rui Tavares a André Ventura, o vírus do populismo.
Os católicos saberão - e os que não o são não precisam de rezar para aprender - que o maior trunfo atribuído ao diabo é a sua capacidade de seduzir com falsas promessas e distrair o povo dos caminhos da virtude, afastando-os de tudo quanto possa conduzir a um futuro mais sólido, que construa sobre bases sólidas e acrescente valor.
Olhando a atualidade política, não parece mesmo que o diabo anda por aí?