Crescer do lado de fora

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"Não somos apenas miúdos institucionalizados, somos pessoas com objetivos. É preciso que a sociedade deixe de criar rótulos que nos fazem acreditar que não somos ninguém." O apelo é partilhado na primeira pessoa por Inês Pimenta, 23 anos, institucionalizada desde os dois, e cuja história foi contada na Notícias Magazine (ao domingo, com DN e JN), em setembro. Ela própria tomou a iniciativa de contar como é viver numa instituição, lidar com dúvidas e inseguranças que outros miúdos partilham com os pais ou os irmãos, procurar um colo onde se caiba bem.

No blogue Story of my life, vai contando a sua experiência, partilhando cenas do seu percurso pessoal e profissional, uma jovem que foi tão criança como as demais, com desejos e necessidades, sonhos e ambições que Inês tem conseguido realizar, ao contrário de demasiados jovens institucionalizados.

Na última década, o número de crianças e jovens a viver em centros de acolhimento reduziu-se 25%. É um excelente indicador. Mostra que há menos famílias a desistir dos seus, a experimentar uma miséria que não querem partilhar com os pequenos, a cair em buracos tão negros que seja preciso resgatar os menores de serem também engolidos e que a aposta nas famílias de acolhimento, embora ainda deficitárias relativamente às necessidades, tem resultado.

Mas estes números também revelam que há ainda quase 7 mil menores a crescer fora de uma estrutura familiar. Inês Pimenta é o exemplo de que isso não é uma sentença de vida menor: cresceu feliz, estudou, trabalhou, formou-se em Gestão de Restauração e Catering e está a caminho do mestrado com o objetivo de conseguir uma posição na ASAE. E faz questão de partilhar os bons e os maus momentos pelos quais passou até aqui chegar, para que outros como ela sintam que tudo podem -por muito más que pareçam as coisas em alguns momentos.

Para estas crianças, cada conquista é duas vezes mais difícil. São miúdos órfãos ou que têm pais mas é como se não tivessem, crianças cujas famílias não têm condições mínimas para as suportar ou que as maltrataram ou negligenciaram ou que delas se aproveitaram das piores formas. Crescem na idade como na revolta e na desconfiança, construindo muros tantas vezes impossíveis de derrubar. Muitas delas têm problemas - físicos, psicológicos, emocionais - e mesmo entre as que não os têm, a maioria vive com a certeza de ser diferente, em constante carência, como quem olha de fora a existência.

Pior ainda em tempos de pandemia, com os custos emocionais e ao nível da saúde mental amplificados na sociedade e o distanciamento obrigatório a impor-se com mais violência a quem sempre viveu longe daqueles que a maioria de nós toma como apoios certos.

Inês conseguiu dar o salto, apoiar-se em quem lhe deu a mão para construir o seu caminho. E por isso decidiu partilhar a sua história, mostrar que é possível e inspirar outros casos de sucesso. Estes ainda são, porém, suficientemente escassos para merecerem ser contados.

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