"É má estratégia entrar numa guerra com o governo italiano"
Há um braço-de-ferro entre Roma e Bruxelas. E agora?
Tanto quanto parece, o orçamento italiano representa uma violação das regras. Mas a questão é, em primeiro lugar, se as regras fazem sentido. E, em segundo lugar, se será politicamente inteligente para a Comissão Europeia entrar numa guerra com o governo italiano, numa altura em que têm muitos outros problemas.
Considera que é uma má estratégia da Comissão Europeia?
Tendo em conta a atitude confrontacional que o governo italiano tem com a União Europeia e o euro, politicamente é uma bomba que lhes explode nas mãos [da Comissão], já que o governo quer abrir uma batalha com Bruxelas para fortalecer o apoio popular, com vista às eleições europeias. E a Comissão começou a jogar esse jogo. Não tenho qualquer simpatia pelo Movimento Cinco Estrelas ou pela Liga, mas penso que é pouco sábio entrar nesta guerra.
A Comissão tinha outra opção?
Avançar com um défice de 2,4 por cento num país com elevado desemprego não deveria ser um crime. Tendo em conta isso, eles estão a avançar com um défice com a finalidade de fazerem aquilo para que foram eleitos, que no caso da Liga do Norte é a redução de impostos e no caso do Movimento Cinco Estrelas introduzirem o rendimento social. Parece-me que eles tem a legitimidade democrática para fazer o que se propõem a fazer.
Insisto. Poderia a Comissão aceitar este orçamento havendo regras violadas?
A Comissão tem flexibilidade pela forma como aplica as regras, e tem mostrado flexibilidade umas vezes e não tem mostrado noutras. Mesmo quando se restringem às leis, podem adotar uma postura mais confrontacional ou menos confrontacional. Do ponto de vista político, a Comissão está a tentar pressionar muito. Contra isso pode dizer-se que a Alemanha foi tratada diferentemente há uns anos atrás. Pode dizer-se que é pouco sábio porque provocar uma crise com Itália pode espalhar-se para outros países, com os spreads a subirem um pouco para outros países, incluindo Portugal.
A decisão desta terça-feira foi inédita, mas a estratégia não tanto. Vamos assistir a um déjà vu dos anos mais turbulentos da crise?
Há dois cenários. Um é o governo italiano não ceder e não voltar atrás - e não creio que caiba à Comissão Europeia fazê-los voltar atrás -, porque, no máximo, o que a Comissão Europeia pode fazer é impor uma multa. E Itália poderá simplesmente recusar-se a pagar. A ameaça para Itália são os mercados de capitais. Se os mercados entrarem em pânico, isso pode forçá-los a ceder. O risco é que, por outro lado, podem ser politicamente fortalecidos pela crise. De qualquer forma, nunca será a Comissão a fazer que o governo italiano ceda. De qualquer maneira, cederão sempre pela força dos mercados.
Mas isso é também um risco imenso no caso de Itália...
Se a estratégia em Bruxelas é: se os mercados entrarem em pânico, é um problema de Itália e Itália que o resolva, isso não é verdade. Itália é um mercado imenso, uma enorme economia. O tratamento imposto à Grécia, a Portugal ou à Irlanda não pode ser imposto a Itália. Se estala uma crise e o governo não ceder, isso pode implodir o euro.
A estratégia de quantitative easing do BCE voltaria a evitar um colapso?
Os instrumentos através dos quais a crise na zona euro foi travada, com o Mario Draghi a fazer o que foi necessário, está alicerçada na ideia de que os governos aceitam um programa de assistência e as condições associadas. Não parece que isso seja uma coisa provável para o governo italiano aceitar fazer. Durante a crise, também outros governos fizeram coisas que não queriam fazer, porque receavam os mercados. Obviamente isso pode acontecer outra vez agora. Mas, até acontecer agora, não penso que a Comissão Europeia vá alterar a sua atuação.
Voltamos ao mesmo: o risco é maior no caso da economia italiana.
Em 2015, houve um momento em que a Grécia teve a sua dívida praticamente na posse de todos os países da zona euro e, portanto, o potencial para o pânico era pequeno. Mas agora temos um enorme mercado de capitais em Itália, com muita da dívida italiana nas mãos da banca, que já está a sofrer internamente. Também há alguma dívida nas mãos de bancos estrangeiros e, nesse sentido, há o potencial para o contágio. Contágio porque, se a Itália entrar em incumprimento ou deixar o euro, a ideia de que será possível isolar o resto da zona euro é uma loucura, porque a Itália pode simplesmente derreter o euro. É uma química perigosa.
Em algum momento alguém terá de ceder. Consegue antecipar...
Avançar para uma rejeição do orçamento, abrir um procedimento por défice excessivo, avançar para sanções e provavelmente uma multa, que é a forma como o processo se agrava, não parece ser uma forma de fazer o governo italiano mudar de ideias. Eles podem dizer que não concordam com as metas orçamentais e que foram eleitos nessa base. Que as coisas que fazem são para agradar aos cidadãos italianos e fazem o que as pessoas querem. Ter uma guerra com a Comissão vai fortalecer o Movimento Cinco Estrelas e a Liga nas próximas eleições europeias.