Ementa de Natal

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Há já uns tempos que noto uma obsessão generalizada com a comida. Abrem restaurantes a toda a hora, criam-se bairros gastronómicos, organizam-se eventos internacionais para contar estrelas Michelin, os chefs são as novas vedetas nas capas das revistas. Há cursos de cozinha até para crianças, e não só proliferam programas de culinária em vários canais televisivos (todos com audiências respeitáveis) como de repente se tornou a ambição de qualquer actriz, jornalista, tia ou apresentadora publicar um livro de receitas e fazer um show cooking. Enquanto isso, os casais já pouco conversam à mesa, preocupados que estão em fotografar com o telemóvel tudo o que têm no prato para depois partilharem as imagens nas redes sociais e receberem mil deliciadas interjeições e carinhas satisfeitas. Mas já terão parado um segundo para pensar onde acaba tudo aquilo que se come?

Pronto, desculpem: em época propícia a tudo menos dietas, eu não devia ser desmancha-prazeres. É verdade que, além de pão com manteiga e batatas fritas, não ligo grande coisa à comida, até porque, consciente das minhas limitações como cozinheira, fico a olhar para o forno o tempo todo que uma carne demora a assar e, como tal, não me repugnaria trocar esse stress por um simples comprimido com as calorias necessárias. Mesmo assim, vejo que o assunto anda na boca de toda a gente com demasiada urgência, numa espécie de "agora ou nunca" inexplicável.

E daí... talvez a coisa tenha uma explicação: é que certos alimentos vão desaparecer em trinta anos, sob o risco de desaparecer o planeta em vez deles; e as alternativas que se perfilam no horizonte são tudo menos convidativas: larvas e insectos, carne criada em laboratório a partir de células de músculo de frango e uns bifes saídos de impressoras 3D, cujo design talvez possa compensar a sensaboria, mas... Abrirá, de resto, na Suécia muito em breve o Museu da Comida Nojenta, o que me parece, além de estúpido, algo profético. E, assim sendo, deixo-vos com o que poderá ser o menu de um reputado chef para o Natal de 2045: «Consomé de goma de caracol com hortelã. Caril de minhoca em casca de coco impressa. Barata crocante em seu puré. Almôndegas de carocha com quinoa. Espetada de escaravelhos em redução de frutos vermelhos.» No final, o bolo-rei até pode ter como prenda uma joaninha cristalizada, que eu cá, se ainda for viva, terei o meu comprimido calórico. Adeus, futuro.

Editora e escritora, escreve de acordo com a antiga ortografia

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