Os riscos globais
A agressão a que a humanidade está submetida, com esta situação amargurante da pandemia, implica talvez assumir a responsabilidade, somando avisos que tiveram uma evidência, fácil de compreender, que tornou perigosamente desafiantes os riscos avaliados, designadamente, desde 1989. O problema da igual dignidade dos povos sempre pareceu, na realidade internacional, mudar de designação a hierarquia das comunidades e o sentido plural que ganhara a expressão "protetorado", o principal deles afastando a ideia de relação entre um Estado e uma colónia, mas sendo antes um conceito de proteção do crescente desenvolvimento social, económico e político, que tornaria a independência possível.
Quando a Carta da ONU definiu o Conselho de Segurança para possuir um diretório de titulares do veto, um poder que a Assembleia Geral de iguais não possuía, a desigualdade mudou de retórica. Foi em 1989 que se tornou pública uma convergência ecológica internacional, comandada pela primeira-ministra Margaret Thatcher, que reuniu em Londres uma conferência de 134 países para declararem a proteção exigida da camada de ozono. Seguiram-se várias reuniões, que produziram o desenvolvimento de uma "doutrina sobre os riscos globais da humanidade". Independentemente do saber e saber fazer das entidades científicas, é infelizmente fácil lembrar alguns acontecimentos que ainda hoje agravam a situação geral do planeta.
Recordamos que, nessa data, a floresta da Amazónia já desde a década de sessenta desafiava o nacionalismo brasileiro pela perceção da extensão da propriedade legal, ou da ocupação de facto, afirmando estar nas mãos de estrangeiros financeira e politicamente poderosos. O colonialismo ameaçador dos índios despertou campanhas internacionais que dramatizam a questão, definida pelo desaparecimento de cem mil quilómetros quadrados de floresta sobre três milhões e meio de quilómetros quadrados de extensão. O século atual substituíra a ameaça efetiva externa, por uma política interna que despertou o protesto externo: o risco apenas mudou de comando.
A geral separação das Igrejas dos Estados não impediu que essas correntes se levantassem a favor da paz, o que continua a ser mantido, com valiosa intervenção, pelo cristianismo (católicos, ortodoxos, anglicanos, luteranos, reformados, metodistas, batistas), islamismo, hinduísmo e budismo. Destes movimentos destaco o Espírito de Assis, a que muito se deve a paz em Moçambique. Assisti ali a uma reunião em que Mário Soares fez um discurso importante, e as intervenções religiosas mereceram o último livro que o meu amigo franciscano Carreira das Neves intitulou - Deus Existe? -, no qual escreveu que as religiões, embora diferentes, continuam a informar a vida dos povos, concluindo que "nenhuma religião possui o monopólio da verdade. Pessoalmente defendo que o ateísmo e o laicismo não podem ser o elo mais forte da coesão humana".
Na ONU, ficou uma sala, organizada pelo secretário-geral Hammarskjöld, intitulada Sala de Meditação para todas as religiões. Quando, em 1989, na RDA, se assistiu à celebração dos quinhentos anos do nascimento de Lutero, a corrente da oposição aproveitou o regresso às fontes do protestantismo (Anne Marie Le Gloannec, 1989). A Assembleia Geral chamou cada um dos Papas, o último foi Francisco, a discursar sobre os valores da humanidade, o credo desses valores e a sua violação a ser combatida.
Tem interesse que Maria de Jesus Ferreira, representante permanente de Angola junto das Nações Unidas, segundo garante o Jornal de Angola, parecendo ciente da falta de governança do globalismo das interdependências mundiais, declarou, a 24 de fevereiro passado, o seguinte: "Acreditamos que um dos interesses mais permanentes deve ser o do Conselho de Segurança, que deve adaptar-se às novas realidades políticas e oferecer a oportunidade de um envolvimento equitativo nas questões de paz e segurança, respeitando as opiniões de todos os Estados membros."
Uma intervenção que, na inesperada crise da pandemia que ameaça todos os vivos, exige o regresso dos titulares dos poderes que assumam o abandono das semânticas, próprias do Estado espetáculo, para, usando o saber e a ação dos investigadores e de outros agentes, consigam finalmente dignificar a memória dos estadistas que utilizaram as autenticidades da palavra e a realidade da "Terra casa comum dos homens". A ambicionada hierarquia do poder supremo, submetida ao Estado espetáculo, articula-se com os riscos inesperados - e agora globais.