Madagáscar. A "árvore da vida"

Mala de viagem (107). Um retrato muito pessoal de Madagáscar.
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A "árvore da vida" baobá, ou reniala ("mãe da floresta"), é uma espécie pré-histórica datada de mais de 200 milhões de anos. Percorreram o caminho da vida ao lado de sucessivas gerações de malgaxes, vendo muitas luas passar. Na minha estada em Madagáscar, a caminho das Comores, propus-me visitar o maior baobá, sagrado, que tem uma circunferência com quase 30 metros. O baobá é capaz de fornecer abrigo, vestuário, comida, madeira e água para os habitantes humanos e para os animais. A casca de cortiça, ou enorme caule, é resistente ao fogo e é utilizada para fazer tecidos e cordas. As folhas são utilizadas como condimentos e medicamentos. O fruto, por vezes chamado "pão de macaco", é rico em vitamina C e comido pelos locais. O nosso guia referiu que a singular silhueta do baobá se tornou lendária e é, por vezes, referida como a "árvore de cabeça para baixo". Tem ramos de raiz invulgares que são sazonalmente desprovidos de folhagem. Com os seus troncos maciços, ramos tortos e frutos peludos, os baobás adaptaram-se a ambientes secos e hostis, aqueles que, ao longo do século XVI, portugueses, franceses, holandeses e piratas, sucessivamente, encontraram. O seu tronco maciço tem pouca fibra de madeira e pode conter até 300 litros de água, permitindo-lhe viver longos períodos sem chuva, além de fornecer animais e outras espécies da área para beber da sua água da chuva recolhida. Os benefícios do baobá são numerosos e o pó natural do baobá pode ser utilizado em numerosas receitas, havendo muitos produtos de baobá à venda para que mais pessoas possam usufruir dos benefícios desta icónica "árvore da vida". A ilha de Madagáscar, situada na costa leste de África, é a quarta maior do mundo, tendo sido descoberta a 10 de agosto de 1500 por uma expedição lusa comandada por Diogo Dias, irmão de Bartolomeu Dias, que se contava entre os navegadores experientes da frota de Pedro Álvares Cabral, na segunda armada à Índia, comandando um dos navios que chegou ao Brasil. Separando-se da expedição, descobriu uma ilha a que deu o nome de São Lourenço (nome do santo padroeiro desse dia), mais tarde designada Madagáscar. Referido por Pero Vaz de Caminha, na "Carta do Descobrimento do Brasil", como "homem gracioso e de prazer", descrevendo-o como dançando na praia em Porto Seguro com os índios "ao jeito deles e ao som de uma gaita". O guia desta nossa pequena expedição à "árvore da vida" contou que Diogo Dias também tem sido lembrado, por sucessivas gerações de malgaxes, pela sua atitude amistosa perante os residentes étnicos da época, provenientes de povos austronésios e de imigrantes bantos. Talvez por isso os portugueses não conseguiram fixar-se no território, por nunca terem usado uma força colonialista, mas é curioso que, tendo sido alcançada a independência, em 1960, Madagáscar tenha na sua insígnia as cores da atual bandeira portuguesa. A história ouvida e a "árvore da vida" que ali estava junto de mim despertaram-me o pensamento. Por vezes, é necessário que os ventos lhe sacudam os galhos, não apenas para que os frutos podres possam cair, mas também para criar um espaço novo para que outros possam nascer. Como em tudo na vida, tal como as folhas que caem da árvore e continuam juntas também alimentam a raiz - e as nossas recordações.

Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.

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