Bolota fiscal em esteroides inflacionistas
A boa notícia são as contas certas. Não apenas os resultados conseguidos neste ano, mas sobretudo o foco que as Finanças têm vindo a concentrar na necessidade de Portugal passar a ser visto como um país que cumpre os seus compromissos, que controla défice e dívida, e que ultrapassou definitivamente o conceito de que as dívidas não são para pagar, mas para gerir.
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Porém, quando se abre a caixa, a esperança em dias melhores é apenas um ponto de luz numa floresta de mau augúrio.
Pelo quarto mês consecutivo, o desemprego em Portugal subiu. A evolução real na riqueza do país entre o final de 2019 e a primeira metade deste ano - quando a recuperação das economias entrou com toda a pujança - não passou os 0,9% (o impulso de 6,6% que o governo prevê para o crescimento não é capaz de obliterar a inédita queda de -7,6% que o PIB sofreu num só ano, com a pandemia a duplicar o estrago registado aquando da entrada da troika). O investimento propagandeado pelo governo não se materializa na economia - cresce abaixo de 1%, numa altura em que nada se constrói, nada se reforça, nada se melhora. E quase toda a riqueza do Estado chega por via de impostos, à boleia da inflação. As poupanças dos portugueses estão a ser consumidas como fogo num palheiro, para responder a emergências diárias. E até o ex-ministro das Finanças, hoje cara do Banco de Portugal, Mário Centeno, já admite que 40% das famílias serão empurradas até ao fio da navalha das suas capacidades em 2023.
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Com a análise que ontem a UTAO (instituição independente que avalia as contas públicas) divulgou revelando que quase 90% do superavit de 3 mil milhões nas Administrações Públicas vem à boleia da receita fiscal - sobretudo IVA e IRC sangrados às cada vez mais magras contas de famílias e empresas -, solta-se uma pilha de dúvidas sobre o que vem a seguir, quando a paralisia irremediavelmente se instalar sobre a capacidade de manobra de famílias e empresas, estranguladas por uma inflação que não está a abrandar quanto se desejava e pelas consequentemente crescentes taxas de juros que todas as semanas lhes roubam tesouraria e poder de compra.
Torna-se ainda mais óbvio que o brilharete das finanças tem sido feito às costas dos contribuintes, que continuamente vão enchendo os cofres públicos, deixando quem se senta no Terreiro do Paço a esfregar as mãos de contentamento pela inesperada bazuca fiscal. E os cheques ocasionais de 140 ou 280 euros para quem já não pode mais nem sequer fazem mexer a curva.
O porco foi engordado à força de esteroides inflacionistas que fizeram inchar a bolota da receita de IVA e IRC. Mas quando já pouco resta senão cascas, como se mantém viva uma economia ligada à própria máquina pública cuja voracidade alimenta há anos?