A mais mágica das terras portuguesas?
Assisti há uns anos a uma mágica noite de ópera no Palácio da Pena, homenagem da Embaixada da Hungria a D. Fernando II, o marido alemão de D. Maria II. Alemão sim, mas filho de uma húngara, e por isso aquele concerto a somar-se a uma série de eventos a comemorar os 200 anos do nascimento do nosso único rei consorte nascido no estrangeiro (D. Maria I casou-se com um tio). Um rei com um casamento profícuo, pois a mulher teve 11 filhos. E agora resisto à tentação de falar demasiado de D. Maria II, a nossa rainha carioca, que teve em D. Fernando o terceiro marido e, porém, este disse mais tarde ter conhecido a mulher ainda virgem.
E resisto porque quero sobretudo voltar à palavra "mágica" que usei na primeira frase deste editorial. Sim, foi uma noite mágica porque as sopranos eram belas e talentosas, o Salão Nobre faz inteira justiça ao nome e o próprio palácio parece saído de um conto de fadas. Mas o mais mágico foi, já escuro, subir a serra de carro e, depois de estacionar, caminhar pelo meio do nevoeiro até ao portão.
Da magia ao mistério vai curta distância. E creio que foi a magia de Sintra que levou Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão a batizar o folhetim que escreveram há 150 anos exatos para o DN (primeira publicação a 24 de julho de 1870) de O Mistério da Estrada de Sintra. Século e meio são muitos anos, Sintra até se escrevia Cintra e mistério era com y. Mas Eduardo Coelho, nosso fundador em 1864 (daí o título do suplemento, neste sábado dedicado a Sintra), foi dos primeiros a notar a genialidade de um Eça ainda muito jovem, ao ponto de publicar as suas reportagens na inauguração do canal de Suez. E não foi só a apostar em novos valores que Eduardo Coelho se mostrou exímio: também percebeu que o jornalismo nem só de notícias vivia (e ele prezava-as tanto que as pôs no título do jornal) e viu na publicação dos textos cruzados de Eça e Ramalho, publicados como se fossem relatos do dia, um chamariz para leitores, algo que atualmente chamaríamos de marketing.
Com o pretexto destes 150 anos almocei com Basílio Horta, hoje presidente da Câmara Municipal de Sintra mas que já foi muita coisa na vida - desde professor no ISCSP onde estudei, a fundador do CDS, deputado, ministro de pastas várias, candidato presidencial, embaixador junto da OCDE ou presidente da AICEP. Disse-me saber bem que o DN não era um jornal como os outros, porque um jornal também é aquilo que marcou na vida das pessoas. No caso de um político como ele, tão longevo, então não faltarão nem as manchetes complicadas nem as notícias negativas, tal como não faltarão as entrevistas em que brilhou ou os títulos a dar a conhecer as suas vitórias.
Por coincidência, já depois da conversa com Basílio Horta o DN fez uma manchete com Sintra e a situação da covid-19 no concelho. E para mim confirma-se a impressão de que todo o alarme em torno do número de casos em alguns concelhos da Grande Lisboa é injusto. A pandemia tem de ser combatida, não há quaisquer dúvidas, mas confundir um concelho grande com uma vasta população e muito variado nas atividades económicas com a vila de Sintra não só é ilógico como trágico.
Como conto no artigo que escrevi baseado na nossa conversa, não se via vivalma no terreiro do Palácio da Vila, monumento antigo onde viveram, entre outros, D. João I e D. Filipa de Lencastre. Os turistas têm medo, regressam pouco a pouco, e sobretudo os estrangeiros, nomeadamente os ingleses, sumiram. Nem os elogios de Lord Byron, que conheceu a vila e a serra ainda antes de Eça, os convencem a regressar, tanta é a vontade do governo de Londres de pôr Portugal no vermelho, mesmo que no Reino Unido se morra muito mais da doença. Byron chamou num poema "paraíso glorioso" a Sintra, rendido, pois, à sua magia, aqui tão perto, tão acessível. Afinal Portugal às vezes tem vantagem em ser um país pequeno.
Fiquei com vontade de voltar a Sintra. De sentir a magia. Neste agosto certamente irei até lá, voltar a mostrar aos meus filhos a misteriosa Quinta da Regaleira e o Palácio da Pena, mais antigo e mais impressionante do que qualquer dos castelos bávaros de Ludwig II, pois D. Fernando II imaginou-o misturando duas culturas, a germânica em que nasceu e a portuguesa que fez sua, recusando depois de viúvo até coroas que lhe foram oferecidas (mas esta já é outra história também).