Na proteção dos mais frágeis falhamos todos
Natália não devia estar viva. Mas não só respira como começa a conseguir sentar-se, brincar, falar. Aos 3 anos, é um milagre que resulta da ciência - que encontrou uma forma de tratar e retardar a evolução de uma doença raríssima e altamente destrutiva, que na sua pior versão era sentença de sobrevivência curta e dolorosa e morte certa ainda em idade de colo. Mas também é prova do cuidado de quem a diagnosticou nos primeiros tempos de vida, permitindo assim salvar as células neuronais que lhe garantem o desenvolvimento, e de quem a ela se dedica a 100%, incluindo a mãe, que por Natália deixou toda a vida para trás.
A ciência evoluiu. E avançando o rastreio desta condição no teste do pezinho já no próximo ano, como relata a jornalista Ana Mafalda Inácio, que nos conta esta incrível história de vida, permitirá salvar todas as Natálias que vierem a nascer, assegurar que têm as mesmas hipóteses do que qualquer outra criança de crescer e ter uma vida. Infelizmente, o milagre não basta sozinho, requer acompanhamento, empenho, dedicação. Há esforços acrescidos que têm de ser feitos, terapias que não podem ser dispensadas, atenção que não pode ser doseada.
É inegável o passo de gigante que resulta do surgimento e da comparticipação do novo medicamento pelo Estado, assegurando a sua disponibilidade às 120 crianças que sofrem de atrofia muscular espinhal em Portugal - e sobretudo às que poderão vir a nascer com esta condição. Mas há um outro lado de ajuda que continuamos a negar a quem, por doença, paga uma fatura médica nunca inferior a 1500 euros por mês. Um subsídio mensal de 34 euros para uma família com uma criança com necessidades especiais, acrescido de 100 euros para ajudar a pagar um cuidador que permita aos pais um par de horas livres por dia é uma realidade que devia envergonhar-nos a todos.
É nestes casos, em relação aos seus mais frágeis, que a sociedade tem de responder com mais exigência, de ser mais generosa, mais atenta, mais presente. Existir um medicamento inovador capaz de trazer novas esperanças é uma notícia fantástica, sobretudo porque a sua realização não depende de nós: é fruto de muitas décadas de investigação, testes, trabalho, frustrações, erros, até à vitória final. Devia, por outro lado, marcar-nos a todos a constatação de que na parte em que qualquer um de nós podia fazer a diferença, no passo que só depende da sociedade e da competente decisão política para lhe dar vida, falhamos.
Falhamos todos e cada um de nós, ao permitir que histórias como a da família da Natália se repitam há demasiados anos. Falhamos todos e cada um de nós, ao não exigirmos que se trate de forma verdadeiramente - não só esteticamente - diferente aquilo que não pode nunca ser visto como igual. Falhamos todos e cada um de nós, ao aceitar pequenas contribuições de que não precisamos e que , acumuladas e direcionadas, podiam fazer toda a diferença para quem tem de viver de forma mais dura.
Proteger os seus mais frágeis e garantir-lhes dignidade é a maior missão de um Estado, prova da maturidade de uma sociedade. Estamos à espera de quê