O apaziguamento da arena de conflitos em que perigosamente tem sido escrita a história das relações entre as potências no ano corrente implica uma difícil operação de entendimento entre os respetivos competidores. A questão é que a decisão da reunião das duas Coreias, e a pacificação entre a Coreia do Norte e os EUA, não pode deixar de exigir aos intervenientes o tema dos valores de referência que presidam aos encontros da decisão, porque a previsão, que cada um tem necessariamente de construir, será diferente no caso de a referência de valores comuns presidir a uma nova ordem procurada, ou se um efeito apenas de armistício, se conseguido, for orientado pela avaliação dos resultados contraditórios que cada um procura realizar no futuro..A tentativa ocidental no fim da guerra de 1939-1945 foi a de todos os poderes políticos estaduais tomarem as suas decisões à luz dos valores inscritos na Carta, que eram de origem ocidental, ainda quando tinham em vista a situação geral do mundo, mas sempre do ponto de vista dos seus valores. Os factos, que guardam sempre a capacidade de surpreender, não corresponderam ao sonhado, e até obrigam a rever leituras do passado próximo, porque o tempo é um grande reformulador das visões que se sucedem, e corrigem as visões dos percursos. A dúvida é sobre se foi apagada uma linha vermelha porque, tendo como agentes mais visíveis os EUA e a Coreia do Norte, obedeceu a um projeto de percurso articulado por valores de referência participados, ou se tem de considerar-se como uma pausa, em que apenas o pragmatismo estratégico é que orienta os agentes, com intervalo de repouso para retomar as armas..A Federação da Paz Universal, na sua recente reunião de Lisboa, foi clara no sentido de reconhecer "que é altura de a humanidade abraçar valores universalmente compartilhados, de buscar um caminho de cooperação mutua que leve à mútua prosperidade". O que não pode deixar de ser entendido no sentido de que não estamos num ponto adiantado de um trajeto que reconheça o valor do "mundo único", estamos antes incitados a cooperar no sentido de a marcha ser finalmente iniciada. Não se trata, nesta rede humanitária, presente em mais de 140 nações, de uma visão idílica da situação, mas de proclamar o objetivo de conseguir por em vigor um modelo de "ONU da Paz", mas com a enorme dificuldade de não poder esquecer que, ainda que a letra da Carta se mantenha, a simples leitura exige mudar de sentido, quando pretende que a Associação Internacional de Parlamentares para a Paz, seja de representantes centrados no seguinte princípio de uma paz a benefício de todos: "Vocês são os representantes de sete biliões de pessoas no mundo. Se acaso se unirem desta forma, não existe nada que não possamos realizar.".Quando, a sublinhar o anúncio do armistício proclamado recentemente, vista a unanimidade da Assembleia da Coreia do Norte e o método inovador das mensagens americanas, a conclusão prudente não pode ir mais longe do que esperar para ver, certamente o conselho que daria Heidegger, angustiado com o domínio da técnica sobre os valores, ao advertir que "o obscurecimento do mundo, a retirada dos deuses, a destruição da Terra, a massificação do homem e a insidiosa suspeita contra aqueles que governam e são livres alcançaram em todo o planeta tais dimensões que categorias tão pueris como a do pessimismo e do otimismo já se tornaram violadas há muito tempo". Seria completamente imprudente que os governos, sobretudo ocidentais, imaginassem que a pausa noticiada é a porta aberta para a vigência de uma teoria dos mandamentos divinos, quando a experiência próxima das dezenas de anos posteriores ao fim da Segunda Guerra Mundial é que vigora o princípio proclamado na linha de pensamento em que se distinguira William James, de que a verdade é o que resulta no êxito da ação empreendida, e até agora a evidência é de que nenhum dos intervenientes renunciou ao seu conceito estratégico específico..Por enquanto, a evidência é a de que todas as sedes do poder estão interligadas pelos factos e, por contraditório que pareça, separadas pelo pragmatismo dos interesses e não pela valoração do "mundo único". O que faz desta trégua a única face da paz. O que infelizmente não é uma novidade, porque se trata de comentário igual feito por um dos generais alemães depois da assinatura do tratado de 1918, chamado de Paz. E que ele, embora pertencendo aos vencidos, advertiu ser apenas de armistício. Neste século, continua a acentuar-se a circunstância de ser impossível fazer rigorosa distinção entre vencedores e vencidos, porque é a globalização, de estrutura mal sabida, que se revela pelos efeitos destrutivos, sem que os poderes, os conhecidos e os ocultos, pareçam ignorar que também são abrangidos pelas consequências maléficas que provocam.