Créditos fiscais antigos dos bancos: Estado arrisca perder 9 mil milhões
A proposta de lei aprovada pelo governo que autoriza os bancos a abaterem as perdas no IRC deixa de fora o maior bolo de créditos fiscais da banca que podem lesar o Estado nos próximos anos.
O rombo para o Estado pode ser de milhares de milhões de euros mas o tema é sensível - mexe com as contas e com os rácios de capital dos bancos.
Para já a proposta de lei aprovada em reunião de Conselho de Ministros, na passada quinta-feira, permite aos bancos deduzirem no IRC as perdas que registarem com créditos. O diploma pretende aproximar a forma como são tratadas as perdas em termos contabilísticos e fiscais. Impede assim que bancos continuem a gerar ativos por impostos diferidos. Mas não toca nos direitos adquiridos pelos bancos no passado, no período anterior a 2016, quando acabou o regime criado pelo governo de Pedro Passos Coelho relativamente aos créditos fiscais.
O novo regime cria um período de transição de cinco anos para a banca se adaptar às novas regras. E prevê "ainda regras disciplinadoras para as perdas por imparidade registadas nos períodos de tributação com início anterior a 1 de janeiro de 2019, e ainda não aceites fiscalmente".
Mas o novo regime, se passar no Parlamento, não abrange os direitos adquiridos pelos bancos antes de 2016, que constituem, segundo o Bloco de Esquerda, "o maior bolo de créditos fiscais, que poderão ser usados pelos bancos". Os bloquistas estão preocupados com a situação devido ao impacto que pode ter de perdas de receita fiscal para o Estado e exposição à banca. "Estamos preocupados e a analisar o tema", disse Mariana Mortágua, deputada do Bloco.
O Ministério das Finanças afirmou ao DN/Dinheiro Vivo que os créditos fiscais acumulados no período anterior a 2016 não são abrangidos pelo novo regime. E sublinhou que a proposta de lei aprovada em CM "será enviada para a Assembleia da República e que poderá, por conseguinte, ouvir as entidades que entender e introduzir as alterações que considerar relevantes". "Portanto, esta não é necessariamente a versão final, é a proposta do governo", lembrou um porta-voz das Finanças.
"Trata-se de uma proposta de lei que visa colmatar o vazio legal que existe relativamente ao tratamento fiscal das perdas por imparidade no setor bancário em resultado da revogação do Aviso do Banco de Portugal n.º 3/95, o que levou a que nos últimos três anos se preenchesse esse vazio através da aprovação anual de decretos regulamentares", disse.
Adiantou que, "em termos gerais, pretende-se eliminar para o futuro as divergências existentes entre a contabilidade e fiscalidade em matéria de reconhecimento de perdas por imparidade, permitindo uma redução significativa da criação de novos ativos por impostos diferidos ou deferred tax assets (DTA)".
Ao todo, o valor de ativos por impostos diferidos registados nas contas dos principais bancos é próximo de nove mil milhões de euros. Um valor que poderá ser usado parcialmente para abater à fatura fiscal.
Além de ajudarem a melhorar os resultados dos bancos, os ativos por impostos diferidos dão também uma ajuda aos rácios de capital.
O regime dos ativos por impostos diferidos não é exclusivo dos bancos. Existe para todas as empresas. Quando há o registo de perdas por imparidade elas não se traduzem na contabilidade fiscal. No caso dos bancos, foram acumulando esses ativos por impostos diferidos. O governo liderado por Pedro Passos Coelho criou um regime especial dos ativos para impostos diferidos e que esteve em vigor até ao fim de 2016. Depois desse período, há ativos por impostos diferidos que não estão sujeitos a esse regime especial.
Para o Estado, além do impacto negativo do crédito fiscal na receita, pode haver uma outra consequência. Se o banco tiver resultados negativos, parte dos ativos por impostos diferidos são pagos pelo Estado, recebendo este em contrapartida direitos de conversão em capital social do banco - direitos no valor do crédito tributário acrescido de 10%. Se os acionistas do banco não pretenderem que o Estado entre no capital têm o direito potestativo de o fazer, por via da aquisição ao Estado dos direitos de conversão que lhe foram atribuídos.
Da parte da banca, para já não há comentários sobre o diploma proposto. Uma porta-voz da Associação Portuguesa de Bancos indicou que a representante do setor só vai pronunciar-se sobre o novo regime depois de conhecer o diploma, cujos detalhes não foram ainda divulgados.