Irão vai a votos com listas vetadas pelo regime e quase sem moderados

Em plena crise económica e após protestos pelo abate de avião ucraniano, 58 milhões de iranianos são chamados a eleger o Parlamento. Mas quase metade dos 15 mil candidatos foram vetados pelo Conselho dos Guardiões, nomeado pelo ayatollah Ali Khamenei, e espera-se uma elevada abstenção.

O presidente iraniano, Hassan Rouhani, apelou à participação dos eleitores nas legislativas desta sexta-feira e o líder supremo, o ayatollah Ali Khamenei, disse que votar é um "dever religioso". Mas num escrutínio onde a maior parte dos candidatos reformistas foram impedidos de participar e outros apelaram ao boicote, muitos dos 58 milhões que são chamados às urnas prometem ficar em casa, especialmente os jovens.

Estas eleições surgem menos de dois meses depois da morte, às mãos dos EUA, do poderoso general Qassem Soleimani (líder da unidade de elite Al-Quds, dentro dos Guardas da Revolução), tendo o regime usado a sua imagem para apelar ao voto. A relação com Washington está no seu ponto mais baixo, depois de os norte-americanos terem rasgado o acordo nuclear, contribuindo com as suas sanções para acentuar a grave crise económica que atinge o Irão e que é também fruto da corrupção e da má gestão.

Mas o escrutínio surge também depois das manifestações no mês passado desencadeadas pelo reconhecimento, por parte de Teerão, de que tinha sido responsável por abater com dois mísseis um avião civil ucraniano, causando a morte de 176 pessoas. A admissão só surgiu três dias depois do incidente, com as autoridades iranianas a negar primeiro e mais tarde a alegar que tinha sido um erro.

Os protestos fizeram lembrar os que, em novembro, tinham ocorrido depois do anúncio do aumento do preço da gasolina e que foram considerados os maiores em 40 anos de regime. Estes provocaram uma onda de repressão por parte das autoridades, resultando na morte de centenas de manifestantes (os EUA falaram na morte de 1500 pessoas, o regime recusou dar um número oficial).

Metade dos 15 mil candidatos travados

Os iranianos são chamados a eleger os 290 deputados do Parlamento (há uma segunda volta prevista para maio), mas cerca de metade dos mais de 15 mil candidatos foram travados pelo Conselho dos Guardiões. Este comité de 12 membros - seis clérigos nomeados pelo ayatollah Ali Khamenei e seis juristas designados indiretamente também por ele - tem de dar luz verde às candidaturas.

Apesar de em teoria as candidaturas estarem abertas a todos os iranianos com idades entre os 30 e os 75 anos que tenham feito o serviço militar (no caso dos homens), tenham um curso e mostrem o seu compromisso com o islão, na prática os reformistas (que nas últimas eleições se tornaram o maior partido no Parlamento, conquistando todos os 30 lugares em disputa em Teerão, por exemplo) acabam por ficar fora das opções. No total, 80 dos atuais deputados não são candidatos à reeleição, mas há casos em que é por escolha própria, como o atual presidente do Parlamento e ex-negociador do nuclear iraniano, Ali Larijani.

Mais de sete mil candidatos, a maioria do campo reformista (apontado como o mais liberal, apesar de defender as políticas "revolucionárias" da República Islâmica), foram vetados pelo Conselho dos Guardiões, nas eleições que alguns consideram as menos disputadas de sempre. Pelo contrário, foram aprovados a maioria dos candidatos conservadores (que dois dias antes das eleições chegaram a acordo para uma lista conjunta, liderada pelo ex-candidato presidencial e antigo presidente da câmara de Teerão, Mohammad Bagher Ghalibaf) e ultraconservadores (formada por um grupo de ex-ministros de Mahmoud Ahmadinejad, que quer ver Mahmoud Ahmadinejad como líder do Parlamento).

Sem muitos dos seus candidatos, os reformistas mais próximos de Rouhani ou do falecido ex-presidente Akbar Hashemi Rafsanjani que se apresentam divididos às urnas vão perder as eleições para os conservadores, que podem depois a partir do Parlamento manter o presidente numa trela curta no último ano no cargo (as presidenciais estão marcadas para 2021 e Rouhani, atualmente no segundo mandato, não pode ser candidato).

Participação é sinal de legitimidade

A participação nas eleições é vista como um sinal de legitimidade pública, nunca tendo ficado abaixo dos 50% - em 2016, no rescaldo da aprovação do acordo nuclear, foi de 62%. Mas multiplicam-se os apelos ao boicote, incluindo de ex-ministros ou ativistas. Uma sondagem feita no início de fevereiro pela estação de televisão estatal a 140 mil pessoas, através da aplicação de mensagens Telegram, revelou que 83% dos inquiridos iam boicotar o escrutínio. Noutra sondagem, 44,2% dos eleitores na província de Teerão disseram não querer votar.

"Não vou participar nas eleições, porque votar no Irão não vale de nada", disse uma jovem iraniana de 25 anos, citada pela estação de televisão árabe Al-Jazeera, "Desejei [depois das eleições de 2016] que o Parlamento fizesse algo pelo bem-estar dos meus compatriotas, especialmente no que diz respeito à economia e aos jovens. Mas nada mudou", acrescentou.

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