Mostrar as verdadeiras cores da Europa

Romano Prodi, ex-presidente da Comissão Europeia e duas vezes primeiro-ministro italiano, e Stefano Micossi, ex-diretor geral da Comissão Europeia, escrevem um artigo sobre a situação na União Europeia.

Onde é que na Europa há mais probabilidade de se ver a bandeira da União Europeia a esvoaçar orgulhosamente em casas e prédios particulares? A resposta é óbvia, ainda que estranha: no Reino Unido, exibida por cidadãos que temem a ideia do Brexit. É realmente necessário perder algo que amamos - e de que precisamos - antes de realmente começarmos a apreciá-lo?

Acreditamos que, como sinal da nossa identidade europeia comum, os cidadãos da UE deveriam, a partir do dia 21 de março, exibir com orgulho a bandeira da União Europeia. Face ao desafio colocado pelos nacionalistas e populistas antes das eleições para o Parlamento Europeu em maio, defender os valores fundamentais da Europa nunca foi tão importante. Ostentar a bandeira da UE nas nossas casas e escritórios pode enviar um sinal inegável de que a União não será esvaziada pelos seus inimigos, por dentro ou por fora.

Numa era de crescente incerteza, frustração e ofuscação do nosso destino comum, demasiados europeus parecem alheios à longa história de deslocação e guerra que precedeu a criação da UE e o período sem precedentes de paz e prosperidade que conseguimos desde a década de 1950. Durante 70 anos, as instituições partilhadas da Europa sustentaram o mercado comum, o euro e a vigorosa expansão dos direitos individuais sob a proteção do Tribunal de Justiça Europeu.

Além disso, o modelo do Estado providência europeu é um farol da civilização e um exemplo para o mundo inteiro. A incorporação da Carta dos Direitos Fundamentais no Tratado de Lisboa honrou a construção de uma área integrada de 500 milhões de pessoas baseada na democracia, no Estado de direito e na mais alta afirmação da dignidade humana. Quando viajamos com o nosso passaporte comum da UE, somos reconhecidos e respeitados em todo o mundo como cidadãos de um dos atores principais na ordem mundial.

Estas conquistas estão ameaçadas não só pelos opositores internos da União, mas também pelo desprezo demonstrado pela UE - na verdade, por todas as instituições multilaterais - por parte da administração do presidente dos EUA, Donald Trump. As instituições que por muito tempo sustentaram a paz, a segurança e o crescimento do comércio mundial são, para Trump, inimigos a ser destruídos, o que é particularmente perigoso, dado o confronto entre os Estados Unidos e a China. Hoje, a disputa sino-americana está a desestabilizar o comércio mundial; amanhã, poderá ser a paz mundial.

Há poucas dúvidas de que nós, na Europa, não conseguiremos preservar o que conquistámos nas últimas sete décadas se cada Estado membro da UE atacar por conta própria. Afinal de contas, até mesmo o maior membro da UE, a Alemanha, é quase insignificante em comparação com os EUA e a China. Sozinho nenhum de nós pode gerir os enormes desafios colocados pela tecnologia, pelo protecionismo, pelas alterações climáticas ou pelo terrorismo internacional.

Mas, em vez de reconhecerem que a força da Europa é a sua união, as forças nacionalistas e xenófobas ganharam apoio em todo o continente prometendo fechar as nossas fronteiras, desmantelar a livre circulação e reafirmar o nosso controlo nacional sobre todas as políticas públicas. O aumento dramático dos fluxos migratórios, devido em grande parte à guerra civil na Síria e à quase anarquia que prevalece na Líbia, criou um terreno fértil para os xenófobos espalharem a sua mensagem de ódio. Explorando a insegurança sentida pelos trabalhadores pouco qualificados e pelos desempregados, culpam os imigrantes por todos os males da Europa. No entanto, dada a demografia da Europa, são necessários crescentes fluxos de migrantes qualificados para preservar o dinamismo das nossas economias e a sustentabilidade dos nossos sistemas de saúde e de pensões.

Sim, as instituições e políticas da Europa precisam de mudanças profundas para restabelecerem a ligação com os cidadãos desencantados. Temos de mostrar novamente uma capacidade de promover o crescimento e o investimento, de enfrentar os desafios das tecnologias em rápida mudança e das alterações climáticas, e de revitalizar o nosso modelo social débil. Devemos mostrar que as nossas instituições comuns são capazes e estão dispostas a ouvir as reivindicações de um público amedrontado, e que podemos agir juntos para protegermos as nossas fronteiras e trazermos uma maior segurança aos nossos vizinhos instáveis do leste e do sul.

Mas há também uma necessidade urgente de mobilizar a opinião pública europeia em torno de um símbolo da nossa união e dos nossos projetos futuros: e esse símbolo é a bandeira europeia. Por isso, em janeiro, um de nós lançou a ideia de que, a partir de 21 de março, exibiremos a bandeira em casas, fábricas e escritórios. O dia 21 de março é o primeiro dia da primavera e gostaríamos de acreditar que as próximas eleições europeias anunciarão uma nova primavera para o projeto europeu. O dia 21 de março também é o aniversário da morte de São Bento, padroeiro da Europa. Numa das horas mais sombrias do desaparecimento do Império Romano, São Bento fez um apelo inspirador à tolerância e piedade para reconstruir o senso de comunidade perante o niilismo e a barbárie.

A partir de 21 de março, vamos mostrar a nossa bandeira ao mundo, como sendo o símbolo da nossa união e dos nossos sonhos, e como um sinal de um novo começo nos nossos esforços para preservar e aprofundar a unidade europeia. Ou iremos reconhecer o que temos apenas quando for demasiado tarde?

Copyright: Project Syndicate, 2019.

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