O agricultor professor no Rio de Mel
A panorâmica do Santuário da Senhora dos Remédios é deslumbrante. Do outro lado, está Rio de Mel, uma aldeia pequena, com casas dispersas que vão sarapintando encosta verde acima. Foi aqui, na fronteira entre os concelhos de Oliveira do Hospital e Seia, às portas do Parque Natural da Serra da Estrela, que combinámos encontro com Igor Costa, 43 anos, professor do ensino secundário. Para chegarmos à casa onde vive, há que fazer o percurso acidentado que atravessa o monte, dividido em socalcos. Por aqui e ali se veem colmeias - aliás é graças a essa cultura em torno da abelha e do mel que a terra ganhou o nome. Avistamos a casa de pedra, outrora propriedade do avô da companheira, onde vivem há nove anos: "Começámos a vir para aqui depois dos incêndios de 2012".
Ainda estavam a viver em Aveiro e nessa altura foi preciso dar uma mão na terra para ajudar na reflorestação após os incêndios. "Estava desempregado e começamos a vir uma semana, depois um mês e, eventualmente, percebemos que estávamos melhor aqui". No caso de Igor Costa, como de muitos outros professores no nosso país, foi a precariedade na profissão que lhe abriu a perspetiva para uma nova vida.
Existe no nosso país um paradoxo crónico que opõe a falta de docentes que não conseguem uma colocação fixa por falta de vagas e o vaguear de jovens professores por concursos locais a fim de colmatar as necessidades reais dos estabelecimentos públicos de ensino. Todos os anos se sucedem as reportagens, nos jornais e televisão, com profissionais que se viram obrigados a concorrer para lugares frequentemente no extremo oposto do local de residência. Perante a ameaça de desemprego, mudam-se de armas e bagagens, forçados a abandonar as famílias, para regressarem todos os fim-de-semana, num calvário que desmotiva qualquer um, por muito amor que tenham ao ensino.
"Se eu quisesse ir dar aulas, conseguia colocação numa grande capital de distrito ou mesmo em Lisboa ou no Porto", explica Igor. A questão é que o professor estava farto, não só da itinerância, como também da falta de continuidade que esta precariedade implica. Quando se quer fazer desenvolver um projeto educativo que faça a diferença, esta inconstância é negativa para professores e alunos.
Quando começaram a vir para Rio de Mel, o objetivo não era viver na aldeia, mas à medida que se embrenhavam na natureza "e repunham as árvores autóctones que caracterizam a região" foram ficando mais apegados ao território. Mas não tem sido fácil. Depois do esforço que se seguiu aos incêndios de 2012, esta região foi novamente atingida em 2017 de forma ainda mais brutal e violenta que nos anos anteriores. Apesar de em Rio de Mel não terem ocorrido vítimas mortais, a devastação na mancha verde foi catastrófica. Todo o trabalho de reflorestação foi devorado naqueles dias quentes de outubro, deixando a aldeia novamente mergulhada no negro que os incêndios inscrevem na paisagem.
O casal ainda ponderou abandonar o seu projeto, mas fez do desânimo força e, à medida que a vida foi timidamente voltando às encostas de Rio de Mel, também um projeto com o nome da terra foi germinando. "Passou-nos pela cabeça sair, mas o dia-a-dia foi correndo e o cenário foi-se compondo com o verde voltando". Aprenderam com alguns dos erros do passado e voltaram ao plano de reflorestação com o auxílio do fundo Recomeçar da Santa Casa. Com ajuda de especialistas e voluntários da região, conseguiram implementar um plano de reflorestação e agricultura sustentável em torno da aldeia. Acreditam que no futuro possa contribuir para a proteção de todos. Até agora foram plantados sete hectares de espécies autóctones em socalcos, mas este "é apenas um por cento do objetivo, porque a área total que o projeto Rio de Mel quer reflorestar chega aos setecentos hectares".
A mulher, Ana Raimundo, companheira de vida e de projeto sustentável, é ilustradora e artista plástica e inspira-se nos tons que a natureza lhe oferece para as peças que aqui cria. Não são os únicos. Igor Costa tem notado que às aldeias em redor chegam cada vez mais casais jovens. Da mesma maneira que lhe foram transmitidos os conhecimentos dos mais velhos da aldeia, também ele agora partilha experiência com os que chegam. "São conversas agrícolas", atira a sorrir.
Quando cai a tarde soalheira sobre a encosta, vemos o filho a brincar, feliz. O miúdo sente-se orgulhoso da pequena horta que construiu ao lado da casa e dos tritões, pequenos anfíbios semelhantes a lagartos e bastante comuns nos cursos de água junto à aldeia, que encontrou. Olhando para o filho, Igor desabafa: "Estamos rodeados de natureza. Poder sair de casa e não ver prédios, nem carros, é uma espécie de paraíso".
Rio de Mel
Pequena aldeia da freguesia de S. Gião, no concelho de Oliveira do Hospital, que deve o nome à cultura em torno das abelhas e da produção de mel. Faz parte da rede das Aldeias de Montanha.
Projeto coproduzido com a Escola Superior de Comunicação/IPL