O que falta saber? Seis olhares sobre a herança e o futuro do 25 de Abril
"O Tempo Histórico e a História do 25 de Abril", que esteve hoje em debate numa organização conjunta DN/JN/TSF com a Câmara Municipal de Setúbal - debate moderado pelo jornalista Pedro Tadeu -, no Salão Nobre da autarquia, reuniu seis historiadores para a análise de uma democracia que já atingiu maior longevidade [fará 17 533 dias na segunda-feira] que a ditadura [17 500 dias]. O debate teve abertura feita por André Martins, presidente da Câmara de Setúbal, e Pedro Cruz, diretor da TSF, e transmissão em live streaming nos sites do DN, JN e TSF e na antena da TSF.
São inúmeras as questões que se colocam à medida que nos aproximamos dos 50 anos do 25 de Abril e nos afastamos, cada vez mais, das ideias iniciais de "uma sociedade sem classes", "da transição para o socialismo", "da apropriação coletiva dos principais meios de produção" e de outras linhas de natureza político-ideológica que marcaram o período da libertação da ditadura.
Ora, "é legitimo esperar que uma maior distanciação no tempo modifique a visão dos trabalhos históricos, de caráter geral, sobre a Revolução dos Cravos?"; "que período estamos a celebrar quando falamos do cinquentenário do 25 de Abril? "; "A violência mortal da direita do MDLP durante o PREC e/ou da esquerda das FP-25 nos anos de 1980 são exemplos do que impede, ainda hoje, um debate histórico sereno?"; "O Estado já "libertou", de documentação reservada ou confidencial, tudo o que deveria libertar?"; "Houve alguma política de preservação de registos históricos escritos, sonoros e visuais?".
Estes foram apenas alguns dos caminhos para um debate sobre o histórico e a História: "50 anos depois, que história vai ser escrita sobre a Revolução dos Cravos?".
Historiador e professor coordenador do ensino politécnico
Estava a meses de fazer 23 anos quando se deu o 25 de Abril. "E clandestino, tinha fugido por causa da guerra colonial, para não ir para a guerra. Andava por por cá, mas a planear ir para França". Nessa altura mantinha atividade política na LCI (Liga Comunista Internacionalista) fundada em 1973 , de cariz trotskista - que acabaria mais tarde por dar origem ao PSR.
Nascido em Portel, a 26 de setembro de 1951, vive em Setúbal desde 1976. Talvez, por isso, seja "como se fosse de Setúbal". Talvez, por isso, depois de muitos anos a escrever sobre o Estado Novo [Salazar e a Escola Técnica : a reforma tolerada num regime intolerante e F.P.A., a fábrica leccionada : aventuras dos tecnocatólicos no Ministério das Corporações são dois livros que destaca, entre muitos] tenha começado a escrever sobre a cidade do Sado.
Se o leitor, por exemplo, quiser saber dos Lugares de José Afonso na geografia de Setúbal basta seguir os 42 locais que o historiador identifica num roteiro, pela cidade e pelo concelho, de espaços e trajetos.
Albérico Afonso é licenciado em História, mestre em História dos Séculos XIX-XX e doutorado em História Cultural e das Mentalidades Contemporâneas. Atualmente é Professor Coordenador no Instituto Politécnico de Setúbal, investigador integrado no Instituto de História Contemporânea da FCSH-UNL e membro da Network for Studies on Corporatism and the Organized Interests (NETCOR).
Historiador, politólogo, professor no ICS da Universidade de Lisboa
Houve uma revolução". A frase interrompeu a reunião do Movimento Associativo dos Estudantes do Ensino Secundário de Lisboa, ligado à União dos Estudantes Comunistas (marxistas-leninistas), que decorria "na casa de um colega no Campo Grande" e onde "estava, por exemplo, o João Carlos Espada".
O então ativista estudantil com 20 anos, faria 21 em setembro, que tinha sido"recrutado" no [Liceu] Pedro Nunes, ainda se recorda, "naturalmente", do seu "controleiro" desse tempo - "o Nuno Crato" - e do que fez nas horas seguintes. "Vim para a rua e comprei o República, a primeira edição sem censura".
Nascido em Lisboa em 1953, foi em Florença, em 1992, no Instituto Universitário Europeu que se doutorou. Agregado pelo ISCTE, em 1999, é atualmente Investigador Coordenador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e Professor Convidado no ISCTE, Lisboa.
Foi Professor Convidado na Universidade de Stanford (1993) e Georgetown (2004), e Investigador Visitante na Universidade de Princeton (1996) e na Universidade da California- Berkeley (2000 e 2010). Foi também consultor científico do Museu da Presidência da República portuguesa.
É provavelmente o "politólogo" que o país mais conhece fruto de uma presença regular, ao longo dos anos, na imprensa, rádio e televisão.
Autoritarismo e fascismo, elites políticas, as mudanças de regime, o impacto da União Europeia na Europa do Sul são alguns dos temas principais abordados nas suas obras académicas.
Historiador, professor Emérito da Universidade Nova de Lisboa
Já tinha sido preso duas vezes. A primeira em janeiro de 1965, a segunda em agosto de 1971. Escapou da terceira porque entrou na "clandestinidade em janeiro de 1973", mas "andava por perto nos arredores de Lisboa". "Andei nas casas de apoio do MRPP por Carcavelos, Parede, por aí", conta. Nessa madrugada de Abril - tinha feito 28 anos uma semana antes -, "estava noutra casa, que o dono da anterior tinha sido preso". "Por volta das cinco da manhã, a Ilda, jovem telefonista da CP, veio acordar-me: "Fernando, vem ouvir o rádio!" Levantei-me e saí. Fui à procura do Arnaldo Matos [um dos fundadores do MRPP]. Acho que estive um mês sem dormir bem, tanta era a agitação".
O "ativismo contra a ditadura" e a ligação à política começou cedo. Em 1960 esteve na fundação da Comissão Pró-Associação dos Liceus; em 1961 aderiu ao PCP de onde sairia sete anos mais tarde; em 1970 está na fundação do MRPP; dirige o Luta Popular até 1977; de 1982 até 1992 coordena a página de História do Diário de Notícias - "bons tempos, esses"; é várias vezes candidato a deputado pelo PSR a partir de 1985; o doutoramento em História Contemporânea acontece em 1990; fundador do BE, em 1999, foi eleito deputado por três vezes e candidato a Presidente da República em 2001. Professor Catedrático é autor de uma dezena de obras, desde 1985, sobre o Estado Novo. Salazar e o Poder: A Arte de Saber Durar foi prémio P.E.N. Clube Português de Ensaio em 2012. Nasceu em Lisboa a 18 de abril de 1946.
Doutorada em História Institucional e Política do Século XX, Prémio Pessoa 2007
Irene Flunser Pimentel tinha 22 anos a 25 de Abril de 1974. Era ainda de "manhã, muito cedo" quando recebeu um telefonema a avisá-la que "estava a acontecer algo, não se percebia bem o que era, mas havia tropas na rua". Envolvida politicamente e sem saber o que aí vinha, foi aconselhada a ir para um sítio seguro: refugiou-se em casa dos pais e não pôs um pé na rua durante todo o dia. "Só fui para o Chiado no dia 26", lembra a historiadora: "Nem sei dizer bem o momento em que comecei a respirar".
A política acabaria por ficar para trás, poucos anos depois, em favor do percurso académico. Licenciada em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Irene Flunser Pimentel é mestre em História Contemporânea e doutorada em História Institucional e Política Contemporânea, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa. Investigadora do Instituto de História Contemporânea, é autora de uma longa bibliografia, entre a qual se conta a História das Organizações Femininas do Estado Novo ou A História da PIDE, dois dos seus temas de eleição. Com várias distinções pelo caminho, em 2007 recebeu o Prémio Pessoa - o júri considerou-a então "uma das figuras mais notáveis da atual historiografia portuguesa". Dois anos mais tarde, em 2009, foi distinguida com o Prémio Seeds of Science, na categoria de Ciências Sociais e Humanas.
Professor catedrático, doutor em Ciência Política
Quando as primeiras notícias da Revolução chegaram a Coimbra, José Adelino Maltez escrevia sobre... autópsias e questões conexas: "Estava a fazer o exame escrito de Medicina Legal na Faculdade de Direito". As primeiras informações eram confusas ("os meus colegas de esquerda - eu não era de esquerda - estavam aflitos porque aquilo seria uma revolução do 16 de março [o chamado Golpe das Caldas], dos spinolístas, com quem eu me dava") e só a "meio da tarde se percebeu o que aquilo era e para onde ia".
Adelino Maltez era então estudante, na mesma cidade onde nascera em 1951 (mas de onde partira para o Porto, onde cresceu). Licenciou-se precisamente em 1974, partindo mais tarde para Lisboa, onde trabalhou como adjunto em vários governos. Recorda em particular o trabalho com o social-democrata Magalhães Mota, logo a partir de 1976: "Vi como é que se fazia a democracia pluralista por dentro". Doutorado em Ciências Sociais, na especialidade de Ciência Política, pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP)da Universidade de Lisboa, Adelino Maltez é professor catedrático da mesma instituição. Além das muitas obras publicadas na sua área de estudo, editou também cinco livros de poesia. Pai de três filhos, avô de três netas, diz-se "contracorrente" e não gosta do termo politólogo: "Prefiro repúblico, a expressão clássica do século XVI para os que tratavam das coisas da Polis".
Diretor-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas
Silvestre Lacerda soube da Revolução dos Cravos por um telefonema, mas com direito a informação em primeira mão: o irmão era um dos operacionais que estava na ocupação das instalações da RTP e ligou para casa a contar o que se passava. Com 16 anos, Silvestre Lacerda ainda tentou ir ao liceu onde estudava, em Vila Nova de Gaia, mas nesse dia já não houve aulas. "Fomos todos a pé para o Porto, para a Praça da Liberdade, onde se estava a juntar um conjunto significativo de pessoas", recorda. Mas as vivências mais fortes, relembra o atual diretor-geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, vieram depois, com a "ocupação da sede da Legião Portuguesa em Coimbrões [Vila Nova de Gaia] e a montagem de um infantário para as crianças". Nascido a 19 de março de 1958, Silvestre Lacerda é licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, com um curso de especialização em Ciências Documentais na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Técnico superior no Arquivo Distrital do Porto, passou pelo Centro Português de Fotografia e, em 2005, assume as funções de diretor-geral do arquivo nacional da Torre do Tombo. De 2012 a 2015 foi subdiretor da Direção-Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas, assumindo depois a direção deste organismo. Entre vários trabalhos, da história à arquivística, é autor do livro O Hóquei em Patins em Portugal.
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