"Se desconfiassem do nosso peso íamos à balança"
Há 40 anos, trabalhar na aviação era uma uma profissão com glamour e muitas regalias. Amália Valadares, que deixou a TAP em 2001, recorda esses tempos e as exigências que tinham de cumprir.
Amália Valadares voou 38 anos, sempre na TAP. Recorda esses tempos como altura de um glamour que "agora já não há". "Foi assistente de bordo e quando saí era supervisora de cabina", explicou ao DN falando de uma carreira em que assistiu ao desenvolvimento da empresa de aviação portuguesa. "Entrei na altura em que chegaram os aviões a jato, como o Caravelle [em 1962]. E não tinha nada que ver com a situação atual. Foram-se perdendo regalias e o próprio transporte também se alterou. No meu tempo só voava quem tivesses posses, agora já não é assim", recorda.

O SE 210 Caravelle foi o primeiro avião comercial a jato de curto/médio curso produzido pela empresa francesa Sud Aviation a partir de 1955.
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Também as compensações dadas aos tripulantes são agora diferentes, principalmente nas companhias low-cost. "Tínhamos benesses de que hoje nem se fala. Na altura quando fazíamos voos intercontinentais em que existiam fusos horários de três ou quatro horas não podíamos voar no dia seguinte, tínhamos de ter duas pernoitas para compensar o desgaste. Agora não é assim", conta Amália.
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"Hoje é muito difícil as pessoas terem boas condições de trabalho, principalmente nas low-cost", reconhece, principalmente quando se compara com as obrigações das empresas de aviação. "Agora só se pensa na parte comercial."
"Nós tínhamos todas as regalias, 13.º e 14.º meses, subsídio de refeição, recebíamos um subsídio para manter a farda impecável, para a mandar lavar no hotel", frisa.
A questão do uniforme remete para as obrigações que existiam na altura em que Amália voava. "A forma como nos apresentávamos era muito controlada. Quando chegávamos aos briefings viam se os lábios estavam pintados, o tamanho da saia, o comprimento do cabelo. Se desconfiavam do nosso peso pediam para irmos a uma balança", acrescenta.
Um controlo que "hoje já não existe", diz. No tempo em que voava - Amália saiu da empresa em 2001, com 57 anos - havia também um controlo à qualidade do trabalho a bordo: "Iam pessoas da empresa no avião como passageiros, analisavam o nosso trabalho e depois faziam relatórios para as relações públicas. Se houvesse problemas a pessoa era chamada para dar explicações."
"Deixou de ser uma profissão de glamour [tripulante de cabina] para ser um emprego banal. Não há termo de comparação com a aviação dos anos 1960/1970 do século passado", conclui.