Se o gato Mikas foge, só sobra Rio

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Há um par de dias, António Costa lembrou a "experiência muito dolorosa" das autárquicas e a "ilusão das sondagens" que fez o PS perder a Câmara de Lisboa. Fê-lo apenas horas depois de o seu PS ter dado o dito por não dito, recusando a prometida abstenção que viabilizaria o orçamento da Câmara de Lisboa, ter feito um banzé e ter voltado à posição viabilizadora - depois de ter percebido que o golpe palaciano tinha feito ricochete e os lisboetas estavam irritados com tudo o que ficaria congelado ou perdido à conta dos socialistas, se Moedas não tivesse deitado mãos à obra para corrigir o alegado ponto de tensão e reagendado o documento já para terça-feira.

António Costa sabe o que custa ter de negociar à vírgula. Foi o que fez em parte dos oito anos que liderou a Câmara de Lisboa e de novo no governo, nos últimos seis. Mas para conseguir governar assim não basta ter artes de bom negociador, é preciso que do outro lado haja abertura para escutar argumentos e sobretudo pôr interesses alheios à frente dos próprios.

O PS que se mantém pela autarquia lisboeta tem dificuldade em assumir essa postura. E o PS que se candidata de novo a ser governo está farto de a manter - e por isso mudou de discurso, com Costa à cabeça a pedir o que andou seis anos a evitar dizer que queria, mas que agora assume como se nunca tivesse duvidado de ser a solução que lhe servia: uma maioria absoluta.

E de tal forma o tem declarado que inspirou 150 personalidades até hoje insuspeitas apoiantes da escaqueirada geringonça a assinar um manifesto de apelo à maioria incontestável do PS.

É a única maneira de "corrigir o que foi mal feito" (por quem governou nos últimos anos?!), dizem pessoas como Rosa Mota (a mesma que nesta semana chamou "nazizinho" a Rui Rio) ou Valter Hugo Mãe (que na mesma ocasião acusou o líder do PSD de ter rebentado com a cultura no Porto, mas não tem uma palavra a dizer sobre a gloriosa atenção e respeito demonstrado por Costa e por este governo ao setor cultural).

É a única forma, defendem signatários como o maestro Victorino d"Almeida ou o arquiteto Eduardo Souto Moura, de "continuar a repor e aumentar" rendimentos das famílias - não serão todas, claro, há aquela exceção dos quase 2 milhões de portugueses que viviam já no final de 2019 abaixo do limiar da pobreza; e de mais um quarto das famílias que a pandemia empurrou para o buraco; e o pequeno detalhe de que, hoje, seis em cada dez pobres não conseguem melhorar de vida em Portugal... e começa a ser difícil colar isto à troika e fazer o argumento pegar depois de seis anos com o PS ao leme apoiado pela extrema esquerda.

É a única solução para se apostar no "reforço do SNS", escrevem, provavelmente fazendo chorar de arrependimento os mais de cem médicos que nos últimos meses se demitiram em bloco das direções dos hospitais de Beja, da Póvoa de Varzim, de Santa Maria, de São João, de Setúbal, de Braga por não terem condições para trabalhar e serem ignorados pelo governo.

Tem razão Costa em pedir a maioria absoluta. Com a esquerda, está farto de negociar e sabe que já não tem por onde ir. Com o PAN, arrisca-se a ficar em maus lençóis se continua a promover o melhor de Portugal, sejam os enchidos e o cozido, o lítio que nos pode dar um lugar cimeiro na reindustrialização europeia, ou as samarras que puseram em fuga o gato Mikas de Inês Sousa Real, "com medo de ver mais algum animal a virar gola". Com este cenário, é capaz de só encontrar interlocutores onde os que têm bom senso lhe dizem há muito que os procure. E Costa detesta seguir conselhos.

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