Nos 50 anos do Maio de 68 ocorre-me que tão pouco tempo passou para aqui chegarmos. Aqui, a este lugar onde é proibido (não) proibir. O Brasil vive um momento-chave e de todas as partes há quem ache que não temos nada que ver com isso. Em bom rigor, no sentido estrito, até nem é connosco, mas não é preciso pensar muito para perceber que é. A discussão não anda longe da que foi feita recentemente em relação à Hungria, nem do mal que faz a toda a gente haver no mundo um governo como o de Duterte, nas Filipinas, ou do estremecer que foi a eleição de Trump nos Estados Unidos. Mas, feitas as contas, isso quer dizer o quê? Que é a vida? Que temos de acostumar-nos? Que nesta casa comum não temos nada que ver com nada? Recuso a ingerência, mas recuso igualmente a apatia fria e calculista de quem acha que no silêncio é que está o ganho..O que se passa no Brasil é um retrocesso gigante e não apenas para quem vive no Brasil. Dizia Agustina Bessa-Luís que pode fazer-se uma revolução sem revolucionários, o que não pode fazer-se é uma revolução sem argumentos. Penso nesta frase e repasso-a para extrapolar que também um retrocesso não se pode fazer sem argumentos. Mas parece que isto é pedir muito. Entre a democracia e a sua antítese, entre o humanismo e a selva, entre a convivência pacífica e a guerra permanente, entre a igualdade e a subtração, entre a liberdade e a opressão, naturalizam-se os negativos. Bolsonaro não pode ser naturalizado pela simples razão de que ninguém sobrevive na sua equação dos a excluir. Duterte quer matar todos os toxicodependentes, Bolsonaro quer fazer a castração química de todas as pessoas que não sejam heterossexuais. Admiradores de ditadores e de torturadores são elevados à condição de democratas porque supostamente dizem umas "verdades", que mais não são do que gigantes mentiras convertidas em massa acrítica..Tudo isto tem de fazer-nos pensar muito bem sobre os vários falhanços não corrigidos ou, muitas vezes, sequer avaliados. Falhanços das forças políticas democráticas, falhanços na promoção da igualdade, falhanços na defesa da liberdade..Comovo-me com a gente valente que, no Brasil, não desiste da inevitabilidade que querem fazer valer os mercados, uma parte dos media, as elites corruptas. Comovo-me com as mulheres, os negros, os homossexuais e as lésbicas, a gente pobre que levanta a cabeça sabendo que Bolsonaro lhes quer pôr a cabeça a prémio. Não acredito que todas as pessoas que apoiem Bolsonaro sejam racistas, xenófobas, homofóbicas ou sexistas e é também por isso que me comovo mais ainda com todas as pessoas que não escolhem o silêncio..As eleições no Brasil não são um campeonato entre o PT de Lula e Bolsonaro. São um jogo, sim, ou melhor, foram convertidas num jogo, mas é um jogo sobre a democracia, sobre o Estado de direito, sobre a nossa capacidade de vivermos juntos em comunidade com as nossas diferenças. O Brasil é aqui..Voltando a Agustina, "mudar o mundo é mudar os ponteiros onde se marca o bem e o mal. Não quer dizer pô-los ao contrário, mas dar-lhes andamento certo". Este Brasil está para além de quem legitimamente pode escolher o futuro através do seu voto. Somos todos e todas nós que podemos mudar os ponteiros. Somos todos e todas nós a ver-nos ao espelho..Eurodeputada do BE
Nos 50 anos do Maio de 68 ocorre-me que tão pouco tempo passou para aqui chegarmos. Aqui, a este lugar onde é proibido (não) proibir. O Brasil vive um momento-chave e de todas as partes há quem ache que não temos nada que ver com isso. Em bom rigor, no sentido estrito, até nem é connosco, mas não é preciso pensar muito para perceber que é. A discussão não anda longe da que foi feita recentemente em relação à Hungria, nem do mal que faz a toda a gente haver no mundo um governo como o de Duterte, nas Filipinas, ou do estremecer que foi a eleição de Trump nos Estados Unidos. Mas, feitas as contas, isso quer dizer o quê? Que é a vida? Que temos de acostumar-nos? Que nesta casa comum não temos nada que ver com nada? Recuso a ingerência, mas recuso igualmente a apatia fria e calculista de quem acha que no silêncio é que está o ganho..O que se passa no Brasil é um retrocesso gigante e não apenas para quem vive no Brasil. Dizia Agustina Bessa-Luís que pode fazer-se uma revolução sem revolucionários, o que não pode fazer-se é uma revolução sem argumentos. Penso nesta frase e repasso-a para extrapolar que também um retrocesso não se pode fazer sem argumentos. Mas parece que isto é pedir muito. Entre a democracia e a sua antítese, entre o humanismo e a selva, entre a convivência pacífica e a guerra permanente, entre a igualdade e a subtração, entre a liberdade e a opressão, naturalizam-se os negativos. Bolsonaro não pode ser naturalizado pela simples razão de que ninguém sobrevive na sua equação dos a excluir. Duterte quer matar todos os toxicodependentes, Bolsonaro quer fazer a castração química de todas as pessoas que não sejam heterossexuais. Admiradores de ditadores e de torturadores são elevados à condição de democratas porque supostamente dizem umas "verdades", que mais não são do que gigantes mentiras convertidas em massa acrítica..Tudo isto tem de fazer-nos pensar muito bem sobre os vários falhanços não corrigidos ou, muitas vezes, sequer avaliados. Falhanços das forças políticas democráticas, falhanços na promoção da igualdade, falhanços na defesa da liberdade..Comovo-me com a gente valente que, no Brasil, não desiste da inevitabilidade que querem fazer valer os mercados, uma parte dos media, as elites corruptas. Comovo-me com as mulheres, os negros, os homossexuais e as lésbicas, a gente pobre que levanta a cabeça sabendo que Bolsonaro lhes quer pôr a cabeça a prémio. Não acredito que todas as pessoas que apoiem Bolsonaro sejam racistas, xenófobas, homofóbicas ou sexistas e é também por isso que me comovo mais ainda com todas as pessoas que não escolhem o silêncio..As eleições no Brasil não são um campeonato entre o PT de Lula e Bolsonaro. São um jogo, sim, ou melhor, foram convertidas num jogo, mas é um jogo sobre a democracia, sobre o Estado de direito, sobre a nossa capacidade de vivermos juntos em comunidade com as nossas diferenças. O Brasil é aqui..Voltando a Agustina, "mudar o mundo é mudar os ponteiros onde se marca o bem e o mal. Não quer dizer pô-los ao contrário, mas dar-lhes andamento certo". Este Brasil está para além de quem legitimamente pode escolher o futuro através do seu voto. Somos todos e todas nós que podemos mudar os ponteiros. Somos todos e todas nós a ver-nos ao espelho..Eurodeputada do BE