Estava o Pai Natal muito ocupado no gabinete de trabalho do palácio do Pólo Norte, quando bateram à porta. Entrou o duende mais graduado com a notícia de um visitante ilustre: estava na recepção São Nicolau.."São Nicolau? O Santa Claus? Mas esse sou eu!"."Bem, ele diz que é o São Nicolau, bispo de Mira, na Turquia do século IV", respondeu o duende.."Sim, eu sei. Sou eu. O Santa Claus ou o Saint Nick. Deixa estar que eu o recebo.".O Pai Natal saiu do gabinete e foi à recepção saudar efusivamente São Nicolau, que, de facto, o esperava. Depois de trocarem palavras de circunstância, o anfitrião fez questão de levar o hóspede eminente numa visita guiada às instalações. Mostrou todo o frenético trabalho dos duendes na produção e acondicionamento dos presentes, seguindo-se a inspecção da enorme secção postal, onde eram tratadas milhões de cartas de todo o mundo. Terminou o passeio no curral do palácio, onde São Nicolau fez questão de dar umas palmadinha no Rudolph, a rena do nariz vermelho..Terminada a excursão, foram para o gabinete do Pai Natal, onde este disse: "Imagino que vocês, as pessoas religiosas..."."Desculpe interromper", disse São Nicolau, "mas eu não sou uma pessoa religiosa. Sou um santo. É muito diferente."."Muito diferente?!", retorquiu espantado o Pai Natal. "Eu julgava que era a mesma coisa."."Não, não. É muito diferente. Basta ver que o meu Senhor, o nosso Senhor Jesus, só ficava mesmo zangado com as pessoas religiosas. No tempo dele chamavam-se fariseus e saduceus, e Ele teve enormes discussões com eles. Aliás, foram esses que O mataram. Um santo é muito diferente de uma pessoa religiosa. Pode até dizer-se ser o oposto. Mas desculpe, interrompi-o. Estava dizer..."."Dizia que vocês, as pessoas... os santos devem desprezar-me muito por ser quem sou."."Engana-se, mais uma vez. Desculpe, mas é verdade: os santos não desprezam ninguém. Amam todos. E no meu caso, com dupla razão, pois o Senhor Jesus disse para amarmos o próximo como a nós mesmos e, como sabe, o senhor é eu mesmo. Por isso gosto muito de si. Mas porque diz que o desprezamos?"."Porque sou o Pai Natal. O Pai Natal dos presentes, publicidade, Coca-Cola, comércio. Isso é o contrário da religião. Acusam-me de mercantilizar o Natal, centrar tudo nas compras, nas festas, no dinheiro. Aliás, até me acusam de substituir o Presépio e fazer desaparecer, com as minhas renas e chaminés, o Menino Jesus, Nossa Senhora e São José, burro, vaca, anjos, pastores e reis magos. Ora os santos, que gostam muito do Presépio, não gostam nada de mercados e dinheiros."."Mais uma vez, sem querer ser desagradável, tenho de lhe dizer que não tem razão. Sabe que o Senhor trabalhou numa empresa durante muitoe anos. Participava no mercado da carpintaria, comprava e vendia, contratava e investia e deve ter feito publicidade. As pessoas religiosas são contra o comércio e o dinheiro, mas não os santos, que tratam isso como criaturas de Deus e actos humanos, para o nosso bem."."Precisamente", respondeu ansiosamente o Pai Natal. "O que eu gostava de dizer a essas pessoas religiosas que me atacam é que eu só faço o bem. Dar presentes é uma coisa excelente, traz alegria a todos, e ainda promove a actividade económica, que dá salários aos trabalhadores. Graças a mim, o Natal é a época mais próspera do ano. Além disso toda a gente sabe que eu só dou presentes aos meninos que se portam bem, pelo que ainda promovo o bom comportamento. O que eu queria dizer a essas pessoas religiosas que condenam o Pai Natal, é que deviam ver o brilho nos olhos das crianças, e até de muitos adultos, quando recebem os presentes de Natal. Isso é verdadeira felicidade."."Concordo com quase tudo o que afirmou", disse pensativamente São Nicolau. "Desta vez estamos quase plenamente de acordo. De facto dar presentes, promover trabalho e gerar alegria são coisas excelentes. A única discordância que tenho é com a sua última frase. A alegria de receber presentes parece ser a verdadeira felicidade, mas não é. Em breve a criança vai esquecer mesmo o melhor dos brinquedos. O desinteresse pelos presentes do Natal passado é disso prova suficiente. Parece ser, mas não é. Porque a verdadeira felicidade vem, não da oferta, mas do amor. Muitas vezes a prenda manifesta amor, um grande amor. Mas tantas outras ela omite o amor, substitui o amor, ou até gera invejas, cobiças, zangas, destruindo o amor.".O Pai Natal ficou calado, e São Nicolau continuou: "O seu problema não é ser comercial ou produtivo. O seu mal é ser ficção, mentira, falsidade, vazio, como a alegria de um presente sem amor. O Pai Natal não existe; qualquer criança crescida sabe isso. Tal como o fascínio por montras, armazéns, embrulhos, decorações, festas e doces é fictício se não tiver amor, aquele amor de Deus de que o Presépio está cheio.".Nesse momento, todo o palácio imaginário do Pai Natal desapareceu do Pólo Norte, com todos os duendes, brinquedos e renas. São Nicolau viu-se na sacristia da sua catedral de Mira. Sorriu, e acabou de se paramentar para a missa do galo..Professor universitário. Escreve de acordo com a antiga ortografia
Estava o Pai Natal muito ocupado no gabinete de trabalho do palácio do Pólo Norte, quando bateram à porta. Entrou o duende mais graduado com a notícia de um visitante ilustre: estava na recepção São Nicolau.."São Nicolau? O Santa Claus? Mas esse sou eu!"."Bem, ele diz que é o São Nicolau, bispo de Mira, na Turquia do século IV", respondeu o duende.."Sim, eu sei. Sou eu. O Santa Claus ou o Saint Nick. Deixa estar que eu o recebo.".O Pai Natal saiu do gabinete e foi à recepção saudar efusivamente São Nicolau, que, de facto, o esperava. Depois de trocarem palavras de circunstância, o anfitrião fez questão de levar o hóspede eminente numa visita guiada às instalações. Mostrou todo o frenético trabalho dos duendes na produção e acondicionamento dos presentes, seguindo-se a inspecção da enorme secção postal, onde eram tratadas milhões de cartas de todo o mundo. Terminou o passeio no curral do palácio, onde São Nicolau fez questão de dar umas palmadinha no Rudolph, a rena do nariz vermelho..Terminada a excursão, foram para o gabinete do Pai Natal, onde este disse: "Imagino que vocês, as pessoas religiosas..."."Desculpe interromper", disse São Nicolau, "mas eu não sou uma pessoa religiosa. Sou um santo. É muito diferente."."Muito diferente?!", retorquiu espantado o Pai Natal. "Eu julgava que era a mesma coisa."."Não, não. É muito diferente. Basta ver que o meu Senhor, o nosso Senhor Jesus, só ficava mesmo zangado com as pessoas religiosas. No tempo dele chamavam-se fariseus e saduceus, e Ele teve enormes discussões com eles. Aliás, foram esses que O mataram. Um santo é muito diferente de uma pessoa religiosa. Pode até dizer-se ser o oposto. Mas desculpe, interrompi-o. Estava dizer..."."Dizia que vocês, as pessoas... os santos devem desprezar-me muito por ser quem sou."."Engana-se, mais uma vez. Desculpe, mas é verdade: os santos não desprezam ninguém. Amam todos. E no meu caso, com dupla razão, pois o Senhor Jesus disse para amarmos o próximo como a nós mesmos e, como sabe, o senhor é eu mesmo. Por isso gosto muito de si. Mas porque diz que o desprezamos?"."Porque sou o Pai Natal. O Pai Natal dos presentes, publicidade, Coca-Cola, comércio. Isso é o contrário da religião. Acusam-me de mercantilizar o Natal, centrar tudo nas compras, nas festas, no dinheiro. Aliás, até me acusam de substituir o Presépio e fazer desaparecer, com as minhas renas e chaminés, o Menino Jesus, Nossa Senhora e São José, burro, vaca, anjos, pastores e reis magos. Ora os santos, que gostam muito do Presépio, não gostam nada de mercados e dinheiros."."Mais uma vez, sem querer ser desagradável, tenho de lhe dizer que não tem razão. Sabe que o Senhor trabalhou numa empresa durante muitoe anos. Participava no mercado da carpintaria, comprava e vendia, contratava e investia e deve ter feito publicidade. As pessoas religiosas são contra o comércio e o dinheiro, mas não os santos, que tratam isso como criaturas de Deus e actos humanos, para o nosso bem."."Precisamente", respondeu ansiosamente o Pai Natal. "O que eu gostava de dizer a essas pessoas religiosas que me atacam é que eu só faço o bem. Dar presentes é uma coisa excelente, traz alegria a todos, e ainda promove a actividade económica, que dá salários aos trabalhadores. Graças a mim, o Natal é a época mais próspera do ano. Além disso toda a gente sabe que eu só dou presentes aos meninos que se portam bem, pelo que ainda promovo o bom comportamento. O que eu queria dizer a essas pessoas religiosas que condenam o Pai Natal, é que deviam ver o brilho nos olhos das crianças, e até de muitos adultos, quando recebem os presentes de Natal. Isso é verdadeira felicidade."."Concordo com quase tudo o que afirmou", disse pensativamente São Nicolau. "Desta vez estamos quase plenamente de acordo. De facto dar presentes, promover trabalho e gerar alegria são coisas excelentes. A única discordância que tenho é com a sua última frase. A alegria de receber presentes parece ser a verdadeira felicidade, mas não é. Em breve a criança vai esquecer mesmo o melhor dos brinquedos. O desinteresse pelos presentes do Natal passado é disso prova suficiente. Parece ser, mas não é. Porque a verdadeira felicidade vem, não da oferta, mas do amor. Muitas vezes a prenda manifesta amor, um grande amor. Mas tantas outras ela omite o amor, substitui o amor, ou até gera invejas, cobiças, zangas, destruindo o amor.".O Pai Natal ficou calado, e São Nicolau continuou: "O seu problema não é ser comercial ou produtivo. O seu mal é ser ficção, mentira, falsidade, vazio, como a alegria de um presente sem amor. O Pai Natal não existe; qualquer criança crescida sabe isso. Tal como o fascínio por montras, armazéns, embrulhos, decorações, festas e doces é fictício se não tiver amor, aquele amor de Deus de que o Presépio está cheio.".Nesse momento, todo o palácio imaginário do Pai Natal desapareceu do Pólo Norte, com todos os duendes, brinquedos e renas. São Nicolau viu-se na sacristia da sua catedral de Mira. Sorriu, e acabou de se paramentar para a missa do galo..Professor universitário. Escreve de acordo com a antiga ortografia