Afluência às urgências aumenta quando resposta dos hospitais está mais lenta
O número de pessoas a deslocar-se às urgências por causa da gripe está a aumentar, tal como estimou a Direção-Geral da Saúde, que previu o pico da gripe para o final de dezembro e início de janeiro. A confirmar-se, a maior afluência às urgências vai coincidir com um dos períodos em que os hospitais têm mais dificuldade em dar resposta, o Natal. Há médicos de férias e menos prestadores de serviços dispostos a preencher os espaços vazios das escalas.
Na semana passada, foram às urgências mais de 75 000 pessoas e os tempos de espera começaram a aumentar. Destas, mais de cinco mil tiveram de ser internadas, e 12 225 passaram mais de seis horas na unidade de saúde. Houve hospitais onde a espera atingiu as três horas, segundo o Portal do SNS. "Os serviços já estão deficitários por ocasião das festas, a funcionar de forma mínima, e se realmente houver este fluxo crescente de doentes vai ser complicado. Qualquer pequeno abanão significa uma catástrofe. Pode criar uma tempestade perfeita", diz Noel Carrilho, presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM).
O último boletim de vigilância epidemiológica de síndrome gripal do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge, que corresponde ao período entre 9 e 15 de dezembro, revelava que o "número de consultas por síndrome gripal registadas em cuidados de saúde primários manteve a tendência crescente observada nas últimas semanas", sobretudo nas regiões do norte e do centro. Até agora, os episódios de urgência têm afetado principalmente os mais jovens, entre os 6 e os 18 anos, e os números da mortalidade encontram-se dentro do previsto para a época.
O Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, do Algarve, Leiria e Viseu são os hospitais mais problemáticos, de acordo com Noel Carrilho, uma vez que já estão com dificuldades em preencher as escalas nos dias comuns. Jorge Roque da Cunha, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos, acrescenta os hospitais lisboetas no que diz respeito às escalas da obstetrícia. "Na generalidade dos hospitais de Lisboa, as escalas de obstetrícia estão todas abaixo daquilo que é recomendado. Nas escalas do Hospital de São Francisco Xavier não há sequer nenhum dia em que tenha os cinco [especialistas recomendados pela Ordem dos Médicos] e há muitos dias com três. Nesta semana chegou mesmo a haver mais três grávidas no hospital do que camas."
Praticamente todos os hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) recorrem a prestadores de serviços, durante todo o ano, para preencher as suas escalas. No ano passado, foram gastos mais de 105 milhões de euros com tarefeiros, a maioria (65%) serviu para contratar médicos em contexto de urgência, de acordo com o Relatório Social do Ministério da Saúde e do SNS de 2018. Mas, nesta época, nem os valores mais elevados fazem que tarefeiros prescindam do Natal. "Não lhes compensa fazer estes dias", refere o presidente da FNAM.
Alexandre Valentim Lourenço, presidente da secção regional do sul da Ordem dos Médicos, diz ter conhecimento de vários pedidos de tarefeiros para reforçar as equipas desfalcadas nesta altura. "Mas não tenho visto grande adesão a estes anúncios", conta. "As empresas [de tarefeiros] não têm médicos nesta altura, porque estes só aparecem se lhes compensar. Quem veste a camisola são os profissionais dos hospitais. Há vários médicos de férias que vão estar a trabalhar nos dias 24 e 25. Ainda há pouco falei com duas médicas que estão de férias dez dias, mas que vão interromper para fazer os dias de Natal e de ano novo. É espírito de causa."
Para assegurar o serviços, os médicos prescindem do Natal, muitas vezes fazendo horas extra para lá daquelas que são permitidas. "Dezembro é sempre uma época complicada, porque os médicos em geral já esgotaram as 150 horas extraordinárias que podem fazer e, portanto, só podem fazer as horas do seu horário normal", explica Noel Carrilho. Mas muitos acabam a quebrar isto. No ano passado, durante o ano, os médicos fizeram mais 5,7 milhões de horas suplementares.
O Orçamento do Estado de 2020, apresentado na passada segunda-feira, prevê redução gradual do recurso a empresas de trabalho temporário através de um reforço de 8400 profissionais (enfermeiros, médicos, assistentes operacionais...) até 2021 e melhores compensações nas horas extra. São mais941 milhões de euros para a saúde face ao Orçamento de 2019.
Em tempo de surto de gripe, a Direção-Geral da Saúde emitiu recomendações para se proteger a si e a terceiros: evite as urgências, antes de se deslocar a um hospital contacte a linha SNS24 (808 24 24 24) ou o INEM, em caso de doença grave.
Como prevenção, a DGS aconselha as pessoas a partir dos 60 anos ou doentes crónicos a tomarem a vacina da gripe. Até à semana passada, foram administradas mais de 1,3 milhões de vacinas.
É ainda importante a hidratação (beber água, tisanas, sopa, bebidas quentes e evitar o consumo de álcool), não estar muito tempo ao frio ou sujeito a mudanças de temperatura muito bruscas e manter as regras de higiene para não transmitir o vírus, como lavar as mãos, espirrar e tossir para o cotovelo e manter a distância de outras pessoas em casos de doença respiratória.