Em Portugal, há recorrentemente espaço televisivo para políticos no activo comentarem notícias generalistas, uma especificidade no mundo desenvolvido. Trata-se de uma original mistura entre comentário político e espaço noticioso. Foquemos o caso mais saliente dos dias que correm para tentar perceber a razão dessa peculiaridade nacional. A conclusão é que ela não decorre da ignorância das audiências, da falta de especialistas sobre os temas comentados, ou da inexistência de jornalistas capazes. A principal razão é que este tipo de comentário serve acima de tudo uma forma de fazer política..Passamos pelas televisões generalistas internacionais, mesmo de países como Espanha ou Itália, e não vemos nada disto. O que se passa? Qual a razão de termos este tipo de exercício no nosso país? A razão, como muitas vezes acontece nestas coisas, é, simplesmente, política. Ela decorre do interesse de influenciar a opinião pública em certo e determinado sentido. Tais programas são veículos de construção e divulgação de narrativas políticas, não veículos de interpretação e análise, nem, naturalmente, de informação..Apesar dos problemas envolvidos, há um valor mais elevado que nos obriga a viver com estes programas. Trata-se do facto de não ser possível nem desejável haver qualquer tipo de influência externa sobre os conteúdos dos media. Estes devem poder fazer o que querem, dentro da legitimidade democrática, e nada os deve obrigar a outra coisa..Haveria formas de conter o problema, por exemplo, através de uma melhor regulação do cumprimento dos horários dos programas, o que obrigaria a separar notícias de comentário político; ou de um melhor controlo da prestação de serviço público a que os canais generalistas se obrigam, o que implicaria um maior equilíbrio partidário. Todavia, para que tal acontecesse, seria necessário que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social fosse forte, autónoma e com autoridade institucional, coisas de que ainda está longe..Mas há algo que podemos fazer, enquanto cidadãos e espectadores interessados pela coisa política, que é simplesmente tomar estes espaços pelo que eles são e não pelo que dizem ser..Olhemos para o programa com mais sucesso e porventura com maior audiência dos dias que correm, a saber, o espaço televisivo de Luís Marques Mendes. O nosso protagonista, como recordava um artigo deste jornal, é dos que mais tempo estiveram "em cargos governativos e políticos após o 25 de Abril", facto que, segundo reconhece o próprio, lhe deu um grande conhecimento sobre a forma como funciona a "máquina do Estado" e as instituições políticas nacionais. Para além disso, informa o mesmo artigo, Marques Mendes tem um extenso rol de amizades que lhe fornecem ou confirmam factos. Trata-se, assim, de alguém do "sistema", que conhece o funcionamento interno das instituições, com ligações a detentores de cargos políticos ou públicos, que lhe transmitem informações..Ora, tudo isto acontece numa determinada área política - com as excepções da praxe que apenas servem para confirmar a regra. Difícil seria que as opiniões do nosso protagonista não reflectissem a área a que pertence e é precisamente isso que acontece. Para os seus há palavras como "clarificação", "coerência", "coragem", "esteve bem", "dois vencedores"; para os outros, há palavras como "eleitoralismo", "excesso de propaganda", "forrobodó", "fartote"..Nada disto tem de ser errado, nada disto tem de ser censurável, mas tudo isto deve ser recordado para sabermos o que temos pela frente quando ouvimos Marques Mendes. E o que temos é um político do PSD a fazer um programa de opinião que não é jornalístico nem noticioso. É a todos os títulos um espaço de intervenção política..Embora a mistura de opinião com notícias seja prejudicial à clareza - e, de certo modo, à democracia -, podemos apesar de tudo sobreviver com o esquema. Se queremos saber o que se passa no país, ouçamos o que nos dizem os media fora dos espaços dos comentários. Se queremos saber o que se passa no PSD, o que pensa o PSD, as lutas do PSD, ouçamos Marques Mendes..Confesso que demorei algum tempo a resolver o dilema acima colocado, apesar de a resposta ser simples e talvez demasiadamente evidente. Mas é a resposta que dá lógica a um exercício aparentemente sem lógica alguma. Com ela, Portugal é novamente um país normal. Talvez, quem sabe, a caminho de uma normalidade melhor..Professor universitário e investigador. Escreve de acordo com a antiga ortografia
Em Portugal, há recorrentemente espaço televisivo para políticos no activo comentarem notícias generalistas, uma especificidade no mundo desenvolvido. Trata-se de uma original mistura entre comentário político e espaço noticioso. Foquemos o caso mais saliente dos dias que correm para tentar perceber a razão dessa peculiaridade nacional. A conclusão é que ela não decorre da ignorância das audiências, da falta de especialistas sobre os temas comentados, ou da inexistência de jornalistas capazes. A principal razão é que este tipo de comentário serve acima de tudo uma forma de fazer política..Passamos pelas televisões generalistas internacionais, mesmo de países como Espanha ou Itália, e não vemos nada disto. O que se passa? Qual a razão de termos este tipo de exercício no nosso país? A razão, como muitas vezes acontece nestas coisas, é, simplesmente, política. Ela decorre do interesse de influenciar a opinião pública em certo e determinado sentido. Tais programas são veículos de construção e divulgação de narrativas políticas, não veículos de interpretação e análise, nem, naturalmente, de informação..Apesar dos problemas envolvidos, há um valor mais elevado que nos obriga a viver com estes programas. Trata-se do facto de não ser possível nem desejável haver qualquer tipo de influência externa sobre os conteúdos dos media. Estes devem poder fazer o que querem, dentro da legitimidade democrática, e nada os deve obrigar a outra coisa..Haveria formas de conter o problema, por exemplo, através de uma melhor regulação do cumprimento dos horários dos programas, o que obrigaria a separar notícias de comentário político; ou de um melhor controlo da prestação de serviço público a que os canais generalistas se obrigam, o que implicaria um maior equilíbrio partidário. Todavia, para que tal acontecesse, seria necessário que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social fosse forte, autónoma e com autoridade institucional, coisas de que ainda está longe..Mas há algo que podemos fazer, enquanto cidadãos e espectadores interessados pela coisa política, que é simplesmente tomar estes espaços pelo que eles são e não pelo que dizem ser..Olhemos para o programa com mais sucesso e porventura com maior audiência dos dias que correm, a saber, o espaço televisivo de Luís Marques Mendes. O nosso protagonista, como recordava um artigo deste jornal, é dos que mais tempo estiveram "em cargos governativos e políticos após o 25 de Abril", facto que, segundo reconhece o próprio, lhe deu um grande conhecimento sobre a forma como funciona a "máquina do Estado" e as instituições políticas nacionais. Para além disso, informa o mesmo artigo, Marques Mendes tem um extenso rol de amizades que lhe fornecem ou confirmam factos. Trata-se, assim, de alguém do "sistema", que conhece o funcionamento interno das instituições, com ligações a detentores de cargos políticos ou públicos, que lhe transmitem informações..Ora, tudo isto acontece numa determinada área política - com as excepções da praxe que apenas servem para confirmar a regra. Difícil seria que as opiniões do nosso protagonista não reflectissem a área a que pertence e é precisamente isso que acontece. Para os seus há palavras como "clarificação", "coerência", "coragem", "esteve bem", "dois vencedores"; para os outros, há palavras como "eleitoralismo", "excesso de propaganda", "forrobodó", "fartote"..Nada disto tem de ser errado, nada disto tem de ser censurável, mas tudo isto deve ser recordado para sabermos o que temos pela frente quando ouvimos Marques Mendes. E o que temos é um político do PSD a fazer um programa de opinião que não é jornalístico nem noticioso. É a todos os títulos um espaço de intervenção política..Embora a mistura de opinião com notícias seja prejudicial à clareza - e, de certo modo, à democracia -, podemos apesar de tudo sobreviver com o esquema. Se queremos saber o que se passa no país, ouçamos o que nos dizem os media fora dos espaços dos comentários. Se queremos saber o que se passa no PSD, o que pensa o PSD, as lutas do PSD, ouçamos Marques Mendes..Confesso que demorei algum tempo a resolver o dilema acima colocado, apesar de a resposta ser simples e talvez demasiadamente evidente. Mas é a resposta que dá lógica a um exercício aparentemente sem lógica alguma. Com ela, Portugal é novamente um país normal. Talvez, quem sabe, a caminho de uma normalidade melhor..Professor universitário e investigador. Escreve de acordo com a antiga ortografia