A força da democracia depende da separação entre negócios e política. A razão é que há decisões políticas que afectam os negócios e não podem por isso ser por eles afectados. Os negócios têm de ter uma palavra a dizer, como qualquer instituição, mas o que têm a dizer deve ser dito num enquadramento institucional apropriado. O que se passa em Portugal? Está alguma coisa a mudar?.Sabemos que em Portugal existe, tradicionalmente, uma forte ligação entre governos e negócios, sobretudo desde a normalização da vida política que se seguiu à consolidação da democracia, com Mário Soares na presidência e Cavaco Silva no governo. Este último, o político que mais tempo esteve em actividade durante a democracia, não veio dos negócios, mas estabeleceu uma importante e visível rede de ligações. Soares também tinha as suas ligações, embora menos importantes. Essas ligações perduraram ao longo dos vários governos que se seguiram, embora com maior incidência nuns do que noutros..A ligação entre negócios e política é de algum modo protegida por uma ideia com fortes raízes em muitos meios, incluindo imprensa, políticos e um grande número de cidadãos. A ideia é que os governantes têm de ter "experiência" da "vida real", que os "jotas" (isto é, aqueles que despertaram cedo para a política) são "meros" carreiristas, e que a "política" não deve ser uma "profissão". Esta ideia é algo que não faz sentido algum, mas isso está a ser descoberto com uma certa lentidão..Se a Europa ocidental, com democracias mais longas e mais consolidadas, com níveis de transparência dos negócios mais elevados, tem sobretudo políticos "profissionais", será que Portugal descobriu uma nova forma de estar na governação? E por que não voltar ao século XIX, quando os deputados não recebiam ordenados, vivendo das suas "posses"?.Fazer política requer tempo, experiência (política) e determinação (política) e, por isso, requer pessoas que queiram ser vereadores, deputados, chefes de Gabinete, secretários de Estado, novamente deputados, ministros, e por aí fora. Assim acontece na Suécia, na Alemanha, em França e na Grã-Bretanha. Também há por esses países problemas de ligações com os negócios, mas são colocados a um outro nível..A experiência num banco serve para se ser melhor secretário de Estado do Tesouro? E quando esse secretário tiver de tomar decisões sobre impostos bancários, o que vai decidir? Ser um advogado de sucesso é bom para se ser adjunto ou chefe de Gabinete ou ministro? E quando o ministro tem de decidir sobre clientes do escritório de origem do político em causa? Já se percebeu, claro. O que não se percebe é como é que a "tese" da "experiência" ainda sobrevive nas mentes de tanta gente que vota, escreve ou simplesmente pensa de forma silenciosa..E há mudanças? Alguma coisa está a mudar, mas pouco. O presente Governo é talvez um dos que menos membros "experientes" dos negócios tem, retomando aquilo que aconteceu logo a seguir ao 25 de Abril. Tem problemas, claro, e precisamos de estar atentos a eles, mas é uma realidade que deve continuar..Recentemente, um então vice-presidente do CDS foi contratado para a administração de uma grande empresa e, passados uns dias, algo largos, demitiu-se do respectivo cargo político. Isso foi também uma mudança, mas também ela ainda curta. Até porque criou uma situação paradoxal, cuja solução não está à vista, pois o motivo do convite não se desfez com a referida demissão..A imprensa - e o respectivo público - gastou semanas a fio com um outro caso de mistura de negócios e política que envolveu um vereador de Lisboa do Bloco de Esquerda. Com o caso do vice-presidente do CDS muito pouco se disse ou escreveu. Houve protestos por parte de alguns comentadores, alguns até vindos da área política do visado, mas a repercussão mediática foi relativamente pequena. Tal mostra também como o público ainda liga pouco a essas coisas, e aparenta gostar das pessoas que têm "sucesso" tanto na política como nos negócios..Talvez seja de começar a pensar seriamente no exercício de se considerar que ter políticos profissionais é positivo, como acontece por essas democracias mais avançadas Europa fora. E, ao mesmo tempo, pensar em valorizar o papel social dos políticos e o trabalho que levam a cabo. Caso esta mudança de perspectiva vingue, pode então passar-se à fase seguinte, que é a de garantir que os políticos profissionais são políticos e profissionais - e não meros amadores (de negócios)..Professor universitário e investigador. Escreve de acordo com a antiga ortografia.
A força da democracia depende da separação entre negócios e política. A razão é que há decisões políticas que afectam os negócios e não podem por isso ser por eles afectados. Os negócios têm de ter uma palavra a dizer, como qualquer instituição, mas o que têm a dizer deve ser dito num enquadramento institucional apropriado. O que se passa em Portugal? Está alguma coisa a mudar?.Sabemos que em Portugal existe, tradicionalmente, uma forte ligação entre governos e negócios, sobretudo desde a normalização da vida política que se seguiu à consolidação da democracia, com Mário Soares na presidência e Cavaco Silva no governo. Este último, o político que mais tempo esteve em actividade durante a democracia, não veio dos negócios, mas estabeleceu uma importante e visível rede de ligações. Soares também tinha as suas ligações, embora menos importantes. Essas ligações perduraram ao longo dos vários governos que se seguiram, embora com maior incidência nuns do que noutros..A ligação entre negócios e política é de algum modo protegida por uma ideia com fortes raízes em muitos meios, incluindo imprensa, políticos e um grande número de cidadãos. A ideia é que os governantes têm de ter "experiência" da "vida real", que os "jotas" (isto é, aqueles que despertaram cedo para a política) são "meros" carreiristas, e que a "política" não deve ser uma "profissão". Esta ideia é algo que não faz sentido algum, mas isso está a ser descoberto com uma certa lentidão..Se a Europa ocidental, com democracias mais longas e mais consolidadas, com níveis de transparência dos negócios mais elevados, tem sobretudo políticos "profissionais", será que Portugal descobriu uma nova forma de estar na governação? E por que não voltar ao século XIX, quando os deputados não recebiam ordenados, vivendo das suas "posses"?.Fazer política requer tempo, experiência (política) e determinação (política) e, por isso, requer pessoas que queiram ser vereadores, deputados, chefes de Gabinete, secretários de Estado, novamente deputados, ministros, e por aí fora. Assim acontece na Suécia, na Alemanha, em França e na Grã-Bretanha. Também há por esses países problemas de ligações com os negócios, mas são colocados a um outro nível..A experiência num banco serve para se ser melhor secretário de Estado do Tesouro? E quando esse secretário tiver de tomar decisões sobre impostos bancários, o que vai decidir? Ser um advogado de sucesso é bom para se ser adjunto ou chefe de Gabinete ou ministro? E quando o ministro tem de decidir sobre clientes do escritório de origem do político em causa? Já se percebeu, claro. O que não se percebe é como é que a "tese" da "experiência" ainda sobrevive nas mentes de tanta gente que vota, escreve ou simplesmente pensa de forma silenciosa..E há mudanças? Alguma coisa está a mudar, mas pouco. O presente Governo é talvez um dos que menos membros "experientes" dos negócios tem, retomando aquilo que aconteceu logo a seguir ao 25 de Abril. Tem problemas, claro, e precisamos de estar atentos a eles, mas é uma realidade que deve continuar..Recentemente, um então vice-presidente do CDS foi contratado para a administração de uma grande empresa e, passados uns dias, algo largos, demitiu-se do respectivo cargo político. Isso foi também uma mudança, mas também ela ainda curta. Até porque criou uma situação paradoxal, cuja solução não está à vista, pois o motivo do convite não se desfez com a referida demissão..A imprensa - e o respectivo público - gastou semanas a fio com um outro caso de mistura de negócios e política que envolveu um vereador de Lisboa do Bloco de Esquerda. Com o caso do vice-presidente do CDS muito pouco se disse ou escreveu. Houve protestos por parte de alguns comentadores, alguns até vindos da área política do visado, mas a repercussão mediática foi relativamente pequena. Tal mostra também como o público ainda liga pouco a essas coisas, e aparenta gostar das pessoas que têm "sucesso" tanto na política como nos negócios..Talvez seja de começar a pensar seriamente no exercício de se considerar que ter políticos profissionais é positivo, como acontece por essas democracias mais avançadas Europa fora. E, ao mesmo tempo, pensar em valorizar o papel social dos políticos e o trabalho que levam a cabo. Caso esta mudança de perspectiva vingue, pode então passar-se à fase seguinte, que é a de garantir que os políticos profissionais são políticos e profissionais - e não meros amadores (de negócios)..Professor universitário e investigador. Escreve de acordo com a antiga ortografia.