Famílias em incumprimento podem travar venda do crédito da casa a fundos
As famílias que viram os seus créditos à habitação serem vendidos pelos bancos a outras entidades podem impugnar a venda. Créditos à habitação que entraram em incumprimento há poucos meses têm sido alienados pelas instituições financeiras, deixando as famílias à mercê de empresas e fundos com práticas de recuperação de crédito agressivas e que não são abrangidos pelas mesmas regras do que a banca, noticiou ontem o jornal Público. Juristas e especialistas na recuperação de créditos dizem que há casos em que as vendas podem ser impugnadas.
Quando entram em situação de incumprimento as famílias devem negociar com o seu banco. Iniciado o processo de negociação, o banco não pode acabar com o contrato de crédito nem vendê-lo.
"O cliente poderá impugnar a venda do crédito em determinadas circunstâncias, nomeadamente se estiver incluído ou ainda em análise no âmbito de um processo negocial extrajudicial, como o PARI - Plano de Ação para o Risco de Incumprimento e PERSI - Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento", afirmou Alexandra Dias Teixeira, sócia coordenadora da área de Bancário, Financeiro e Recuperação de Crédito da JPAB-José Pedro Aguiar-Branco Advogados. O cliente também pode impugnar a venda do crédito pelo banco se "essa condição estiver prevista contratualmente". Por isso, especialistas aconselham os consumidores a incluir essa cláusula nos novos contratos de crédito à habitação.
Para a Deco, a venda dos créditos pelos bancos põe em causa o cumprimento de um direito que está consagrado na lei. "O legislador fez o diploma do crédito à habitação com intenção de que possa haver a retoma do contrato de crédito com o banco até à venda judicial do imóvel, para proteger as famílias", disse Natália Nunes, responsável pelo gabinete do sobre-endividado da Deco.
"Como é que as famílias retomam o contrato com o banco quando o seu crédito foi vendido a outra entidade", questionou. Para esta responsável da Defesa do Consumidor, "o novo governo terá de dar atenção a esta matéria". "Recebemos diariamente pedidos de ajuda de famílias cujos créditos à habitação foram vendidos", afirmou. Também há dúvidas sobre se as famílias não deveriam ter de autorizar a venda de créditos, tal como os bancos fazem nos contratos de permuta.
Não se sabe ao certo quantas famílias estão em incumprimento. Os dados do supervisor excluem muitas vendas de crédito malparado. "Não se encontram neste âmbito (estatísticas) crédito que esteja na posse de entidades não residentes ou de entidades residentes que não sejam participantes na CRC (Central de Responsabilidades de Crédito)", disse fonte oficial do supervisor. Para Filipe Garcia, economista da Informação de Mercados Financeiros, existe um "vazio nos dados sobre a real situação do malparado em Portugal".
Segundo dados do supervisor, em julho, 3,7% das famílias com créditos à habitação estavam em situação de incumprimento. O valor compara com 3,8% em junho e 4,6% em julho de 2018.