O mais fácil é fazer coincidir com o avanço da idade o crescimento da necessidade - também um enorme prazer, em caso de dúvida - de conversar e, mais especificamente, do desejo de ouvir quem merece. De outra forma, tornar-se-ia estranho e incoerente estar às portas de uma década consecutiva em programas de rádio (dois, sempre com parceiros que acrescentam) que se interessam por escutar histórias e fazer eco de ideias e que fazem "gala" de dar espaço e tempo a quem se desafia para vir falar. Não valorizo demasiado a idade, porque mantenho intacta a certeza de que se aprende muito com os mais novos, e não apenas com aqueles que cronologicamente nos antecederam. Há, no entanto, uma diferença substancial, quando se escuta - e tenta estimular-se aqueles que, por vias distintas, passaram pelo "olho do furacão". Viveram mais (com o devido respeito, "vivenciaram" fica para os que têm pressa de estar na moda...), experimentaram mais, enfrentaram batalhas e circunstâncias que, de alguma forma, nos podem ser úteis muito além da teoria. Acredito piamente que há pessoas, sem distinção de sexo, raça, religião ou aptidões socioprofissionais, que nos valem como memória viva, num momento em que esta parece cada vez mais ausente do nosso quotidiano, demasiado temperado pelo imediato, pelo efémero, pelo trivial..Vem tudo isto a propósito de um programa de TV que vi, com respeito, alguma emoção e gratidão, na passada sexta-feira - e em horário nobre, como deve ser. Passou na RTP e passou-nos, com base na primeira pessoa, o percurso singular de Simone (o "de Oliveira" soa dispensável, que a senhora em questão faz parte do grupo restrito que se identifica por um só nome, ainda por cima o próprio). Aos 80 anos, Simone continua a ser um ciclone (a rima é propositada), que não deixa ninguém indiferente à sua passagem. Orgulha-se de cada uma das suas rugas, geradas por uma existência cheia, atribulada, com momentos de felicidade e ocasiões de drama. Se calhar como todas as vidas, mas com o "pequeno pormenor" de a sua ter sido partilhada com muita gente, os que a conhecem e os muitos mais que a reconhecem. Creio que é essa consciência do "dever cumprido" e essa paz com os caminhos escolhidos que lhe alimenta o mesmo sorriso de sempre, mais maduro mas não menos intenso. Fico a pensar numa lista de personalidades que mereceria um documento semelhante e na missão - ainda as há, na TV - de fixar e olhar de frente estas figuras que são também o nosso património, a nossa identidade, a nossa história. E fico com a esperança de que este episódio, saboroso e didático, não seja exemplar único..Na próxima sexta-feira, a mesma RTP estreia a série 3 Mulheres, cruzando - mesmo que em modo de ficção - as presenças marcantes de Natália Correia, Snu Abecassis e Vera Lagoa. Ora, se nem tudo num canal (ou empresa, como queiram) de televisão pode reconduzir-se às telenovelas, sejam ou não "patrocinadas" por autarquias sedentas de exposição, se o universo ficcional não pode reconduzir-se exclusivamente à batuta histórica, parece haver aqui outro sinal de interesse em "desvendar", mesmo em jeito romanceado, um passado que acaba por ser um presente, também no sentido de uma prenda. O realizador tem créditos firmados, as três protagonistas - Soraia Chaves, Vitória Guerra e Maria João Bastos - estão entre os valores mais seguros de que dispomos. O que gera as melhores expectativas para aquilo que vamos ver e que poderá tornar-se, para muitos, numa viagem ao desconhecido. Oxalá..Talvez convenha, numa próxima oportunidade em que se caluniar, com objetivos conhecidos e por vias quase sempre ínvias, o serviço público de televisão, fazer - pelo menos - esta ressalva. Até porque, olhando à volta, o padrão fica muito longe, e muito aquém, de propostas como estas, que aceitamos e acolhemos como espelhos. Não por vaidade, nada disso. Mas apenas porque precisamos de nos (re)conhecer, nem que seja de vez em quando.
O mais fácil é fazer coincidir com o avanço da idade o crescimento da necessidade - também um enorme prazer, em caso de dúvida - de conversar e, mais especificamente, do desejo de ouvir quem merece. De outra forma, tornar-se-ia estranho e incoerente estar às portas de uma década consecutiva em programas de rádio (dois, sempre com parceiros que acrescentam) que se interessam por escutar histórias e fazer eco de ideias e que fazem "gala" de dar espaço e tempo a quem se desafia para vir falar. Não valorizo demasiado a idade, porque mantenho intacta a certeza de que se aprende muito com os mais novos, e não apenas com aqueles que cronologicamente nos antecederam. Há, no entanto, uma diferença substancial, quando se escuta - e tenta estimular-se aqueles que, por vias distintas, passaram pelo "olho do furacão". Viveram mais (com o devido respeito, "vivenciaram" fica para os que têm pressa de estar na moda...), experimentaram mais, enfrentaram batalhas e circunstâncias que, de alguma forma, nos podem ser úteis muito além da teoria. Acredito piamente que há pessoas, sem distinção de sexo, raça, religião ou aptidões socioprofissionais, que nos valem como memória viva, num momento em que esta parece cada vez mais ausente do nosso quotidiano, demasiado temperado pelo imediato, pelo efémero, pelo trivial..Vem tudo isto a propósito de um programa de TV que vi, com respeito, alguma emoção e gratidão, na passada sexta-feira - e em horário nobre, como deve ser. Passou na RTP e passou-nos, com base na primeira pessoa, o percurso singular de Simone (o "de Oliveira" soa dispensável, que a senhora em questão faz parte do grupo restrito que se identifica por um só nome, ainda por cima o próprio). Aos 80 anos, Simone continua a ser um ciclone (a rima é propositada), que não deixa ninguém indiferente à sua passagem. Orgulha-se de cada uma das suas rugas, geradas por uma existência cheia, atribulada, com momentos de felicidade e ocasiões de drama. Se calhar como todas as vidas, mas com o "pequeno pormenor" de a sua ter sido partilhada com muita gente, os que a conhecem e os muitos mais que a reconhecem. Creio que é essa consciência do "dever cumprido" e essa paz com os caminhos escolhidos que lhe alimenta o mesmo sorriso de sempre, mais maduro mas não menos intenso. Fico a pensar numa lista de personalidades que mereceria um documento semelhante e na missão - ainda as há, na TV - de fixar e olhar de frente estas figuras que são também o nosso património, a nossa identidade, a nossa história. E fico com a esperança de que este episódio, saboroso e didático, não seja exemplar único..Na próxima sexta-feira, a mesma RTP estreia a série 3 Mulheres, cruzando - mesmo que em modo de ficção - as presenças marcantes de Natália Correia, Snu Abecassis e Vera Lagoa. Ora, se nem tudo num canal (ou empresa, como queiram) de televisão pode reconduzir-se às telenovelas, sejam ou não "patrocinadas" por autarquias sedentas de exposição, se o universo ficcional não pode reconduzir-se exclusivamente à batuta histórica, parece haver aqui outro sinal de interesse em "desvendar", mesmo em jeito romanceado, um passado que acaba por ser um presente, também no sentido de uma prenda. O realizador tem créditos firmados, as três protagonistas - Soraia Chaves, Vitória Guerra e Maria João Bastos - estão entre os valores mais seguros de que dispomos. O que gera as melhores expectativas para aquilo que vamos ver e que poderá tornar-se, para muitos, numa viagem ao desconhecido. Oxalá..Talvez convenha, numa próxima oportunidade em que se caluniar, com objetivos conhecidos e por vias quase sempre ínvias, o serviço público de televisão, fazer - pelo menos - esta ressalva. Até porque, olhando à volta, o padrão fica muito longe, e muito aquém, de propostas como estas, que aceitamos e acolhemos como espelhos. Não por vaidade, nada disso. Mas apenas porque precisamos de nos (re)conhecer, nem que seja de vez em quando.