Isabel dos Santos é constituída arguida em Angola e sai do EuroBic

Vários portugueses também foram constituídos arguidos. O anúncio foi feito pelo procurador-geral, Heldér Pitta Grós, que, em Luanda, afirmou que a empresária Isabel dos Santos nunca mostrou, de forma direta, interesse em colaborar com as autoridades angolanas.

A empresária angolana Isabel dos Santos foi constituída arguida por alegada má gestão e desvio de fundos durante a passagem pela petrolífera estatal Sonangol, anunciou esta quarta-feira a Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola.

O anúncio foi feito pelo procurador-geral da República, Heldér Pitta Grós, em conferência de imprensa, em Luanda, no mesmo dia em que foi revelado que a empresaria angolana vai sair da estrutura acionista do EuroBic.

Aos jornalistas, Hélder Pitta Grós afirmou que a empresária Isabel dos Santos nunca mostrou, de forma direta, interesse em colaborar com as autoridades angolanas. Disse que houve indícios de colaboração com a justiça, "mas não passaram disso".

"Na prática nada aconteceu, por isso não podemos confirmar que ela esteja disposta ou não a negociar, o quê, em que termos, era necessário que fosse mais explicita caso seja a sua vontade", referiu.

A filha do antigo presidente da República de Angola José Eduardo dos Santos é alvo de um processo-crime, após uma denúncia do presidente do conselho de administração da petrolífera, Carlos Saturnino.

Juntamente com Isabel dos Santos, adianta a Lusa, são também arguidos Sarju Raikundalia, ex-administrador financeiro da Sonangol, Mário Leite da Silva, gestor da empresária e presidente do conselho de administração do Banco de Fomento Angola (BFA), Paula Oliveira, amiga de Isabel dos Santos e administradora da NOS, e Nuno Ribeiro da Cunha, diretor do Eurobic.

Segundo o procurador-geral angolano, todos os arguidos encontram-se fora de Angola e, numa primeira fase, serão notificados sobre a sua condição de arguido.

"Neste momento, a preocupação é notificar e fazer com que venham voluntariamente à justiça", disse hoje Hélder Pitta Grós numa conferência de imprensa em Luanda, adiantando que se não conseguir este objetivo, a Procuradoria-Geral da República irá recorrer aos instrumentos legais ao seu dispor, entre os quais a emissão de mandados de captura internacionais.

Isabel dos Santos, filha do ex-presidente José Eduardo dos Santos, foi visada pelo Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação (ICIJ), que revelou, no domingo, mais de 715 mil ficheiros, sob o nome de 'Luanda Leaks', que detalham esquemas financeiros usados por si e pelo marido, Sindika Dokolo, que terão permitido retirar dinheiro do erário público angolano, utilizando paraísos fiscais.

No entanto, prosseguiu Hélder Pitta Grós, "a justiça nunca deve fechar a porta a nenhum cidadão", deve estar sempre pronta para atender as suas aspirações, lembrando que cada caso é um caso.

"Não podemos negociar de uma forma, em que vamos dizer que se vier e devolver [o dinheiro] que não há crime ou que não vamos continuar a instaurar um processo-crime, mas se vai de facto ser uma atitude louvável e que a justiça vai ter em conta quando for analisar, no sentido de se proceder, ou não, a acusação. Com certeza vai ser levado em conta este gesto do cidadão", frisou.

"Este caso dela não é o único, mas temos outros casos, dela é único no sentido da proporção que teve"

Hélder Pitta Grós recordou que o processo de recuperação de capitais em Angola teve duas fases, a primeira de entrega voluntária pelos cidadãos, que decorreu entre junho e dezembro de 2018, seguindo-se depois a fase coerciva, pelo que toda esta situação tem de ser enquadrara na legislação que foi produzida.

Sobre se há outros casos a serem investigados antes da gestão de Isabel do Santos na Sonangol, o PGR disse que sim, mas em menor proporção.

"Temos processos de situações anteriores a Isabel dos Santos, há processos em curso e estamos a trabalhar neles e assim que forem concluídos saberemos se temos, ou não, matéria suficiente criminal para procedermos à acusação e levar a tribunal", salientou.

E Hélder Pitta Grós acrescentou: "Este caso dela não é o único, mas temos outros casos, dela é único no sentido da proporção que teve".

O Procurador-Geral da República angolana vai reunir-se esta quinta-feira, em Lisboa, com a sua homóloga portuguesa, a magistrada Lucília Gago, avançou esta quarta-feira o Expresso e a SIC, tendo depois confirmado a PGR portuguesa.

Isabel dos Santos sai da estrutura acionista do EuroBic

Também esta quarta-feira foi revelado que a empresária angolana vai sair da estrutura acionista do EuroBic, informou o banco em comunicado.

De acordo com a instituição bancária, a filha do ex-presidente de Angola "tomou a decisão de saída da estrutura acionista do EuroBic".

O banco fala numa saída que "é definitiva" e que irá "concretizar-se o mais brevemente possível". "A acionista renunciou desde já e em definitivo ao exercício dos seus direitos de voto", lê-se no documento.

A decisão de abandonar a estrutura acionista do EuroBic foi tomada "com vista a salvaguardar a confiança na instituição", informa o banco.

Neste âmbito, "a operação de alienação da sua participação foi já iniciada, a qual, face à existência de interessados, tem assegurada a sua concretização a muito breve prazo, sujeita, nos termos da lei, à prévia autorização das autoridades competentes".

O banco adianta que "os administradores não executivos que exercem funções na estrutura de gestão do universo da Eng.ª Isabel dos Santos apresentaram a renúncia aos seus cargos no EuroBic com efeitos imediatos". O EuroBic deu "conhecimento prévio ao Banco de Portugal" destas decisões.

Através de empresas a si ligadas, Isabel dos Santos era até agora acionista de 42,5% do EuroBic, detendo a maior 'fatia' entre os detentores de participações sociais do banco fundado em 2008.

Mais de 700 mil documentos foram analisados pelo ICIJ, que revelam como Isabel dos Santos, a mulher mais rica da África, fez alegadamente a sua fortuna. Os documentos foram investigados por 37 órgãos de comunicação social, incluindo o Expresso e a SIC. O ICIJ denominou os documentos "The Luanda Leaks".

Durante a investigação, foram identificadas mais de 400 empresas (e respetivas subsidiárias) a que Isabel dos Santos esteve ligada nas últimas três décadas, incluindo 155 sociedades portuguesas e 99 angolanas.

O ICIJ analisou, ao longo de vários meses, 356 gigabytes de dados relativos aos negócios de Isabel dos Santos entre 1980 e 2018, que ajudam a reconstruir o caminho que levou a filha do ex-presidente angolano a tornar-se a mulher mais rica de África.

As informações recolhidas detalham, por exemplo, um esquema de ocultação montado por Isabel dos Santos na petrolífera estatal angolana Sonangol, que lhe terá permitido desviar mais de 100 milhões de dólares (90 milhões de euros) para o Dubai.

Revelam ainda que, em menos de 24 horas, a conta da Sonangol no EuroBic Lisboa, banco de que Isabel dos Santos é (ainda) a principal acionista, foi esvaziada e ficou com saldo negativo no dia seguinte à demissão da empresária.

Segundo os documentos, Isabel dos Santos e Sindika Dokolo têm participações acionistas de empresas e bens, como imobiliários, em países como Angola, Portugal, Reino Unido, Dubai e Mónaco.

Empresária fala em "ataque político" e "caça às bruxas"

A empresária angolana afirma que a investigação é baseada em "documentos e informações falsas", num "ataque político" coordenado com o Governo angolano. "As notícias do ICIJ [Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação] baseiam-se em muitos documentos falsos e falsa informação, é um ataque político coordenado em coordenação com o 'Governo Angolano' (sic). 715 mil documentos lidos? Quem acredita nisso?"

Entretanto, a empresária deu uma entrevista ao programa Panorama no canal inglês BBC na qual argumenta que "as autoridades angolanas embarcaram numa caça às bruxas muito, muito seletiva, que serve o propósito de dizer que há duas ou três pessoas relacionadas com a família dos Santos". "Lamento que Angola tenha escolhido este caminho, penso que todos temos muito a perder", disse.

EuroBic e PwC afastam-se

Na sequência das informações reveladas pelo caso Luanda Leaks, o EuroBic informou em comunicado, esta segunda-feira, que decidiu "encerrar a relação comercial com entidades controladas pelo universo da acionista Eng.ª Isabel dos Santos e pessoas estreitamente relacionadas com a mesma."

A administração esclarece ainda que "os pagamentos ordenados pela cliente Sociedade Nacional de Combustíveis de Angola (Sonangol) à Matter Business Solutions respeitaram os procedimentos legais e regulamentares formalmente aplicáveis no âmbito da regular relação comercial existente entre este Banco e a Sonangol, designadamente os que se referem à prevenção do branqueamento de capitais."

A maioria das empresas envolvidas nos negócios suspeitos eram supervisionadas por contabilistas que trabalhavam para a empresa de serviços financeiros, Price Waterhouse Coopers (PWC). Mas, após a revelação dos documentos, também a consultora PWC encerrou, segunda-feira, o seu relacionamento com Isabel dos Santos.

Um dia depois, é noticiada a demissão de um dos quadros da consultora. Sócio da PwC, Jaime Esteves decidiu deixar de liderar o departamento de fiscalidade da empresa devido, segundo o próprio, à "seriedade das alegações do Luanda Leaks". "Entendi que devia deixar de liderar o departamento e pedi para ser substituído", afirmou ao jornal Observador.

Bob Moritz, presidente da comissão executiva da PwC, admitiu, entretanto, esta terça-feira que está "desiludido" e "chocado" com as revelações sobre as operações de Isabel dos Santos.

O CEO da consultora refere mesmo que está "desiludido por não ter identificado" os problemas mais cedo. "Esse foi o nosso erro", reconheceu ao The Guardian, à margem do Fórum Económico Mundial, que decorre em Davos.

Moritz admitiu que uma investigação interna pode levar a que elementos da consultora percam os cargos de liderança ou até mesmo os empregos. "Vamos esperar pela investigação. Mas precisamos de avançar rapidamente para tomar medidas para recuperar a confiança", defendeu

Na sequência da revelação da investigação Luanda Leaks, o nome da empresária angolana foi também retirado da lista de participantes do Fórum Económico Mundial de Davos.

Costa diz que cabe a Portugal "colaborar totalmente com as autoridades angolanas"

O primeiro-ministro, António Costa, não quis pronunciar-se em concreto sobre a investigação Luanda Leaks, mas quando questionado, esta quarta-feira, pelos jornalistas garantiu que a empresária angolana não teve um tratamento especial. "Nem especial, nem de favor, nem de desfavor. Tratamos todas as pessoas por igual".

O primeiro-ministro assegurou que compete a Portugal "colaborar totalmente com as autoridades angolanas" neste processo. "Espero que este caso permita à justiça angolana tratar aquilo que tem a tratar e às empresas portuguesas continuarem a desenvolver a sua atividade dentro do maior quadro de estabilidade possível", reagiu o primeiro-ministro.

"Há uma regra fundamental: colaborar com todos os outros estados nas investigações criminais. Não tenho dúvidas de que será prestada toda a colaboração pelas autoridades judiciais e regulatórias", afirmou.

Interrogado sobre a situação em que poderão ficar grandes empresas portuguesas em que a empresária Isabel dos Santos detém participações relevantes, António Costa procurou então traçar uma linha de demarcação entre a questão da acionista e continuação da atividade dessas mesmas empresas.

"Não conheço em pormenor os casos judiciais, mas a investigação tem sido sobre uma acionista e não sobre as empresas. Portanto, as medidas que sejam adotadas em relação à acionista não afetarão necessariamente as empresas. As empresas têm uma distinção entre aquilo que são os seus capitais, os seus recursos, e aquilo que é o capital e os recursos dos seus acionistas", alegou.

Perante os jornalistas, o líder do executivo defendeu que, neste caso em concreto, deseja que "Portugal cumpra a sua função de colaborar (como lhe compete) com uma investigação que é desenvolvida pelas autoridades judiciárias de um país amigo".

"Simultaneamente, espero que as empresas mantenham a sua atividade, até porque algumas delas são essenciais para a economia nacional, designadamente a Efacec - uma empresa industrial num setor de ponta de referência", disse.

Atualizada às 20:14

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