"Venho de Longe, mas não sou estrangeiro/Fui para o Estrangeiro, mas não sou Estrangeiro." A frase, aqui traduzida do crioulo original com que é entoada, quase em forma de oração, abre o novo trabalho de Dino d'Santiago, dando o mote a Mundu Nôbu, um disco daqui e dali - ou antes, de todo o lado, tal como seu autor..Claudino de Jesus Borges Pereira, mais conhecido como Dino d'Santiago, nasceu há 35 anos em Quarteira. Filho de pais cabo-verdianos cresceu entre dois mundos. "Sou algarvio, mas tenho essa raiz crioula através dos meus pais, que são naturais da ilha de Santiago. Falámos com os meus pais em português e eles respondiam em crioulo. Ainda hoje é assim e sempre todos nos entendemos", diz com um sorriso. Dino, entretanto, já viveu no Porto, tocou um pouco por todo o lado na Europa e desde há alguns anos que vive em Lisboa, o lugar que, sublinha, melhor resume o sentimento global deste disco.."É cada vez é mais difícil identificar quem é ou não da cidade. Às vezes cruzamo-nos com pessoas que pensamos serem turistas e, afinal, são tão lisboetas como nós e vivem cá há anos." É este movimento cultural - "mas também social" - de um mundo novo, que tenta transmitir neste trabalho, iniciado na ilha de Santiago, "outro local também exposto a influências muito díspares, de África, da América e da Europa e também ele um epicentro de exportação cultural, tal como Lisboa"..A viagem que haveria de conduzir a Mundu Nôbu começou há cerca de três anos, em Cabo Verde, e foi entretanto passando por muitos outros locais, literal e metaforicamente, como se percebe ao ouvir o disco, no qual o funaná e o batuque cabo-verdiano se funde com os sons eletrónicos globais do afro-house ou do hip-hop.."Foi em Cabo Verde que descobri não só a minha identidade mas também a minha pulsação, dentro do batuque e do funaná. Era impossível para mim, enquanto artista, não contar essa história, ou melhor não a cantar", salienta. Para Dino, a tradição funciona assim como ponto de partida e não tanto de chegada. "É uma narrativa compreendida cada vez mais por uma nova geração, que também passa por isso na sua vida do dia-a-dia. Por isso quis juntar o lado da eletrónica global com um lado mais tradicional, mais presente nas mensagens. Fi-lo da forma que acho mais pura, com base nas raízes e na mensagem da tradição, mas depois pego num olhar de fora para lhe dar esse banho mais contemporâneo", explica..O olhar a que se refere é o do inglês Paul Seiji, que partilha a produção executiva do álbum com o angolano-lisboeta Kalaf Epalanga, mas também o do produtor nova-iorquino de origem cabo-verdiana Rusty Santos, com quem trabalhou em Cabo Verde..Apesar de o compreender, Dino só se começou a expressar em crioulo quando gravou o seu primeiro disco, Eva, em 2013. "Comecei a escrever e a compor em crioulo e senti que tinha finalmente a minha voz, o meu verdadeiro timbre, quando falar e cantar se torna a mesma coisa", lembra. Não quer por isso ser apontado como o herdeiro de ninguém: "O Bana, a Cesária ou o Tito Paris são únicos e incomparáveis. Eu apenas quero ser o Dino contemporâneo, que pega nessas raízes e dá-lhe um toque pessoal, de modo a, talvez, um dia deixar o meu próprio legado às gerações mais novas." Neste desbravar de uma nova "crioulofonia", Dino teve como bússola os seus próprios pais, "cem por cento crioulos", como o próprio os apresenta. "Punha os temas a tocar e não dizia nada, apenas ficava a observar a reação.".Curiosamente, recorda, foi dos temas mais arrojados que mais gostaram. "Quando entendiam a mensagem para além dos beats e da produção, os olhos brilhavam, especialmente os do meu pai, que até chorou, quando ouviu um tema dedicado a ele." Nessa altura, percebeu que "estava no caminho certo"..Convidámos Dino d'Santiago a guiar-nos por alguns dos locais mais emblemáticos da sua Lisboa crioula, sem os quais este disco não existiria ou, como o próprio refere, "seria talvez outra coisa qualquer"..Bairro da Cova da Moura, Amadora."É a minha primeira imagem de onde tenho muita família. É lá que ainda hoje vou cortar o cabelo, ao Mozart, que é há anos o meu barbeiro, comer a minha cachupa a casa da velha senhora que a minha conhece... É o meu cantinho de Cabo Verde em Lisboa, mas também é o local onde vou perceber o que é que se anda a ouvir, porque ali ainda se ouve tudo de uma forma muito pura. É o sítio perfeito para perceber o que está realmente a bater"..Village Underground, Lisboa."O local onde aluguei o meu contentor, para acabar de gravar o disco. Foi para aí que trouxe o produtor inglês Paul Seiji. O disco demorou três anos a fazer, mas foi lá que o terminei e lhe dei realmente caminho. Foi um período muito intenso. Durante um mês inteiro, todos os dias, de manhã à noite, ia para lá misturar e a produzir o disco. O contentor ainda lá está e, apesar de já não me pertencer, continua a ser um bocadinho meu.".Campo de Santa Clara, Lisboa."Escolhi este bairro porque é aqui que fica um dos locais onde foi criado este movimento da Lisboa Crioula, que acontece muito dentro de casas, em festas e reuniões de amigos. Somos músicos da Guiné, de Moçambique, do Brasil, de Angola, de Cabo Verde... Fundámos uma orquestra de batucadeiras, que costumam tocar ali em Alfama e continuamos a juntar-nos muitas vezes para tocar. É também uma forma de mostrar o que cada um anda a fazer, quase como se fosse uma avaliação coletiva do nosso trabalho a nível individual, por parte de um grupo de artistas que sente a mesma vibração. Depois há quem traga amigos, quem faça uma cachupa ou moamba..."