Carlos Moedas: "O pior é o discurso visceral contra as empresas"

O comissário europeu defende menos impostos sobre as empresas, alertando para o risco de pôr em causa a sobrevivência do tecido produtivo em Portugal

O comissário europeu para a Ciência, Investigação e Inovação, Carlos Moedas, que vai gerir um envelope de cem mil milhões de euros do próximo orçamento comunitário, acredita que se Portugal conseguir manter o montante que já conseguiu seria uma grande vitória. O antigo secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro do governo PSD-CDS assegura que, para já, não equaciona um regresso à política nacional, apesar de não fechar a porta a uma eventual corrida à liderança social-democrata.

Veio a Lisboa falar de Europa em 2030. Preocupa-o que em Portugal não ouça nenhum político falar de 2020... quanto mais de uma estratégia para 2030?

Julgo que temos de ver o que estamos a pensar e estruturar esse pensamento. Não se está a pensar em relação à tecnologia, em relação ao que o mundo vai ser em 2030. E nós não podemos mudar o que o mundo vai ser em 2030. Vai ser o que a tecnologia nos vai permitir fazer. A fusão entre o físico e o digital vai determinar o que será a nossa vida dentro de 12 anos. E em Portugal não vejo esta fusão, mas vejo um país cada vez mais interessado, com mais empreendedores.

A Estratégia de Lisboa queria transformar a União Europeia na economia do conhecimento mais competitiva e dinâmica do mundo em 2010. Depois veio a Estratégia Europa 2020 e aposta no conhecimento inteligente, sustentável e inclusivo... E agora para onde caminha a Europa?

O caminho já estava traçado, agora interessa saber como é que chegamos lá, ou seja, a Estratégia de Lisboa dizia que a Europa deveria estar a investir 3% do produto interno bruto (PIB) em inovação e ciência, o que nunca chegou a acontecer. A visão estava certa, o que não conseguimos fazer na Europa foi criar as condições para a implementação.

Sobre essa implementação, está otimista? Até 2030 é que é?

Conseguimos convencer os meus colegas a fazer este aumento dos 80 mil milhões para os 100 mil milhões de euros em inovação e tecnologia, de investir mais, de dar o exemplo, de ter o programa maior do mundo e com isso atrair o setor privado. Esses 3% não são só dinheiro público, são dinheiro público e privado, temos de continuar a criar condições para que o privado também faça investimento na área da inovação e da ciência.

Estamos em fase de negociação do orçamento comunitário para o período 2021-2027. Há um envelope de 1279 biliões de euros, Portugal deverá ser um dos países que vão perder fundos. Antecipa uma discussão dura entre os líderes europeus?

Vai ser uma discussão muito dura e o problema é se a discussão não acaba, se perdemos imenso tempo. O maior perigo não é que não se entendam, mas sim o perigo de resvalar no tempo, de passarmos as eleições europeias e depois tudo se atrasa um ano e esse atraso pode ter um efeito muito negativo no próximo orçamento plurianual. Alguns países podem começar a bater o pé e não querer aprovar o orçamento e pode ter um efeito dramático para o futuro.

Portugal já disse que a proposta de orçamento foi um mau começo. Onde podemos ainda melhorar?

Pode ter havido um mau começo, mas ao que se chegou na proposta é bastante equilibrado. Ou seja, Portugal conseguiu ter cortes na parte estrutural e agrícola inferiores à média e há países que têm cortes muito superiores. Antes os cortes eram feitos olhando para o PIB per capita das regiões e, se tivéssemos aplicado esse método chamado de Berlim, Portugal teria tido um corte de 30% e isso não aconteceu, estamos a falar de 5% a 7%. Acho é que até se fechar isto tudo com os países Portugal ainda corre riscos e pode haver algum problema.

Em que áreas antecipa mais problemas?

Os fundos estruturais e a agricultura são sempre, por definição, um problema, porque são mais de 70% do bolo.

O que seria uma vitória para Portugal?

Penso que se conseguíssemos manter o que já temos seria uma grande vitória. Vamos ver.

Nesta discussão do orçamento plurianual há falta de solidariedade europeia?

Aqueles que dão não querem dar nem mais um euro e aqueles que recebem não querem receber nem menos um euro. Há aqui uma inconsistência matemática.

Essa inconsistência matemática coloca em causa a consistência do projeto europeu?

Acho que não, porque tem sido sempre esta a discussão desde sempre. Acho é que era bom, de uma vez por todas, que houvesse políticos com a capacidade nos próprios países para explicar que o valor de tudo isto não é o dinheiro, é trabalhar em conjunto, é ter um mercado de 500 milhões de pessoas. Não só solidariedade com os que têm menos. A Alemanha não é o potentado económico que é por ser só a Alemanha, o país tem 1% da população do mundo e é um dos maiores exportadores. Sozinha é nada.

O que pode significar o brexit para Portugal e para a União Europeia?

A verdade é que o impacto vai ser mau para todos os países da Europa, inclusive para o Reino Unido, sobretudo se não tivermos a capacidade de fazer um acordo até 29 de março, porque a seguir vamos ter um problema: sem acordo, na manhã seguinte o que é que acontece? Onde vão estar as fronteiras? Onde vão estar as barreiras alfandegárias? Estamos a criar uma incerteza brutal nos empresários, sobretudo nos que estão no Reino Unido, que não sabem se devem mudar a sede para outro país europeu ou não. E há a incerteza em relação ao que vai ser produzido, os stocks e inventários, que neste momento estão a diminuir pela incerteza, porque pela incerteza as empresas produzem menos e estimam vender menos. Há países com mais e com menos impacto, a Alemanha vai ter um impacto grande porque, lá está, é o maior exportador. Vai sempre sofrer mais do que Portugal.

Falou das incertezas com o brexit. Há outra incerteza que é a política da administração norte-americana. O que pode acontecer nas relações entre a Europa e os Estados Unidos, não só as comerciais, mas também na colaboração na inovação e na investigação?

É muito difícil dizer o que pode acontecer. Mas os Estados Unidos não são o seu governo e portanto as relações comerciais entre as empresas, os investigadores e a ciência vão sempre continuar e temos de tentar manter essa relação. Mas é muito triste ver um presidente americano dizer que a União Europeia foi criada contra os Estados Unidos, o que mostra um desconhecimento histórico. Aquilo que vimos na NATO do presidente americano, com as frases em relação à UE, mostram quase uma ideologia visceral contra o multilateralismo. Não sabemos muito bem o que é essa América a que o presidente Trump quer voltar.

Regressando a Portugal e tendo em conta a perspetiva do investimento que também acontece por causa dos fundos da União Europeia, com o novo orçamento plurianual em discussão. Alguns players temem que o investimento venha a encolher. Qual é a análise que faz das perspetivas de investimento e de crescimento da economia?

A seguir à crise, o investimento na Europa caiu mais de 20% em geral. Acho que o grande problema da Europa tem sido a bancodependência, ou seja, estava extremamente dependente dos bancos e Portugal era um exemplo maior; 80% das dívidas das empresas eram bancárias e 20% eram capital de risco e outras fontes de capital e nos EUA era exatamente o contrário, a parte bancária eram 20% ou 30%. O que temos de tentar reconstruir, e os fundos europeus ajudam e o Plano Juncker ajuda, é a base de capital das empresas. Ainda estamos com dificuldades, em que é um pouco "chapa ganha, chapa gasta", e as empresas têm de acumular riqueza para poderem ter músculo. E esse caminho é difícil sobretudo num país como Portugal, que tradicionalmente não tinha muito capital e que a crise veio afetar ainda mais. O caminho está traçado e é preciso começar a pensar que os políticos têm de ter políticas que favoreçam a criação de empresas e mais capital. Não podemos continuar a ter mais impostos no tecido privado porque a dada altura as empresas não sobrevivem, e portanto é um ponto muito importante que temos de pensar a longo prazo...

E este contexto político da geringonça será o incentivo necessário a essa iniciativa privada e a essa acumulação de capital?

No fundo, a geringonça tem duas partes: tem uma parte de um partido social-democrata em termos europeus, que é o Partido Socialista, que tem uma visão muito equilibrada do mundo e tem tido um olhar em relação às empresas. Depois tem dois partidos - o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista - que, visceralmente, não gostam de empresas privadas e isso é grave. Em Portugal, às vezes, não temos essa noção e damos alguma desculpa a algum discurso totalmente antiempresarial. Acho que as pessoas têm, de uma vez por todas, de levantar a voz contra esse tipo de discurso. As empresas privadas são importantes, são as empresas privadas que dão emprego. Podemos falar da ideologia do PCP e do BE, mas acho que o pior é esse discurso visceral contra as empresas.

"De fora, os meus colegas não estão a ver o Bloco de Esquerda e o PCP. Eles tornam-se, internacionalmente, invisíveis"

Acha importante que na próxima legislatura a solução governativa não tenha esta configuração?

Não faço qualquer comentário. Portugal tem o direito de ter as soluções governativas que entender. Quando olho de fora de Portugal não vejo o Bloco de Esquerda e o PCP. Vejo um Partido Socialista que tem vindo a cumprir tudo o que se comprometeu com a Europa, que tem continuado a credibilizar o país. Essa é a imagem que se tem de fora. E essa imagem é boa. Mas de fora os meus colegas não estão a ver o Bloco e o PCP. Eles tornam-se, internacionalmente, invisíveis. Ninguém está a ver os detalhes. Quando estamos na Europa ninguém sabe o que são o BE e o PCP, mas aqui tem esse efeito de serem partidos contra as empresas.

Falando de investimento, IAPMEI e Banco de Fomento estiveram vários meses sem liderança. Que impacto pode ter na economia este esvaziamento?

Não tenho acompanhado a situação. Quando estava no governo acompanhei o início do Banco de Fomento que foi um projeto de grande importância que nasceu durante os anos da troika. O que vejo em Espanha, França e Alemanha é que este tipo de bancos têm uma importância muito grande na gestão de investimento, de fundos e de capital. Em Portugal demorou a descolar. Não tenho acompanhado, mas penso que o Banco de Fomento ainda não descolou e é importante para a economia portuguesa.

Portugal está preparado para enfrentarmos uma nova crise? Vai-se falando de algumas bolhas, do imobiliário, do turismo... Na banca o sistema ainda não está estabilizado e capitalizado...

As crises vão sempre aparecer. Temos de estar mais preparados, mas a crise é inevitável no futuro e aquilo que vemos na Europa, em geral, é que pode acontecer uma desaceleração do crescimento em 2019 e 2020 e isso pode ter impacto. Temos de nos preparar investindo em ciência, em inovação, em educação, em treinar as pessoas para poderem ter oportunidades noutros setores quando mudarem de trabalho. Temos de continuar sempre a investir nessas áreas que é a única maneira de nos proteger das próximas crises.

Se Rui Rio perder as legislativas, admite candidatar-se à presidência do seu partido?

O PSD tem um excelente líder que está a fazer o seu trabalho na oposição e eu sou um daqueles que vão sempre contribuir para a liderança do PSD. Sempre vi a política como uma forma de ajudar o líder do partido. É isso que cada um deve fazer: unir-se à volta do seu partido e do líder a cada momento. Se não fizermos isso não vamos conseguir mudar as coisas.

O que está a dizer é que ainda não é o seu tempo?

Não. Não sei como vai ser o meu futuro, mas sei que adoro o que estou a fazer no presente. Quando estou lá fora e represento Portugal sinto um orgulho enorme. Primeiro vejo-me muito na área da política internacional e gosto muito de fazer política em organizações internacionais. Quando entrei para ajudar na política nunca imaginei que seria secretário de Estado e quando fui secretário de Estado - num momento muito difícil - aquilo que pensava era que queria ir embora e voltar para a minha vida privada. E hoje sou comissário, portanto, não sei o que vou ser, mas aquilo que quero é contribuir para o país...

Então não fecha a porta?

Não tem que ver com porta aberta ou porta fechada. Não faço esse tipo de análise, não sei o que vai ser o futuro. Se me pergunta se gosto de política? Gosto. Se me sinto preenchido a ajudar? Eu vou continuar a contribuir para a política, mas nunca pensei nem imaginei o que vai acontecer. Aquilo que faço hoje preenche-me e gostava de continuar a fazer isto no futuro. Disso não tenho qualquer dúvida.

Mais Notícias

Outros Conteúdos GMG