Os conflitos étnicos nos EUA
Talvez o primeiro documento que testemunha a presença dos conflitos étnicos nos EUA, que até este século sem bússola continuam a desafiar a reprovação crescente das populações de outros Estados, tenha sido o livro de Tocqueville De la Democratie en Amerique, 1835, onde deixou documentada a mensagem que os iroqueses enviaram ao Congresso dos EUA, cujo texto principal diz: "Os nossos pais e os vossos deram as mãos em sinal de amizade e viveram em paz. Tudo o que o homem branco pediu para satisfazer as suas necessidades foi-lhe dado prontamente pelo índio. O índio era então o senhor, e o homem branco o suplicante. Hoje, tudo mudou: a força do homem vermelho tornou-se fraqueza, à medida que os seus vizinhos cresciam em número, o seu poder diminuiu constantemente: e agora, de tantas tribos poderosas que cobriam a face do que vós chamais Estados Unidos, dificilmente restam algumas que o desastre geral tenha poupado. As tribos do norte, tão faladas outrora entre nós pelo seu poderio, quase já desapareceram, tal foi o destino do homem vermelho da América. Estamos aqui os últimos da nossa raça: é-nos também necessário desaparecer?"
A resposta esteve evidente na lenda americana do índio Jerónimo, nascido a 16 de junho de 1829 e morto a 17 de fevereiro de 1909. Depois de perder a esperança na paz com os brancos dominadores, morreu nesse combate de 17 de fevereiro comandando os apaches Chiricahua. Não é possível esquecer os princípios que se tornaram de interesse entre os ocidentais, que especialmente são devidos a Thomas Jefferson (1740-1826), presidente dos EUA (1801-1809), fundador da Universidade de Virgínia, mas também um mestre do constitucionalismo democrático, deixando um manual importante no ensino americano, e uma muito citada Notes on the State of Virginia, versando os princípios do ideal chamado Jeffersonian Democracy, lembrando para a Constituição de 1789 incluir um Bill of Rights.
Infelizmente, a guerra civil, que durou de 1861 a 1865, com milhares de mortos, chegou ao fim com Lincoln a abolir a escravatura, um triunfo humanista que talvez não foi uma conclusão aceitável para a linha de pensamento que manteve a cólera contra a abolição que levou ao seu assassínio no dia 14 de abril de 1875, mantendo nova forma de conflito no dia seguinte.
Acontece que a discriminação social impede frequentemente que a lei consiga logo, nas visões dos interesses, corresponder a que os próprios interessados na revogação legal de um sistema considerado injusto venham a enfrentar o que os mais atingidos consideram, vivos, não terem mantido o seu right to life, tão diferentemente defendido por Locke: é essa atitude, em face de leis identificáveis, que leva a que a luta pela autenticidade exija sacrifício, como o assassínio de Martin Luther King a 4 de abril de 1968, o menos humanista Malcolm X também fora assassinado a 21 de fevereiro de 1965, e até a entrada livre nos transportes e nas universidades foi um direito ignorado por fortes violações.
O recente assassínio selvagem pela polícia de George Floyd, de novo, implicou o clamor condenatório deste conflito com o "direito comum" exigível pelos direitos "internacional" e "nacional", tornado evidente que o mais lúcido missionário dos valores ignorados, ou até constantemente violados, foi o chefe índio Seattle (1854), na carta que enviou ao presidente dos EUA, Franklin Pierce. É longa, mas é notável e realista em mais de um parágrafo, incluindo estas palavras a distinguir: "Nós sabemos que o homem branco não entende o nosso modo de ser. Para ele, um pedaço de terra não se distingue de outro qualquer, pois é um estranho que vem de noite e rouba da terra tudo de que precisa... Talvez, apesar de tudo, sejamos todos irmãos. Nós o veremos. De uma coisa sabemos - e que talvez o homem branco venha a descobrir um dia: nosso Deus é o mesmo Deus... Esta terra é querida Dele e ofender a terra é insultar o seu Criador."
Recentemente, o presidente dos EUA, também desafiado pelo coronavírus, criou uma nova imagem exibindo, na mão direita erguida, um exemplar da Bíblia. Alguém terá de lembrar Trump de que o livro para ser lido tem de ser aberto, voltando a reforçar a solidariedade ocidental e atlântica a favor da eliminação do sofrimento dos humanos. A atitude presente não deve estar ausente das inquietações da presidente da Comissão Europeia nem do secretário-geral da ONU, que têm-se mostrado severos defensores não apenas das finanças, mas dos direitos humanos sem diferença de etnias ou culturas, certos de que nenhum Estado, nenhuma instituição, nenhum governante desinformado, tem capacidade para enfrentar um futuro desejado por todos os habitantes da terra única. A ONU tem este dever nos seus princípios. Este é um dever para estadistas.